Cadê as comemorações?, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Talvez porque, em vez de 7 de setembro ser uma data esperada, no atual regime distorcido, tenha virado um dia para ser temido.

Cadê as comemorações?

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Fugindo um pouco do tema de Economia, porém, mantendo o foco em História, resolvi escrever sobre algo que me tem incomodado demais, a quase nenhuma atenção que o fato de estarmos completando duzentos anos de Independência tem despertado. Está certo que muitos eventos públicos até não devessem ser realizados por conta da ainda vigente pandemia, porém, comparando com o que foram o Centenário da Independência em 1922 e o Sesquicentenário, em 1972, é um descaso intrigante.

O Brasil se preparou por seis anos para as comemorações do centenário. Em 1916, criou-se a Revista do Brasil para acompanhar os preparativos via publicações mensais. Preparou-se uma exposição mundial no Rio de Janeiro, nos moldes das grandes mostras como a de Paris (1889), quando se inaugurou a Torre Eiffel, comemorando cem anos da Revolução Francesa. Lançaram-se livros, publicaram-se mapa, imprimiram-se selos comemorativos e até moedas de prata pura, de quinhentos réis foram emitidas. Aos olhos do século XXI, quando se paga por PIX, em que os sites substituíram as revistas e a Internet traz imagens que dispensam exposições, parece pouco, mas não foi. Para construir a feira, deram sumiço no Morro do Castelo, com todas as suas construções históricas. Treze países tomaram parte, incluindo o distante Japão, o que é um feito, quando nem todos os navios eram sequer a vapor. O evento pôs o Brasil na era do rádio, com a transmissão de um discurso de Epitácio Pessoa. Culturalmente, apresentaram-se filmes brasileiros, o que era tecnologia de ponta para aquele tempo. Não bastassem as comemorações na capital, todos os estados tiveram as suas, com destaque para o Museu do Ipiranga, construído em 1895 e reformado e redecorado para o evento, com seu monumento próximo ao Córrego do Ipiranga, sendo inaugurado na data comemorativa, mas somente pronto em 1926. Houve ainda a Semana de Arte Moderna, cujas consequências de descolamento da cultura europeia resistem até hoje em âmbito mundial. Nem tudo ficou pronto a tempo, como aconteceu com o Palácio das Indústrias, cuja construção começou em 1911 e terminou em 1924. Aquele não foi um ano tranquilo, pois houve a revolta do forte de Copacabana, mesmo assim, as comemorações ocorreram normalmente.

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Em 1972, em pleno Milagre Econômico, pelo lado esportivo, promoveu-se um Mundialito de futebol e a primeira corrida de Fórmula 1 em Interlagos, pondo o Brasil definitivamente no calendário dessas competições. Pelo lado cultural, implantou-se a transmissão comercial de televisão em cores para todo o território e editou-se um filme, “Independência ou Morte”. Instalou-se um espetáculo permanente de luz e som nos jardins do Museu do Ipiranga. Politicamente, para lá foi trasladado o esquife de D. Pedro I, exceto seu coração. Como não poderia deixar de ser, posto que era um governo militar, instalou-se a Exposição do Exército no Ibirapuera. Eram tempos bem conturbados, com a guerrilha do Araguaia atingindo o auge de sua violência de parte a parte. Talvez pela censura, talvez pelo ufanismo que deram a tônica do regime, as comemorações transcorreram normalmente.

E agora, por que tanto silêncio? Não que haja total ausência de eventos. O Museu do Ipiranga está em plena restauração, assim como o Parque da Independência, que abriga o monumento e a cripta imperial. Senado e Câmara promovem palestras e publicações. O Senado até criou um site próprio. Não há porém, um site oficial para o evento, como foi a Revista Brasileira de 2016. A Secretaria Especial de Cultura tem atuação tão apagada quanto terá sido a do secretário quando ator.

Os duzentos anos da Independência não tornaram especial este ano. As Forças Armadas não fizeram, até agora, nenhum ato público comemorativo, o Presidente da República sequer tocou no assunto. Não se criou nenhuma minissérie, nenhuma nota comemorativa, nenhum monumento especial. Até o fracasso da caravela comemorativa dos quinhentos anos do descobrimento chamou mais a atenção popular. Talvez porque, em vez de 7 de setembro ser uma data esperada, no atual regime distorcido, tenha virado um dia para ser temido. Talvez o ego de quem nos deveria conduzir, apesar de alardear patriotismo, apesar das bandeirinhas do Brasil na assinatura de seus acólitos, só consegue pensar em como se perpetuar no cargo, posto que poder já não tem. Há também o desmonte patrimonial e institucional que nos vêm assolando desde 2016, que desanima qualquer brasileiro, deixando-o mais preocupado com a subsistência, com a fome do que com a preservação do Brasil como país. Quem sabe, isso seja proposital. Que 7 de setembro traga mais esperança do que pavor.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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2 Comentários

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  1. As mídias, os influenciadores digitais, os artistas, os políticos progressistas, os cantores… todos deveriam estar comprometidos com duas questões relacionadas ao 7 de Setembro:

    1) vetar qualquer possibilidade de Bolsonaro usar ideologicamente a data para atos em prol do próprio governo.

    2) realizar um grandes eventos de luta pela independência, abertos para os mais diversos segmentos da sociedade brasileira.

  2. O 7 de setembro, máxime simboliza o dia que Nathan Rotschild ganhou um tesouro nacional novinho em folha para desovar parte da sua montanha de ouro. O resto são sonhos, devaneios e espertezas. O BRASIL É UM MILAGRE!

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