“A recriação do Ministério da Cultura é medida fundamental para um governo democrático”, diz Márcio Tavares

O MinC foi um dos ministérios criados na redemocratização do país e a sua extinção marca claramente o rebaixamento dos padrões democráticos

“A recriação do Ministério da Cultura é medida fundamental para um governo democrático”, diz Márcio Tavares

por Arnaldo Cardoso

No rastro de destruição deixado por um governo que teve como um de seus atos inaugurais a extinção do Ministério da Cultura (MinC), revelando seu desprezo por todas as formas de expressão artístico-culturais e pela própria democracia, uma vez que a cultura é onde deve se dar a livre fruição dos valores e da autoimagem de um povo, tem se levantado no país vozes cada vez mais potentes conclamando o resgate da cultura.

É de saudosa memória para muitos brasileiros e brasileiras, períodos em que o MinC brilhou como na presidência de Lula, com a gestão (2003-2008) do ex-ministro Gilberto Gil – hoje imortal da Academia Brasileira de Letras – quando uma série de políticas atribuiu protagonismo ao papel do Estado na elaboração de políticas culturais. Essas políticas, além do fomento a atividades culturais e processos regulatórios, orientava-se por uma visão de cultura atenta às dimensões simbólica, econômica e cidadã.

É tendo em perspectiva o contraste entre os avanços outrora alcançados e o retrocesso produzido pelo governo Bolsonaro, que realizamos um estimulante diálogo com o historiador, curador e Secretário Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores, Márcio Tavares, no qual ele expôs uma acurada análise sobre a situação da área da cultura no país, seus problemas estruturais, importantes avanços democráticos realizados durante os governos Lula e Dilma, o desmonte promovido por Temer e Bolsonaro e a resistência e resiliência dos muitos atores sociais envolvidos no sistema nacional de cultura, com destaque aos coletivos e movimentos sociais, periféricos, cuja potência criativa não cessa de dar mostras e de sinalizar para necessárias transformações sociais e projetos de futuro.

Recriação do MinC

Perguntamos logo de início para Marcio Tavares se ele considera a recriação do Ministério da Cultura, por um novo governo, uma medida necessária para o restabelecimento de políticas públicas de cultura para o país, ao que ele nos respondeu:

A recriação do Ministério da Cultura é medida fundamental para um governo democrático. Primeiro, pela dimensão simbólica. O MinC foi um dos ministérios criados na redemocratização do país e a sua extinção marca claramente o rebaixamento dos padrões democráticos do país. Em segundo lugar, o ministério garante um status para a pauta que permite o diálogo com os demais setores e a própria Presidência com maior autonomia para a realização de programas e iniciativas culturais. Por isso, para a retomada das políticas culturais no Brasil, o Ministério da Cultura é crucial”.

Investimentos públicos em cultura

Desdobrando o diálogo para os impactos sociais de investimentos públicos em cultura, Tavares relatou de viagem recentemente feita ao estado do Ceará, importantes realizações do governo de Camilo Santana (PT) na área da cultura, ilustrando bem algumas de suas ideias.

“Em primeiro lugar, gostaria de assinalar o exemplo de gestão cultural do Estado do Ceará, o governador Camilo Santana (PT) apostou num secretário altamente capacitado que é o Fabiano Piuba que faz uma gestão de ponta e hoje é um exemplo para o país. Foi impressionante acompanhar as entregas realizadas pelo governo cearense. Os equipamentos culturais são belíssimos e tem preocupação em impulsionar a formação e a fruição em cultura. Destaco o Centro Cultural do Cariri, que é o maior centro de cultura no interior do país e vem sendo construído a partir de uma ótica de integração com as culturas no território, algo fundamental quando se pensa na capacidade de um espaço de cultura fazer a diferença junto de uma comunidade.

Investimentos em cultura são fundamentais, primeiramente porque a cultura é um vetor fundamental para a promoção da cidadania. A valorização da diversidade e da cultura contribui decisivamente para a formação de sociedades que convivem com respeito com as diferenças. Além disso, há o impacto simbólico: museus e centros culturais são espaços para a circulação de obras de arte e bens simbólicos que são fundamentais para a formação de repertório cultural. São uma janela para a exibição das culturas e do acervo artístico local e um encontro com o global.

O repertório é uma dimensão importantíssima na construção do gosto e para a valorização das linguagens artísticas e expressões culturais. Por fim, o investimento em cultura é um motor potente para a geração de emprego e renda. A economia da cultura é uma das que mais crescem no mundo e é uma economia sustentável e do futuro. Os empregos na área cultural estão na fronteira da nova era da criatividade, por isso esses investimentos são estratégicos para o desenvolvimento”.

Promoção e valorização da cultura popular regional

Diante de tão pertinente análise e indicação de caminhos, perguntamos ao Secretário Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores sobre as principais dificuldades para a promoção e valorização da cultura popular regional, para um país de dimensões continentais como o Brasil. Indagamos ainda sobre o papel que podem ter universidades locais/regionais e outras instituições dedicadas à cultura e às artes para a realização de projetos.

Márcio Tavares teceu as seguintes considerações:

“O Brasil tem um histórico de interrupções no desenvolvimento das políticas culturais. A maioria dos governos jamais entendeu a importância do campo cultural e os governos autoritários que compreendiam a força da cultura, atuaram justamente para calá-la – uma vez que a voz livre dos artistas sempre é um grito pela democracia. Nesse sentido, em poucos momentos o país conseguiu construir políticas culturais de grande envergadura. O maior exemplo foi no período dos governos de Lula e Dilma Rousseff, quando o Ministério da Cultura construiu uma visão ampliada a respeito da cultura, compreendendo que se precisava fazer política para o conjunto do país e de suas expressões culturais.

Uma das iniciativas fundamentais foi o desenvolvimento da ideia de um Sistema Nacional de Cultura, que em 2013 foi incorporado na Constituição. O SNC, inspirado no SUS, possui a ambição de criar uma gestão cultural capilarizada e participativa por todo o país. A regulamentação do sistema tramita na Câmara e é iniciativa fundamental da deputada Benedita da Silva (PT) para garantir que políticas culturais possam acontecer no país inteiro.

Além disso, é fundamental, sobretudo na dimensão da formação, a parceria com as universidades e institutos federais para que o país consiga dinamizar o fomento à produção e a circulação dos bens culturais. Criar estruturas de gestão e colocar as estruturas existentes à serviço da produção cultural é fundamental, mas a criação das estruturas de governança local e nacional também. Contudo, o gargalo está no financiamento. É preciso investir em cultura com recursos robustos. Nisso há uma grande responsabilidade da união, mas estados e municípios precisam contribuir”.

Coletivos e movimentos sociais como importantes parceiros

Com os coletivos e movimentos sociais firmando-se nos últimos anos no Brasil como espaços de resistência e germinador de iniciativas artístico-culturais democráticas e inclusivas, perguntamos a Márcio Tavares se os vê como parceiros importantes para o resgate da cultura em um novo governo progressista no país.

Tavares foi enfático em afirmar: “Serão parceiros importantíssimos!”. Em seguida acrescentou a avaliação de que “Nos últimos anos, o campo cultural constituiu um movimento político e social de grande envergadura. A cultura esteve na linha de frente da defesa da democracia e dos direitos do povo brasileiro. As leis emergenciais são resultado da força desse movimento que tem capilaridade nacional. A reconstrução das políticas culturais certamente passará pela valorização e proximidade com os movimentos e coletivos culturais”.

A continuação desta entrevista, avançando sobre temas como a importância da democratização da produção e do acesso à bens culturais; visões pós-coloniais e decoloniais no Brasil e no mundo; bienais e outras grandes mostras como plataformas de importante alcance e projeção da cultura nacional; arte de rua e a potência dos jovens como criadores e renovadores das artes e da cultura, será publicada neste mesmo Jornal GGN, na próxima semana.

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), escritor e professor universitário.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Leia também:

O pior erro é subestimá-los, por Arnaldo Cardoso

Ele não, por Arnaldo Cardoso

A vilania da guerra de propaganda, por Arnaldo Cardoso

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Temos que priduzir uma política cultural que faça o canpo cultural não depender de benecias do Estado pequeno burgues sob Hegemonia de uma classe media consumista de cultura neo liberal que não apoio uma narrativa de transformação social de fato

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador