O balcão de negócios do Ministério da Saúde

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Arthur Chioro e Cristina Serra falam com Luis Nassif e Marcelo Auler sobre aprofundamento dos esquemas vistos durante a gestão Temer

Jornal GGN – Os escândalos envolvendo a compra de medicamentos de alta complexidade pelo Ministério da Saúde foram o tema da TV GGN 20 horas desta quarta-feira (05/01), onde os jornalistas Luis Nassif e Marcelo Auler conversaram com o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro e a jornalista Cristina Serra.

Inicialmente, Nassif fala da nova disparada de casos de covid-19 no mundo, e o apagão de dados por parte do Ministério da Saúde brasileiro. “O que ele (Marcelo Queiroga) está fazendo, escondendo dados – não há dados do Ministério da Saúde sobre essa nova onda – , e essa nova onda é avassaladora”, diz Nassif.

Quanto aos dados globais, a média diária fechada em 04 de janeiro aponta um aumento de 92,9% nos casos registrados na média de sete dias – “isso significa quase que dobrar em sete dias”. Em 14 dias, o salto foi de 169,8%.

Dos 20 países com maior crescimento de casos, 16 são europeus, 2 da América do Norte, 1 da América do Sul e 1 na Oceania. “O Brasil não entra porque o ministro da Saúde está escondendo dados”, diz Nassif.

No caso dos óbitos, os números não acompanham a mesma velocidade: a média global em sete dias registrou 4.654 mortes, queda de 3,9%, Em 14 dias, a queda foi de 9,8%.

“Mesmo sendo menos letal, essa nova cepa, pela velocidade de multiplicação mesmo que ela tenha um percentual menor de óbitos, é um percentual em cima de uma base muito maior de casos”, diz Nassif.

Queiroga repete esquema de Ricardo Barros

Segundo Nassif, o ministro Marcelo Queiroga está repetindo o mesmo esquema visto na gestão do general Eduardo Pazuello – ou seja, o boicote de ações e informações para abrir espaço para negócios.

“Todos aqueles negócios do tempo do Ricardo Barros voltaram com essa jogada da imunoglobulina”, ressalta Nassif ao lado de Marcelo Auler.

“Já fizemos várias matérias mostrando o que era o golpe do Ricardo Barros quando ele assume o Ministério da Saúde com o Temer: ele cria uma falsa escassez e, com base na falsa escassez, ele é autorizado a contratos emergenciais com preços lá em cima”.

Um exemplo disso envolve a suspensão da compra de medicamentos ligados ao combate ao câncer infantil, e a posterior aquisição de medicamento que não tinha eficácia comprovada. “Com a imunoglobulina, a mesma coisa: lá em 2018/2019 ele (Barros) joga o preço lá pra baixo na compra de produtores nacionais, eles param de entregar, cria a escassez”.

“Daí ele (Barros) se junta a uma empresa chamada Blau, e essa Blau tenta trazer da China. Não dá certo. Daí esse ano eles fazem uma licitação, e essa empresa chinesa vence por um preço exorbitante”, diz Nassif.

Diante disso, o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, suspende o processo de compras e vai para votação em plenário no Tribunal de Contas da União – contudo, a Advocacia-Geral da União espera até o final do ano para entrar com uma ação no Supremo.

“Por que final do ano: porque cai nas mãos do Luiz Fux”, diz Nassif. “Então toda aquela blindagem que o Supremo fez para impedir que esses casos mais complexos ficassem com o Luiz Fux foi driblada por esse ponto”

“Eu não vou nem dizer que estão criando uma falta de medicamentos, mas é óbvio que tem uma jogada”, diz Marcelo Auler. “No início de outubro, e isso está na decisão do Fux, o ministro Bruno Dantas suspende a licitação”.

Segundo Auler, Dantas suspendeu a licitação pois a empresa vencedora ofereceu imunoglobulina por um preço R$ 160 milhões menor.

“Ela oferecia cada ampola a R$ 759,98 – porém, ela foi desclassificada porque alegaram que ela não tinha o documento da OMS – só que a Anvisa já tinha autorizado a participação dela”, ressalta Auler. “E aí, ao desclassificarem, deram a vitória à empresa chinesa cujo preço da ampola era R$ 1.035,60”.

Por se tratar de uma aquisição muito grande – 575 mil ampolas -, a diferença no preço final é de R$ 160 milhões. “Ao desclassificarem a indiana e darem a vitória para a chinesa, eles deram uma manipulação e garantiram um preço mais caro”, diz Auler.

“No dia 06 (de outubro) o ministro Bruno (Dantas) dá uma liminar, e no dia 08 o plenário do Tribunal confirma a decisão suspendendo as compras”, lembra Auler. “O mandado de segurança da AGU é impetrado em 23 de dezembro no Supremo, e é automaticamente distribuído ao Dias Toffoli que não está trabalhando como outros colegas dele”.

Diante disso, a decisão vai para as mãos de Fux – que dá a decisão no último dia de dezembro, suspendendo a decisão do Tribunal de Contas “alegando o risco de faltar imunoglobulina para o tratamento do pessoal com AIDS nos meses de janeiro”, diz Auler.

“Se você está mostrando matérias de outubro dizendo que já faltava imunoglobulina, porque a decisão de esperar até 23 de dezembro para ingressar com mandato de segurança? E não imediatamente? Para jogar com o recesso”, diz Auler.

Modus operandi adotado é padrão

“Na verdade é um modus operandi similar, que se repete em quase todos os casos, as características são muito parecidas”, diz a jornalista Cristina Serra, que elaborou uma série de reportagens denunciando o caso da medicação contra câncer infantil.

“Você forçar, provocar, levar a uma situação de escassez ou quase escassez para permitir que a coisa seja feita no atropelo e beneficie esquemas em que o ministro sairia beneficiado na época, o Ricardo Barros”, diz Cristina.

“Agora, é uma coisa muito cruel. A gente estava falando, desse caso específico, de um remédio para câncer infantil (…) O Brasil na época comprava remédios de renome mundial para tratamento desse câncer infantil”, explica a jornalista.

“Houve, então, uma simulação de uma aparente, de um risco de escassez,  quando aí o Ministério da Saúde tenta comprar esse remédio na China por meio de uma triangulação completamente irregular”, diz Cristina, afirmando que a denúncia só foi possível graças a médicos que se preocupavam realmente com a saúde das pessoas.

“É preciso dizer que, hoje, a gente precisaria de fato até fazer um estudo sério para saber qual a consequência da troca desses remédios, quando o Brasil deixou de comprar os remédios certos para apostar nessa picaretagem“, afirma Cristina Serra.

“Não temos um estudo com alcance suficiente para avaliar de fato o que aconteceu em virtude do uso desse remédio, mas é um ato criminoso, capitaneado pelo senhor Ricardo Barros, para favorecer esquemas em que ele saiu beneficiado”, diz Cristina.

Ministério se tornou balcão de negócios

Para o ex-ministro Arthur Chioro, uma das grandes contribuições da CPI do Senado foi mostrar que “o negacionismo está à serviço do negocionismo no mundo, no universo de negócios.

“Aliás, a gente já identificava desde o governo Temer, mas cujos tentáculos, cujos esquemas se mantém. Aliás, se aprofundaram“, explica Chioro.

Para o ex-ministro, o desmonte técnico e a militarização de boa parte dos postos-chaves, com a assunção de um conjunto de coronéis, que ficou muito evidente os de dentro e os de fora foi “construindo junto com outros agentes privados um ambiente de profunda promiscuidade”

“Quero fazer um resgate histórico de um problema que já vinha sendo identificado desde o governo FHC, o que levou inclusive no começo do governo Lula o então ministro Humberto Costa a liderar a criação da Hemobras”, lembra Chioro.

“Um dos motivos era exatamente colocar o dedo nesta ferida, neste cancro. Estamos falando de um produto, imunoglobulina, que é utilizado hoje no tratamento de pelo menos 50 importantes doenças, desde doenças raras a doenças comuns. E são produtos que não podem faltar”, diz o ex-ministro.

“O cenário que a gente vive, hoje, ele é agravado e ele cria um ambiente para esses negócios porque, com a pandemia, há uma redução do número de doadores de sangue – daquilo que é necessário para a produção das imunoglobulinas”, diz o ex-ministro.

“A gente tem um desalinhamento do preço internacional do produto em função do dólar, mas no caso específico do desabastecimento que vem sendo agravado desde 2019, que vai criando as condições para essa aquisição feita em caráter emergencial sem critérios técnicos”, diz Chioro.

Veja mais sobre os novos esquemas do Ministério da Saúde na íntegra da TV GGN 20 horas. Clique aqui e confira!

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

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