Como o BTG se beneficiou com os aposentados no Chile: uma das censuradas

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Uma das reportagens censuradas em 2020 pelo BTG tratou de como o banco de investimento aberto conseguiu se beneficiar da Previdência privatizada do Chile

Jornal GGN – Em 2020, o GGN sofreu a censura de 11 reportagens pelo grupo BTG Pactual. Uma delas tratou de como o banco de investimento aberto fundado no Brasil conseguiu se beneficiar da Previdência privatizada do vizinho latinoamericano, o Chile. Reportagem de julho de 2019, uma das que integrou o especial “Chile – Um exemplo vivo da aposentadoria capitalizada“, trouxe em detalhes o sistema e como uma entidade financeira brasileira lucrou com a aposentadoria que deixou milhões de idosos chilenos na linha da pobreza. Relembre:

Quanto ganha o BTG com os aposentados no Chile e o fim do discurso do Banco Mundial

Por Patricia Faermann

21/07/2019

Paulo Guedes foi um dos fundadores do BTG Pactual nos anos 80 no Brasil, entidade financeira que hoje lidera o ranking de bancos de investimentos da América Latina. Desde 1998, o banco passou a pertencer ao não menos polêmico empresário André Esteves, chegando a momentaneamente ser vendido ao grupo suíço UBS, em 2006 –que por sua vez já respondeu a processos por fraudes fiscais–, retornando a Esteves a tempo de ser considerado dominante no setor.

Apesar da entrega societária, o BTG nunca saiu do radar de atenção Guedes, mantendo bom trânsito com sócios e representantes da entidade financeira. Mesmo alvo de acusações da Lava Jato, André Esteves compareceu à posse de Paulo Guedes como ministro de Bolsonaro. Quando os primeiros sinais da capitalização da Previdência foram dados pelo governo ainda em fevereiro, o presidente da entidade, Roberto Sallouti, mostrou imediato interesse em participar do negócio. E nesta sexta-feira (19), Guedes voltou a se reunir com o executivo em agenda oficial.

É que os resultados para a financeira brasileira no país precursor da capitalização, o Chile, saltam às vistas, ainda se tratando de uma estrangeira dentro do país latino-americano. Na reportagem de hoje do especial “O Chile e a Aposentadoria Capitalizada“, vamos mostrar as cifras do banco brasileiro que conseguiu lucrar com a Previdência chilena e como essa abertura do país aos investimentos estrangeiros foi o principal meio de publicidade de organizações para sustentar a falácia do milagre econômico, sendo essa mesma história 40 anos depois vista como exemplo de fracasso mundial

Na reportagem anterior [leia aqui], revelamos para onde vão as contribuições dos aposentados e o que fazem as Administradoras de Fundo de Pensões (AFP) com esses recursos. Além dos próprios fundos serem de capital estrangeiro –seis das principais AFP têm capital norte-americano–, os beneficiados no final da engrenagem são grandes monopólios empresariais, bancos e multinacionais, que também obtêm o lucro gerado dos trabalhadores chilenos. E a brasileira BTG Pactual, a menina dos olhos de Paulo Guedes e hoje de André Esteves, ganha um capítulo a parte nessa rede da capitalização da Previdência.

De acordo com o relatório produzido pela Fundação Sol,“AFP para quem? Aonde são investidos os fundos de pensão no Chile”, BTG é o terceiro da lista de multinacionais estrangeiras que mais recebe, hoje, investimentos das aposentadorias dos chilenos, chegando a representar 0,5% de todas as aposentadorias arrecadadas do país, ou em cifras US$ US$ 1,130 bilhões de dólares. Em outra lista que separa por tipos de instituições, o grupo brasileiro também aparece como o terceiro que mais recebe, em toda a categoria de fundos de investimentos, essas quantias generosas dos aposentados.

“BTG Pactual é uma empresa de capitais brasileiros. E além de receber investimentos desde os fundos de pensões, é uma entidade que administra investimentos em diversas companhias que também são emissoras de instrumentos investimento para as contribuições previdenciárias”, menciona o documento.

A referência ocorre porque a relação da brasileira no mercado financeiro chileno guarda matizes ainda no histórico da AFP PlanVital. Inicialmente, a Pactual comprou a companhia de investimentos suíça BSI, então controlada pelo grupo italiano Assicurazioni Generali, responsável também pelo setor de seguros da AFP PlanVital. Quando comprou 100% das ações da suíça BSI, a BTG assumiu indiretamente o controle também da parte de seguros da AFP.

Da mesma forma, dentro da própria AFP, a BTG Pactual Chile figura como uma das seguradoras contratadas pela PlanVital para seguros de Invalidez e Sobrevivência, que são os adicionais comprados por alguns aposentados com o dinheiro arrecadado nas AFP:

“Durante o primeiro semestre do ano de 2019, o Grupo BTG Pactual participou abertamente do debate sobre a reforma do sistema previdenciário que se discute tanto no Chile como no Brasil, emitindo opiniões favoráveis ás reformas de privatização da Seguridade Social. O atual ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, foi fundador do Banco BTG. E além dos investimentos citados, o grupo BTG administra investimentos das AFP também no exterior”, alertou o próprio relatório da Fundação Sol.

A lógica segue por toda a estrutura econômica do país. A capitalização da aposentadoria no Chile ocorreu paralelamente a uma série de mudanças neoliberais durante o período dos Chicago Boys na ditadura do Chile [leia neste especial]. As mais radicais foram as privatizações, em setores sociais como aposentadoria, saúde e educação, e a desestatização de empresas estratégicas, como energia e os bancos. A rápida abertura econômica permitiu, assim, a entrada de capitais estrangeiros em empresas nacionais, o que se tornou comum que mesmo os grupos econômicos considerados chilenos deterem uma porcentagem de sócios de outros países. Dessa mesma forma, a BTG Pactual tem ações na empresa SONDA, que integra o grupo chileno Navarro, que por sua vez recebeu também um total de US$ 368 milhões das AFPs.

O caso da brasileira beneficiada é apenas um exemplo. Porque além dos monopólios nacionais que têm redes e sociedades com empresas internacionais, ao todo, são 11 grandes grupos multinacionais de capital estrangeiro que recebem, diretamente, quase US$ 15 milhões de dólares dos fundos de pensões. Para o ex-chefe do Banco Central do Chile, ex-diretor da CEPAL e um dos fundadores da CIEPLAN, Ricardo Ffrench-Davis, é isso que explica porque o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) não esconderam seu entusiasmo com o início da mudança em plena ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).

“Quando decidiram capitalizar a Previdência, em 1981, estávamos nos endividando muito no mercado financeiro. O Chile era o país mais endividado da América Latina e a pior crise veio em 1982”, contou aoGGN. “As privatizações foram a pior parte, e depois com a crise o governo militar teve que gastar 35% para resgatar entidades privadas, com uma carga tributária de mais de 20%. O Banco Mundial, o FMI e as instituições internacionais neste tempo estavam felizes com o modelo neoliberal, eles emprestavam dinheiro para salvar o Chile. Então, nos trataram muito bem em 1982”, narrou o economista.

A entrada de investidores internacionais no modelo chileno, em todas as suas ramificações – desde a própria composição das AFPs, os investimentos que são feitos por elas e as estruturas societárias também dos seguros de aposentadoria, conforme vimos acima com a BTG Pactual – manteve o estado de ânimo dessas instituições, que mesmo após a redemocratização do país seguiram defendendo, mundo afora, o sistema capitalizado do Chile, explicou o economista Marco Kremerman.

“Isso se vê reafirmado pelo informe do Banco Mundial de 1994, intitulado ‘Envelhecimento Sem Crise’. Porque no Chile termina a ditadura e a democracia posterior não modifica o sistema, e dado à agenda privatizadora do Banco Mundial, encontra assim o argumento para recomendar a capitalização a outras partes do mundo. O documento com essa defesa concreta é publicado 13 anos depois que começa a operar as AFPs, e começam a ocorrer as privatizações na América Latina e outros países, incluindo Mexico, República Dominicana, El Salvador, Argentina, em parte Uruguai e Bolívia”, disse o especialista, que é um dos autores dos estudos da Fundação Sol.

O documento citado foi recuperado peloGGN[confira abaixo]. Na introdução, o Banco Mundial defende que “a necessidade de reavaliar as políticas é ainda mais urgente nos países da América Latina, Europa Oriental e antiga União Soviética, já que não podem mais se permitir os programas formais de segurança econômica na velhice que estabeleceram há muito tempo”. “Quando o Chile enfrentou estes problemas há 15 anos, reestruturou totalmente seu sistema”, dizia.

Os mesmos países que entraram no sistema capitalizado, pouco a pouco, tiveram que reverter o modelo, seja por meio de reformas parciais ou completas. Atualmente, apenas outros 11 países no mundo tem o mesmo sistema capitalizado do Chile, o que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer implantar no Brasil. Mais de 30 anos depois, estes países começam a mostrar hoje os efeitos desastrosos da mudança. Os três exemplos de economias mais próximas da realidade brasileira –México, El Salvador e República Dominicana– estão na ponta mais extrema deste cenário.

As conclusões são do mais recente estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado este ano, que aponta que o “experimento da privatização” no sistema de aposentadoria são “três décadas de fracassos”.

“Considerando que 60% dos países que privatizaram os sistemas públicos de pensões obrigatórias reverteram a privatização e tendo em conta a evidência acumulada de impactos sociais e econômicos negativos, pode-se afirmar que o experimento da privatização fracassou. As razões são múltiplas: desde os altos custos fiscais e administrativos até a baixa cobertura e baixas quantias de benefícios pagos, passando pela impossibilidade de calcular os ingressos na velhice, devido aos riscos do mercado de capitais, tal como se documenta no presente informe e nos estudos de caso dos países”, concluiu a OIT.

 

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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