Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Nunca ingira bebidas alcoólicas. Nem socialmente, por Rui Daher

Qualquer coisa, enfim, que o leve ao prazer fará mal à saúde. Mesmo sexo, quando não abençoado por divindade de alguma crença religiosa.

Nunca ingira bebidas alcoólicas. Nem socialmente

por Rui Daher

Reconheço que 99% das leitoras e dos leitores desta coluna irão discordar de mim. Muito mais corretos eles, sem dúvida.

Peço leniência ao doutor Arthur Chioro, médico sanitarista, professor da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), ex-ministro da Saúde por 12 meses, (entre 2014 e 2015), no governo de Dilma Rousseff.

Politicamente, parece ser petista, pois, até hoje, dormita seus títulos em cargos públicos (Ministério da Educação e Cultura). Da mesma forma, e talvez por isso tenha assinado o texto “Apenas socialmente …”, para a versão impressa da revista CartaCapital (edição 1260, de 24/05), a acadêmica, (vejam a qualificação dos autores, todos professores de universidades. Oportunidade que já recusei. Não preciso de mais títulos para escrever o que penso, às vezes com alguma galhofa).

Aliás, para o bem de quem acolhe meus textos, nunca me peçam para explicar como, no Brasil, é conquistada a maioria dos títulos de professores acadêmicos. Sabem que eu conto e, se processo vier, o gênio Paulo Maluf me defende.

O artigo “Apenas socialmente …”, de Arthur Chioro, (ah, esta minha cabeça putrefata faz-me lembrar antiga sanfoneira ou acordeonista Adelaide Chiozzo (1931-2020). Com os mesmos dedos ágeis, o médico cria um resumo científico, recheado de estudos do exterior, para afirmar:

“Não há dose segura [de bebida alcoólica], com risco zero à saúde. Quanto menor for a ingestão de álcool, menor o risco”.

A, por favor

No título, aproveita para uma chacota aos pacientes que, envergonhados, não têm coragem de confessar que mandam lata nas biritas, então vão de “socialmente”.

Mas quando não o será? Convidados a uma pizza ou quitutes mais sofisticados, dois casais, resolvem dividir uma ou duas garrafas de Montepulcino, ou tesouro que o valha, estarão todos caminhando à breve cirrose. Não, o discípulo de Chioro, estragará a alegria de todos:

– Parem! Pra mim, não! Uma Fanta Uva, por favor. Sabem, o meu médico aconselhou-me zero álcool.

É claro que o autor recheia de pesquisas, estatísticas, ensaios e comprova seu negacionismo social. Sua causa e linha de pesquisa são dirigidos para a mais evidenciada entre as drogas lícitas, o álcool. O mesmo que você poderá encontrar para a carne branca, vermelha, rosada, manteiga, margarina, ovo, embutidos com excesso de sal, lácteos. Concreto para quem na extrema pobreza também, dizem, faz mal à saúde,

Permito-me resumir. Qualquer coisa, enfim, que o leve ao prazer fará mal à saúde. Mesmo sexo, quando não abençoado por divindade de alguma crença religiosa.

É provável que seus estudos e conclusões usem a evolução científica para negar a humanidade desde seus primórdios, escolham vocês, criacionismo ou evolucionismo. Tanto faz, pois nada do que fizermos, desde que alegremente na vida social, ou mesmo privada, se for de seu agrado ou prazer trará algum risco à saúde.

Desde 1975, antes dos 30 anos, rapaz gordinho, adquiri diabetes tipo 2. Lutei para virar magrinho, por orientação de toda a comunidade médica. Muitos deles com estágio em Boston (EUA), por mim visitada para consulta e que me fez conhecer a melhor cerveja do mundo, Samuel Adams.

A intenção era que aprendesse a gostar de alface, gelatina, refrigerantes sem açúcar, frutas selecionadas, exercícios físicos que me lembravam as torturas cristãs. Emagrecia alguns quilos, mas a mellitus não partia. Pensei: namoro com ela ou passo a ter o prazer da ingestão de vários tipos de álcool?

Foi quando um Chioro da vida me perguntou: “O senhor ingere algum tipo de álcool”? Respondi que não. Ele: “nem socialmente”?

Confuso, vacilei um pouco, respondi que não, e voltei para casa querendo decifrar o enigma. Fui estudar Ciências Sociais, na USP. Certo dia, perguntei a um professor famoso (já falecido): “Como devo entender o termo socialmente. Como confrontá-lo à saúde e ao prazer”?

Ficou puto. “Ora, meu velho, há três anos, depois de trabalhar o dia inteiro, se estrebuchar vindo aqui todas as noites, nem isso entendeu? Vai lá e pergunta pra Marilene. Quem sabe ela te faça entender. Ah, não adianta. Nas quintas, ela não dá aulas. Vamos até o Rei das Batidas, no início da Av. Waldemar Ferreira. Quem sabe lá, me inspiro e consigo te explicar”.

No caminho, expliquei a ele o motivo da minha dúvida. Enquanto pedíamos aos garçons nossas preferências etílicas e frituras para acompanhar, ele me devolvia com grossas doses de Hegel, Marx, Engels, Durkheim, Weber, até Hannah Arendt, quando ela fala na “banalidade do mal”.

E assim continuamos. Eu, na época, era bom em entender as teses do professor. Lia muito esse pessoal citado por ele. Politicamente pertencia a um grupo de amigos trotskistas que frequentava nas manhãs de sábado discussões com o professor da FFLCH, Bento Prado Ferraz Jr. (1937-2007).

O consumo ia indo, socialmente cumprido pelo garçom – “Ô Laurindo (Estou vivo, viu? E você? Graças!), traz mais uma!

– Não, Laurindo. Por enquanto, chega, vamos parar, traz a conta.

Olho, meio abestado, para o professor, e digo: “Uai, ainda é cedo, pelo menos a saideira”.

Laurindo espera. O professor meneia a cabeça … “a continha, querido a continha. Sem pressa, vou terminar uma aulinha aqui para o amigo”.

– Se Marilene estivesse aqui, ela te diria: “Discípulo Rui, o conceito do socialmente, quando o transpomos das ciências sociais para os prazeres nos percursos da vida é tudo, desde que não afete o prazer do outro. Se afeta apenas o seu prazer na vida, é nada. O prazer é seu, a saúde também, então são, ao mesmo tempo, um de um tudo e um de um nada. A ciência não pode comprovar nada que seja tudo em seu prazer”.

Tirada a confusão que o xiita médico me trouxera com seu artigo para CartaCapital, decidi nunca mais mentir ou ser um estraga-prazeres. Meus ou de alheios.

– Professor, acho que entendi. De agora em diante, se o médico perguntar se ingiro bebidas alcoólicas, responderei: “sim, bebo”. No máximo, ouvirei que não deveria, pois faz mal à saúde. Ao que responderei: “E ao prazer, também? Saberei equilibrar o tudo e o nada”.

Doutor Chioro, estou perto dos 80 anos. Durante esse período fui tratado por ótimos médicos de São Paulo. A nenhum precisei dizer que “bebo socialmente”. Respondo que tenho meus padrões alcoólicos e que a eles, feliz, solitário e, obviamente, em ambientes sociais, que podem ser beber uma cachaça, com um caboclo, noite alta, numa silenciosa campanha de soja nos pampas sulinos, ou num boteco à beira do Rio São Francisco, não abandonarei uma porção de rins de bodes, e uma, duas, mas não mais do que três ou quatro cachaças ou taças de vinho, ao ponto da minha sociabilidade naquele dia.

Na hora que decidir interromper o meu prazer, ainda que seja na presença de comensais bebendo um vinho de 500 paus, não será em sua saúde que pensarei, mas em meu prazer, felicidade e saúde mental.

De você (provável companheiro de certo Limoeiro, aí da UNIFESP), lembrarei o infortúnio de escrever para destruir toda a vida política, econômica e social do planeta Terra: do agronegócio (plantações de cana-de-açúcar, uvas, malte, cevada, milho, agave, outras); da indústria de bebidas; do comércio em bares e restaurantes e botecos onde se pratica dominó, bilhar e baralho.

Nesta semana faleceu amigo, de idade igual à minha, que por sugestão de médicos de sua linhagem e a “saúde” suspendeu a ingestão de álcool há mais de 20 anos. Não, não era um alcoólatra, nem fazia exageros, como eu.

Preferia-o hoje aqui, em nossa roda de amigos, tendo o prazer de tomar um uísque ou uma taça de vinho.

Tim-Tim. Socialmente.

Rui Daher – administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

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