Brasil, quem desdenha quer vender II, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Resta saber como e com que custo, bem como com que qualidade os serviços públicos chegam a cada cidadão.

Brasil, quem desdenha quer vender II

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Na matéria anterior, introduziu-se um conceito que, se não for inédito, é pouco explorado nas discussões acerca da reforma tributária. Trata-se da medição da arrecadação, estado a estado, perante o território de cada um. Estados gigantescos como Amazonas e Pará contam com valores pífios para manter a logística e a infraestrutura para levar o estado aos rincões mais distantes, enquanto alguns estados menores contam com valores que justificariam um atendimento homogêneo independentemente do local em que o cidadão viva. Pode-se atribuir à presença do Estado por todo o território o sucesso da ocupação dos Estados Unidos. Mesmo que uma pessoa viva em Montana, cuja densidade populacional é menor que um habitante por Km², o Estado está tão presente quanto se o cidadão morar nas grandes aglomerações urbanas como a no que os americanos chamam de “the Corredor”, que liga New York a Washington DC, onde vivem quase setenta milhões de pessoas.

Nesta etapa, introduzimos a arrecadação per capita, que é conceito bastante explorado em debates acerca do sistema tributário brasileiro. A tabela 1 introduz dados demográficos aos apresentados na matéria anterior, desta vez, em ordem de arrecadação por cabeça. Embora a disparidade seja menor que quando se analisam os dados pelo ponto de vista da arrecadação por área, ainda encontramos diferenças gritantes. Quando se fala em arrecadação por cabeça, a maior delas, encontrada no Mato Grosso do sul, (R$7.560,44), é 4,93 vezes maior que o Maranhão (R$1.530,79). Com enfoque por área, obtém-se o rio de Janeiro com arrecadação 145,6 vezes maior que que para o Amazonas (R$9.327,39). É evidente que não se pode esperar dados parelhos para ambas situações. Uma variação tão grande mostra, antes de tudo, que o país é espantosamente mal dividido territorialmente. Note-se que Mato Grosso do  Sul, que conta com a maior arrecadação per capita, tem a 17ª arrecadação por área. Enquanto isso, o Amazonas, que conta com a pior arrecadação por área, apresenta uma arrecadação  per capita (R$3.405,85) ligeiramente maior que a do Rio de Janeiro (R$3.330,71). Aliás, mais uma prova de que o problema primário é a má distribuição na esfera estadual pode ser calculada juntando-se os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. O conjunto teria uma arrecadação composta de R$ 75.380.251.830,51, uma área composta de 89.824,874 Km², uma população composta de 21.571.857 habitantes, uma densidade de 240,155, uma arrecadação por área de R$ 839.191,29/Km² e arrecadação per capita de R$ 3.494,38. Provavelmente, fosse bem mais administrável.

Boa parte da explicação para a disparidade entre a arrecadação por área e a per capita deve-se ao fato de o ICMS ser cobrado no destino desde 2015, com a adoção do acordo 93 do Confaz. A partir de janeiro de 2022, com a Lei Complementar 190, o procedimento sacramentou-se, especialmente por conta das vendas eletrônicas, posto que os centros de distribuição podem não estar no estado para onde a mercadoria é remetida. O efeito dessa nova lei não foi incluso, posto que os dados usados referem-se a 2021. Até 2015, os estados predominantemente dependentes da agropecuária contavam com uma receita ainda menor que a de hoje. É que, sendo importadores de bens industrializados, os impostos, antes pagos na origem, passaram a beneficiá-los. A medida foi tão eficiente que o estado com maior arrecadação per capita do país é eminentemente agrícola. Aliás, os resultados da tabela mostram uma variação muito menor do que a por área. É só ver que treze das vinte e sete unidades encontram-se entre R$3.300,00 e R$4.700,00, seis unidades entre R$2.000,00 e R$2.900,00, sete unidades entre R$1.700,00 e R$1.900,00 e somente uma UF acima dos R$5.000,00.

Resta saber como e com que custo, bem como com que qualidade os serviços públicos chegam a cada cidadão. Pode-se intuir que, quanto maior o estado, maiores serão os custos de logística, sobrando menos recursos para beneficiar o cidadão comum. Só que não é com intuições que se faz política pública, é com dados e com ciência. e o prejuízo ocasionado pela falta de senso em 2020 será sentida na definição das políticas publicas vindouras.

2022-07-19-Brasil-quem-desdenha-quer-vender-II

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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