Rodrigo Maia quer que o BC morra com o mico do crédito corporativo

Nos últimos anos, essas operações de crédito corporativo renderam lucros extraordinários aos bancos, aos acionistas e aos executivos. Não é justo, nem politicamente viável, agora, que o BC morra com o mico.

No mercado, diz-se que morreu com o micro preto o investidor que fica com o prejuízo no final da linha

Vamos entender o que está por trás da proposta do presidente da Câmara Rodrigo Maia, de aprovar uma PEC autorizando a recompra, pelo Banco Central, de crédito corporativo dos bancos.

Debêntures são papéis emitidos em troca de um empréstimo. A empresa emite a debênture e vende no mercado, se dispondo a resgatá-la no vencimento.  Esses papéis são negociados no chamado mercado de balcão da Bolsa.

Nos últimos dias, o mercado secundário de debêntures estava sem liquidez, isto é, sem negociação. Muitos fundos de investimento tinham debêntures em carteira e estavam com dificuldade para dar resgate aos investidores que queriam sair.

De repente, surgiu o banco BBM adquirindo mais de R$ 300 milhões em debêntures. Essa súbita liquidez intrigou o mercado. A explicação do BBM é que tinha dinheiro em caixa por ter se preparado para a eventualidade de um aumento das operações de crédito a partir de março.

Em uma economia empoçada, curiosamente o BBM se disse com o nível mais alto de caixa dos últimos oito ou dez anos.

Pode ter sido coincidência, pode ter sido uma oportunidade de comprar papéis na baixa, à medida em que instituições despejavam no mercado, para ganhar liquidez. Mas, dias depois, a Câmara Federal, anunciou uma MP para injetar liquidez no mercado. Uma das medidas consiste em permitir ao BC adquirir letras financeiras do Tesouro das instituições. Até aí, tudo bem. Trata-se de um mercado transparente e as letras financeiras são consideradas quase moedas.

Surpreendentemente estendeu a medida para a possibilidade de adquirir créditos corporativos dos bancos, ou seja, o estoque de debêntures adquiridos no período pré-coronavirus.

O busílis da questão é esse parágrafo:

  • 10. O Banco Central, limitado ao enfrentamento da referida calamidade, e com vigência e efeitos restritos ao período de duração desta, fica autorizado a comprar e vender direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos.

Em momentos de crise, no mercado de balcão os papéis não têm a menor referência de preços. O Banco Central poderá definir de quem comprar, pelo preço que arbitrar, sem nenhuma referência ou transparência.

Nesse mercado, os valores transacionados são de investidor para investidor. Nada vai para a empresa que emitiu a debêntures. Por isso, não há nenhuma relação de causalidade entre o BC adquirir debêntures da empresa no mercado, e a empresa ter acesso a créditos. São compartimentos diferentes.

Além disso, qualquer resgate de crédito corporativo podre significará a socialização dos prejuízos bancários.

Por outro lado, o crash das debentures poderá provocar quedas patrimoniais expressivas nos fundos de investimento, levando pânico ao mercado.

Há duas maneiras de ver essa questão.

A primeira, a do risco sistêmico. Suponhamos que o montante de crédito podre dos bancos seja de tal nível capaz de colocar o sistema em risco. Nesse caso caberá ao BC adquirir as debêntures.

A segunda questão, não contemplada na MP, é a contrapartida exigida das instituições que forem socorridas. A contrapartida mais lógica – e que em nada interferiria na solidez da instituição – seria os controladores colocarem suas ações em um fundo como garantia de pagamento, da mesma maneira que fazem os clientes de bancos ao solicitar crédito.

Mais à frente, quando houvesse uma recuperação nos preços das ações, o BC venderia no mercado, ou revenderia para o banco, para se ressarcir dos eventuais prejuízos com calotes.

Não é justo, nem politicamente viável, agora, que o BC morra com o mico.

 

Luis Nassif

16 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Obrigado, estava com receio de nada sair por aqui.
    Torço agora para que os grandes jornais e a mídia televisiva ponha a boca no trombone. Não sei se houve alguma manifestação sobre – a gente cansa de tanto ouvir – torcer.
    E mais, parece que alguns deputados ficaram felizes em ver que não haverá perda salarial para o funcionalismo. Nem meia palavra sobre o bendito parágrafo 10 e menos ainda sobre a redução dos ganhos na iniciativa privada.

  2. E Nassif dizia que o Botafogo era um dos pilares de sensatez em meio a tempestade.
    De fato é.
    Agora se sabe suas motivações para tanta calma.

  3. “…Além disso, qualquer resgate de crédito corporativo podre significará a socialização dos prejuízos bancários…”…A contrapartida mais lógica – e que em nada interferiria na solidez da instituição – seria os controladores colocarem suas ações em um fundo como garantia de pagamento, da mesma maneira que fazem os CLIENTES DE BANCOS AO SOLICITAR CREDITO….” AntiCapitalismo de Estado. MERCADO TOTALMENTE CARTELIZADO E OLIGOPOLIZADO. Por que os preços NUNCA baixam no Brasil?!! Principalmente o Preço do Dinheiro?!! O LUCRO é livre e privado. O PREJUÍZO é protegido e socializado, desde que todo Processo seja mantido e compartilhado pelas Elites do Poder Público, como atesta Rodrigo Maia. O Povo Brasileiro, o Cidadão Brasileiro sempre pagando a conta na quase secular Indústria da Miséria e do Atraso. 90 anos de trágica realidade replicada em 4 décadas de farsante Redemocracia. Pobre país rico . Mas de muito fácil explicação.

  4. Se alguém tinha dúvida sobre para quem o Maia trabalha, ficou esclarecido agora. Quanto ele leva nessa? Muita gente vai lucrar nessa tragédia

  5. O Sistema Financeiro brasileiro é dominado por 5 grandes bancos. Todos eles obtiveram enormes lucros durante anos seguidos com as seguintes características: (a) spread elevadíssimos para PF e PJ; (b) taxas de serviço abusivas por falta de concorrência; (c) taxas abusivas nos títulos do governo; (d) lucros garantidos nas operações compromissadas; (e) lucros bilionários aos acionistas sem pagamento de IR.
    Os pequenos e médios Bancos de Investimento, em geral especuladores e agiotas legalizados, não têm o poder de colocar em risco o Sistema Financeiro. Quem sempre ganhou muito dinheiro fácil, que agora enfrente os eventuais prejuízos. A economia real saqueada durante anos não deve sustentar parasitas sociais.

  6. Mais didático, impossível, caro Nassif. No meio do medo (de morrer de doença ou de fome) e das polêmicas inúteis, eis que entra um bode na sala.
    Qual a origem da grana pra comprar esse monte de papelzinho de fiado, para Guedes é tabu.

  7. Nassif: sua live na TVGGN foi lamentável. Não houve o contraditório e seus três entrevistados fizeram a defesa dos interesses dos banqueiros. Por que vc não colocou na live o Eduardo Moreira em vez de colocar o seu amigo que é presidente de banco ?
    Desserviço, Nassif !!!

  8. O Bolsonaro está querendo recriar o “”””PROER””””, “”””O BOLSA BANQUEIRO DO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DO PSDB”””.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador