Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela USP. Aposentou-se como professor universitário, e atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.
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E a Nau dos Insensatos vende passagens, por Luiz Alberto Melchert

Em 2020, lançou-se um papel na B3 que demonstra o grau de desvario e violência a que os operadores conhecidos como faria-limers podem chegar.

E a Nau dos Insensatos vende passagens

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Se a Nau dos Insensatos abrigasse somente loucos mansos, provavelmente atracaria em bom porto e seus passageiros seriam salvos. Infelizmente, os loucos violentos logo tomam o poder e submetem os mansos às mais terríveis torturas físicas e psicológicas. Em 2020, lançou-se um papel na B3 que demonstra o grau de desvario e violência a que os operadores, vulgarmente conhecidos como faria-limers podem chegar. Para entender do que se trata, é preciso rever os conceitos que regem o mercado futuro.

Suponhamos que a empresa XYZ seja uma importadora e a ABC seja exportadora. Se, entre a compra e o recebimento/entrega da mercadoria adquirida/vendida em dólares, o real se desvalorizar, XYZ perde e ABC ganha com a variação da taxa de câmbio. Ambas vão tentar se proteger comprando dólares futuros a um preço satisfatório e o especulador assume o risco, pelo que cobra um prêmio. A isso denomina-se como “travar o preço futuro”. Ocorre que, nesse interim, o dólar cair, XYZ, por ter travado o preço, deixa de aproveitar a oportunidade, então, ele compra uma opção pela qual ela vende os dólares ao preço fixado, adquire pelo valor mais baixo,  e os entrega ao exportador no estrangeiro, ficando com a diferença. Por outro lado, Se o dólar subir e ABC tiver travado o preço, deixa de aproveitar a oportunidade de conseguir mais reais pelas mercadorias que exportou. Então, ABC adquire uma opção de compra pela qual ela pode adquirir os dólares pelo preço combinado, vendendo-os a seguir pelo valor mais alto, protegendo-se contra a valorização do real. Assim, a XYZ estiver comprado em dólares, adquire uma opção de venda; se ABC estiver vendido em dólares, adquire uma opção de compra. É sempre o movimento contrário. Naturalmente, o especulador, que adquire o risco, independentemente da direção do movimento, cobra um prêmio por isso.

Suponhamos agora que, no lugar de uma exportação, XYZ tome um empréstimo de ABC. Se a taxa de juros for pré-fixada, se a taxa de juros de mercado subir, ABC sai perdendo; se a taxa de juros for pós-fixada, ABC sai ganhando. É natural que ambos queiram se proteger das variações usando mecanismos semelhantes aos descritos no parágrafo anterior. Ocorre que as variações são majoritariamente causadas pelas decisões do Copom, haja vista o peso que a dívida pública tem na economia. Se assim não fosse, a taxa de juros não seria a mola-mestra da política monetária.

O reconhecimento de que é o mercado financeiro que vem,  via boletim Focus, ditando as decisões do Copom, tendo o desequilíbrio fiscal como pretexto, que se criou, em 2020, já na gestão de Campos Neto e já com a independência do BC em vigor, um novo e bizarro papel, denominado “Opção Copom”, cuja função é defender os agentes econômicos das decisões da autoridade monetária. Se usarmos o jargão dos adeptos das  expectativas racionais, é o mercado esterilizando as decisões do Estado. Ocorre que, por falta de proteção, o agente mais afetado pelas decisões do Copom é o governo, especialmente no que tange à execução orçamentária. Um ponto percentual de variação na taxa básica de juros reflete-se diretamente nos gastos do governo e, se não houver mais verbas discricionárias a cortar, que se restrinjam as obrigatórias. Assim, o Governo perdeu a capacidade de exercer política fiscal e monetária a um só tempo. Ora, se o mercado criou mecanismos para que o setor privado se proteja contra as decisões do BC, por que o Governo não lança mão deles? Afinal, a independência do BC põe o Estado na mesma categoria que qualquer utro agente econômico.

A ideia é que o Tesouro passe a adquirir opções Copom, protegendo-se de eventuais altas nos juros, consequentemente, mantendo sua capacidade de executar o disposto na LDO. Isso quebraria o ciclo de abusos do BC e faria com que ele retornasse a respeitar a vontade da nação e não a do mercado financeiro. Resta saber se o Ministério da Fazenda tem coragem suficiente para isso, pois equivaleria a uma declaração de guerra em que Governo e mercado financeiro teriam paridade em armas. Seria como pôr camisa de força nos loucos violentos que dominaram a Nau dos Insensatos.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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2 Comentários

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  1. Que me perdoe o Luiz Melchert, mas poucas coisas nesse mundo são mais sensatas, lúcidas, e articuladas do que os financistas. Que somos, nós, que assistimos a essa ciranda sem esboçar reação, loucos mansos, eu posso até concordar. Mas a nossa mansidão vem da ignorância, da inércia da ignorância, do fato de mal dominarmos o vernáculo, que dirá distinguir entre prejuízo e déficit, e não de uma suposta loucura. Creia-me, e eu até pouco tempo fazia isso, ou seja, tentar discutir, com amigos, parentes e vizinhos, artigos como esse, mas tudo isso é simplesmente grego, para eles, e os aborrece e entedia terrivelmente. Como explicar o teor desse artigo a um brasileiro médio, pobre, inculto, como fazê-los entender o que é uma partida dobrada? A grande obra da elite desse país é ter mantido a massa da população na mais profunda ignorância, em todos os níveis; e isso só é possível se houver, nesse diminuto extrato da população, gente sensata, lúcida, e articulada, para por em movimento obra tão gigantesca. E esses são, nesse estágio dessa dominação, os rentistas. Eles conseguem convencer qualquer parte da população, letrada, iletrada, analfabeta, classe média, de que austeridade é necessária, que um governo é como uma dona de casa, que não pode gastar mais do que ganha, e que déficit é prejuízo! Essa gente não é louca, amigo! É muito esperta!

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