
Algoritmo x Regras de Negócio, que confusão conceitual!
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Para que se entenda a diferença entre algoritmos e regras de negócio na prática, aqui vão dois relatos. O primeiro diz respeito aos algoritmos e o segundo às regras de negócio. Depois disso, vem uma análise epistemológica dos dois conceitos. Por fim, passa-se a discernir sobre se o que vemos no comando das redes sociais é uma coisa ou outra.
Mais ou menos trinta anos atrás, nossa empresa foi solicitada a resolver a medição da colheita de café para um grande produtor, que chegava a empregar dois mil safristas por ano. Tradicionalmente, cada safrista, que recebe por tarefa, recebe uma mala com quinze sacos identificados pelo seu número de registro. O apontador de produção identifica quem colheu ao virar o saco na carreta que leva os grãos para o lavador. O safrista recebe pelo que for maior, ou a diária, ou o número de sacos colhidos multiplicado pelo valor acordado por saca. Isso causa todo o tipo de transtorno porque, mesmo que haja uma marca para evitar sacos vazios, as impurezas, como galhos e folhas, ocupam espaço e falseiam o resultado. Como se isso não bastasse o turmeiro, que se encarrega de arrebanhar safristas, ganha uma porcentagem da quantidade colhida, não importando a ele se seu subordinado é ou não eficiente. Como um bom político do interior, o turmeiro, também chamado de gato, demonstra prestígio levando o máximo possível de pessoas para o serviço, principalmente, conhecidos seus, com quem praticam a rachadinha.
Coloquemos as coisas em números para facilitar. Suponhamos que a diária seja de R$80,00 e a saca tenham o valor de R$20,00. Se o peão colher três sacas, receberá R$80,00 e as sacas custarão R$26,66 cada. Se o mesmo peão colher cinco sacas, receberá R$100,00 e cada saca custará os R$20,00 combinados.
Entendido o problema, buscou-se uma solução algorítmica, ou seja, uma fórmula capaz de evitar as distorções, seja por erro de apontamento, seja pelo déficit de honestidade dos envolvidos. Passou-se a determinar o número de sacas colhidas na saída do lavador, usando-se uma balança eletrônica. Assim, considerando-se que cada saca pese 60 kg e tenham-se colhido 10 t, serão 166 sc que, ao preço de R$20,00/sc, resulta numa verba de R$3.333,33, a serem divididos pelos safristas consoante o número de sacas declaradas. Ora, como a verba passou a ser fixa, ao declarar mais sacas do que a verdade, o peão estará prejudicando o colega, não a fazenda, assim, eles passaram a fiscalizar a si próprios, eliminando-se o apontador de produção. A fórmula passou a ser:

onde Ri é a remuneração individual, Di é o número de sacas declarado pelo safrista, Pu é o preço por saca, Pt é produção total e Dt é o total declarado.
Resolvido o problema da remuneração individual, faltava resolver o problema das diárias, ou seja, a remuneração do gato, induzindo-o a só trazer trabalhadores cuja produção ultrapassasse o valor da diária. Então a fórmula para o gato ficou Rg = 0,3 * ( Pu *Pt – S * N), onde Rg é o rendimento do gato, Pu é o preço unitário, Pt é a produção total, S é o valor da diária e N é o número de trabalhadores. Discursivamente, o gato passou a receber 30% do excedente de produção sobre as diária, ou seja, se ele trouxesse alguém incapaz de cumprir a tarefa com sobra, ele não receberia coisa alguma sobre aquele trabalhador. Todos saíram ganhando. Os trabalhadores porque não se restringiam à diária, o fazendeiro porque o custo por saca colhida caiu, o gato porque passou a ser mais bem remunerado e terminaram as fraldes e as rachadinhas.
Noutra ocasião, o problema era a administração de uma melosa de 5.000 l de diesel numa propriedade de 120.000 ha. Melosa é o apelido para o abastecedor rodante, cuja função é abastecer as máquinas no campo, além de providenciar a troca de óleo, filtros e graxa, daí o nome melosa. Importante é lembrar que isso representa um custo o que, para fim de contabilidade de custos, levou a criar um combustível específico chamado diesel no campo, pois incorporava o salário de motoristas e ajudantes, assim como os custos do próprio veículo, devendo ser alvo de cuidado específico. Além disso, uma máquina desabastecida no campo é prejuízo por ser ela a incorporar o custo do tratorista, além da perda de eficiência nas tarefas a cumprir. Também havia vícios como abastecer a melosa com o combustível que ela carregava, realimentando seu custo, além de tornar imprevisível seu trajeto.
O problema foi resolvido dividindo-se a fazenda em dois setores, norte, trajeto matutino, e sul, trajeto vespertino. Todas as máquinas de cada circuito eram abastecidas, precisando ou não, porque o diesel é higroscópico e quanto menos o contato com o ar, menos água absorve, conservando todos os componentes envolvidos. Às 6:00, a melosa ia para o ponto mais distante da seção norte, abastecendo as máquinas no percurso de volta, tal que 12:00 estivesse na sede para o intervalo de almoço para os operadores. Nesse momento, os operadores da tarde enchiam a melosa com diesel, repondo os insumos consumidos, bem como abastecendo-a para rodar à tarde, deixando-a pronta às 14:00 para os operadores da manhã a reassumirem. Começava o intervalo dos operadores da tarde que, às 16h00, rendiam os operadores da manhã onde eles se encontrassem na seção sul. Dessa forma, às 20:00, a melosa estaria na sede, onde, entre 20:00 e 22:00, seria equipada para o dia seguinte.
Notem que, ao contrário do primeiro, o segundo relato não contém algoritmo algum por não envolver fórmulas matemáticas, sendo somente uma regra otimizada de negócio. Algoritmos não podem necessitar do que, em ciência da computação, chama-se de operadores lógicos. Esses operadores são geralmente representados pelo condicionante “se” em português ou “if” em inglês. São conhecidos por operadores ternários porque envolvem uma condição, um procedimento quando ela é satisfeita, e outro, quando não satisfeita. Assim, dizer que um algoritmo precisa de um ser humano por trás é desconhecer o conceito no que tange ao seu aspecto científico. A fórmula de Bhaskara, que se usa para resolver uma equação de segundo grau, por exemplo, é um algoritmo, assim como se pode dizer do método de Gauss para inverter matrizes.
Na medida em que os parâmetros, que levam publicações para cima ou para baixo na fila oferecida aos usuários das redes sociais, são arbitrados deixam de ser algoritmos para serem regras de negócio. As redes sociais cumprem os anseios dos que nelas investem e as regras de negócio seguem o que aprendemos em economia institucional, em que os stakeholders são os sócios, os fornecedores, os clientes, os administradores e o Estado. Regras de negócios podem ou não ser refletidas em algoritmos, cuja função é resolver questões específicas, jamais a totalidade do empreendimento.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.
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