Não há consenso para regularizar jogos de azar, mesmo com apoio do governo interino

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Mesmo com o apoio – e lobby – do governo interino de Michel Temer (PMDB), o projeto de lei que regulariza os jogos de azar no Brasil não tem consenso para sair do papel. Segundo informações de Helena Chagas, há uma disputa de egos entre deputados e senadores pela paternidade da proposta. Além disso, “os potenciais investidores foram abusados e começaram a desanimar.”

O GGN mostrou na semana passada que em 2009, Temer, enquanto presidente da Câmara, foi citado numa conversa entre o bicheira Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres, alvos da Operaçãp Monte Carlo – que apurava um esquema de corrupção envolvendo jogos ilegais. Na gravação da Polícia Federal, Cachoeira pede que Demóstenes diga a Temer que a regularização dos jogos deveria ser colocada em votação na Câmara.

Hoje na condição de presidente interino, Temer não impede que homens fortes de seu governo se manifestem publicamente sobre a polêmica proposta. O argumento é que com a regularização, o governo arrecadaria R$ 15 bilhões por ano. Mas, para setores como o Ministério Público Federal, o projeto regulariza uma atividade que serve à lavagem de dinheiro pelo crime organizado.

 

Por Helenas Chagas

Liberação de jogos não sai este ano

De Os Divergentes

O presidente do Senado, Renan Calheiros, vai insistir na votação do projeto que legaliza os jogos de azar nesta última semana antes do recesso branco. É pouco provável que consiga. Ainda que os senadores aprovem a proposta, já ficou claro para os interessados que o assunto não vai se resolver tão cedo, dificilmente este ano.

A liberação do jogo passou a ser objeto de ferrenha disputa entre o Senado e a Câmara. Os deputados têm outro projeto, que tramita ainda nas comissões, e não querem abrir mão de seu texto. As divergências não se dão exatamente em torno de seu conteúdo, mas sobretudo pela disputa da paternidade da abertura dos jogos no país.

Apesar do apoio do governo, ainda virá muita briga pela frente. Os potenciais investidores foram abusados e começaram a desanimar.

 

***

Cachoeira pediu para Temer regularizar jogos de azar

Por Cíntia Alves, do GGN

Março de 2012. O ex-senador Demóstenes Torres, que chegara a estampar reportagens de Veja como um “mosqueteiro da ética”, vira o centro das atenções após cair em grampos da Polícia Federal na Operação Monte Carlo, que investigava o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Na edição do dia 31 daquele mês e ano, Folha de S. Paulo publicou um diálogo entre Demóstenes e Cachoeira, no qual o bicheiro pediu que Michel Temer (PMDB) encaminhasse um projeto de lei que regulariza os jogos de azar.

O diálogo foi usado na reportagem “Gravações revelam favores de senador para empresário”. A conversa se deu no dia 24 de abril de 2009, quando Temer era deputado e presidente da Câmara.

Cachoeira diz: “Aquele negócio que eu pedi pra você olhar lá. Já chegaram lá? Aquela lei do Maguito?”

Demóstenes responde: “Já chegaram lá. Ela está na Câmara…”

Cachoeira: Pois é, você tinha que trabalhar isso aí com o Michel [Temer], né? Para por em votação…

Demóstenes: Lá isso passa por votação simbólica. Como passou no Senado.

O trecho foi usado para acusar Demóstenes de usar o mandato em nome dos interesses de Cachoeira, que foi preso recentemente na Lava Jato.

A regularização dos jogos de azar é um assunto que volta e meia entra em pauta, sempre que o governo está em crise e busca fontes de receita.

Na época do Cachoeiragate, Demóstenes apareceu alertando que trechos do projeto de regularização de jogos discutido no passado prejudicavam as atividades do bicheiro.

Hoje na presidência em virtude o impeachment de Dilma Rousseff (PT), Temer permite que o núcleo duro do governo trabalhe para aprovar o projeto de lei do Senado (PLS) 186/2014, que consta na Agenda Brasil – conjunto de propostas que o PMDB diz ter apresentado para tirar o País da crise. Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, por exemplo, foram citados em reportagem apontando que o PLS seria uma fonte de receita conveniente em meio à situação econômica atual.

O PLS está inserido na ordem do dia, com previsão de ser votado no Senado nesta quarta (6).

Nas contas do governo, a liberação de cassinos e regularização de bingos e caça-níqueis, entre outros pontos, renderia à União uma receita anual de R$ 15 bilhões.

No passado, Temer, enquanto vice-presidente, fez lobby pela regularização. Um jornalista ligado a Cachoeira chegou a publicar que Temer usava um assessor pessoal pra fazer interface com o então presidente da Abrabin (Associação Brasileira do s Bingos).

No governo Lula e início do governo Dilma, o projeto foi ofuscado por escândalos de corrupção envolvendo Cachoeira.

Na CPI de 2012, instaurada na Câmara e Senado após as revelações da Monte Carlo contra Demóstenes e o bicheiro, Temer apareceu novamente. Dessa vez, como um dos membros da cúpula do PMDB – incluindo Eduardo Cunha – que trabalharam duro para evitar a convocação de Fernando Cavendish – também preso na Lava Jato – para depor na CPI. Cavendish era sócio oculto de Cachoeira e dirigente da Delta. A empreiteira, àquela época, era a que mais atuava junto ao governo federal em obras do PAC.

Artigo do jornalista Leandro Fortes, em CartaCapital de maio de 2012, mostrou envolvimento de Temer para impedir, inclusive, que a CPI do Cachoeira avançasse contra jornalistas.

Fortes escreveu: “Desde o início de maio, Temer tornou-se uma espécie de mensageiro da família Marinho. O vice de Dilma tem ouvido e repassado os recados do grupo que comanda a Globo ao governo e aos integrantes da CPI do Cachoeira. E que pode ser resumido em um ponto: a mídia não pode virar alvo na CPI. Isso inclui deixar de fora a mais explícita das relações do bando de Cachoeira com os meios de comunicação: aquela estabelecida com a revista Veja.”

O jornalista referia-se a outra descoberta da Operação Monte Carlo: a de que Cachoeira teria fortes relações com repórter de Veja, Policarpo Junior, a ponto de decidir quando emplacar matérias contra seus adversários na revista semanal.

No final, o time de Temer teve sucesso: a CPI do Cachoeira – que também recebeu ajuda do PT para ser freada – entregou um relatório de uma página e meia, sem indiciar ninguém, muito menos jornalistas. O caso foi sumindo do noticiário tão logo o julgamento do mensalão foi tomando conta daquele segundo semestre de 2012.

Artigo da jornalista Helena Chagas, publicado no portal Os Divergentes, nesta quarta, mostra que o governo Temer tem sofrido pressão para aprovar o projeto de regularização dos jogos.

“O Planalto tem se mantido à distância da discussão porque o assunto é uma bola dividida, mas o governo, nos bastidores, apóia a aprovação do projeto que legaliza os jogos de azar, que será votado hoje pelo Senado. (…) Aliados vêm tratando do assunto na surdina já foram procurados por grandes grupos hoteleiros internacionais interessados em implantar no Brasil resorts com cassinos – modalidade prevista pelo projeto em discussão”, escreveu.

A ideia, contudo, sofre forte resistência de setores que consideram os jogos de azar uma forma de lavagem de dinheiro para criminosos de colarinho branco e traficantes.

“E é por isso que o governo não saiu ainda na defesa aberta do projeto. Michel Temer não quer, por enquanto, comprar briga com setores como o Ministério Público. (…) Há também problemas com a bancada evangélica.”

2 Comentários

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  1. Conheçam

        Uma das maiores interessadas, lobando bem, já atuando no Rio de Janeiro e Niterói, é a CODERE espanhola (www.codere.com ), aproveitem e tb. conheçam o Sr. Maghno José dos Santos do IBL.

  2. A coisa é muito maior do que parece

    Quem quiser se aprofundar na matéria, tem que pesquisar notícias dos anos do governo Olívio Dutra no RS. Na época já existiam informações sobre a tentativa de legalizar jogos de azar no Brasil.

    Até um delegado da PC/RS era apontado como o provável chefe da segurança dos cassinos que viessem a se instalar aqui.

    O Google é a melhor OSINT nesses tempos de internet. Basta pesquisar.

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