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Economia, a ciência dos dilemas
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Existem alguns autores, mesmo essenciais para o desenvolvimento da ciência, que ficam conhecidos somente entre os profissionais da área. Em alguns casos são relegados à bolha acadêmica por serem incômodos ao “mainstream”, em outros porque os divulgadores científicos têm dificuldade em popularizar suas teorias. Arthur Okun é um desses casos. A mídia repete todos os dias nomes como Keynes e Friedman, mas Okun fica nos bastidores. Esta matéria busca usar sua contribuição para explicar os resultados da transformação em dogma das ideias neoliberais e ultraliberais sobre a economia.
Arthur Melvin Okun (1928-1980) foi um economista americano, formado pela Columbia University e professor em Yale, que se destacou por suas contribuições à teoria econômica e à política econômica. Assim como este autor, ele nasceu e morreu economista keynesiano, o que transparece em sua atividade governamental na gestão de J. F. Kennedy e, principalmente, na sua vida acadêmica, no que foi muito prolífico. Provavelmente, sua morte súbita aos cinquenta e um anos de idade seja a principal causa para que não fosse tão premiado quanto merecia.
Okun (1962A)[1] foi um dos primeiros economistas a discutir o PIB potencial. Isso tentava mostrar que os países tendem a ter uma expectativa de PIB que iguala o crescimento interno ao crescimento mundial. Mas foi o fato de estabelecer a relação numérica entre crescimento do PIB e a elevação do nível de emprego (Okun, 1962B)[2] que o deixou famoso. Ele mostrou que a taxa de crescimento tende a precisar ser maior que a taxa de crescimento do nível de emprego. Empiricamente, estudando várias economias em várias épocas, ele concluiu que, para cada 1% de crescimento do PIB, o nível de emprego subia entre 0,3% e 0,5%. Mas Okun não era ingênuo e sabia perfeitamente que esses números dependiam de outras variáveis, incluindo a inovação tecnológica, bem como o grau de emprego de capital no sistema produtivo. Importante era a observação de que o crescimento econômico estaria intimamente ligado ao aumento da eficiência da mão de obra.
Okun (1965)[3] discute a ideia de que o crescimento econômico pode ser distribuído de forma desigual entre diferentes grupos sociais, e que os menos válidos (ou os mais vulneráveis) tendem a ser os últimos a se beneficiar desse crescimento. Okun argumenta que a sociedade tem que optar entre igualdade e eficiência, e que a busca por igualdade pode levar a uma redução da eficiência econômica. Ele também discute como os diferentes grupos sociais têm diferentes níveis de poder e influência, o que pode afetar a forma como os benefícios do crescimento econômico são distribuídos. É o caso dos aposentados, que não podem fazer greves para exigir melhorias nas suas condições de vida, estando sujeitos às sucessivas reformas previdenciárias, reformas essas que acabam contando com o apoio popular, seja pela juventude dos economicamente ativos, seja pela perspectiva de que as contribuições reduzem seu poder de compra presente.
A ideia de que os menos válidos são os últimos a se beneficiar do crescimento econômico é uma crítica à forma como a sociedade prioriza os interesses dos mais poderosos e influentes, em detrimento dos mais vulneráveis que, além dos aposentados, incluem as pessoas com deficiência e os que simplesmente não tiveram oportunidade de se inserir no sistema econômico vigente. Muito provavelmente, Okun concordaria com que a ideia neoliberal de que o Estado não deva ser indutor do crescimento econômico, bem como a ideia de que a austeridade em seus gastos seja capaz de garantir a prosperidade do setor privado, seja o motor da desigualdade.
A onda reacionária que acometeu o mundo nas últimas décadas acabam por expulsar do mercado consumidor os mais vulneráveis, como se pretende com a redução do BPC (Benefício de Prestação Continuada), regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993), conhecida como LOAS. Dela dependem também pessoas que contribuíram para o INSS, mas foram prejudicados pela reforma previdenciária de 1999 (Lei 9.876/1999). Resumindo, se existe antagonismo entre a eficiência da economia e a igualdade entre os seres humanos, deve haver um ponto ótimo em que a economia continue crescendo com ganhos de produtividade da mão de obra, sem que o indivíduo seja relegado ao papel de mera peça em uma máquina azeitada. Se a busca desse ponto não for a meta do economista, que se rasguem os diplomas e que se encerrem os cursos dessa ciência.
[1] Potential GNP
[2] “The Gap Between Actual and Potential Output”
[3] “Equality and Efficiency: The Big Tradeoff”
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.
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