Sudeste, o Eterno fornecedor IV
De volta ao açúcar.
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Chamar movimentos econômicos de ciclos, segundo Celso Furtado, é um erro. Ciclos dão a entender que as coisas vão e vêm, o que não é o caso no Brasil. Nosso esteio econômico sempre foi o açúcar, havendo somente enodas que o põem em segundo, quando muito, terceiro lugar entre os itens preponderantes em nossa economia. Mesmo a indústria, que não se analisará aqui, rendeu-se à sua perpétua hegemonia.
Numa tentativa de copiar o modelo cubano, em 1874, a fim de resolver a falta de eficiência dos engenhos banguês, o Império resolveu adotar a política de engenhos centrais. Os produtores nordestinos não tinham recursos para modernizas suas plantas, assim, no que hoje conhecemos como parceria público-privadas, construíram-se engenhos com equipamento mormente importado da França. O capital era privado e o Estado entrava com a garantia de juros, ao redor dos 6% ao ano. Como a capacidade de produção fosse significativamente maior, a cana teria de vir de mais longe, requerendo uma logística baseada em troços ferroviários, geralmente do mesmo fornecedor, ligando a lavoura ao engenho, porém, sem interconexão entre os ramais. No Sudeste, ao contrário, como o café era exportado em coco[1] ou beneficiado nos grandes centros, as ferrovias transformaram-se em sistema logístico integrado.
No sudeste, houve também engenhos centrais, mas bem poucos em comparação com o Nordeste. O maior deles era o Engenho central de Lorena, no Vale do Paraíba. Como o relevo montanhoso não fosse adequado ao cultivo da cana, somando-se a existência de ferrovias na nova região, seu equipamento foi comprado pelas famílias Fischer e Santos Dumont para processar a cana que vinha de substituir o café nas baixadas mais sujeitas às geadas. Criou-se a Usina São Simão. As duas famílias faziam parte de um grupo que ganhara muito com o café mas não acreditavam no seu futuro como carro-chefe da economia e apostaram no consumo interno advindo da crescente urbanização.
A venda da Fazenda-Modelo Amália, na região de Ribeirão Preto, aos Matarazzo, seguindo-se pela ascensão de Getúlio Vargas, aproximaram a indústria açucareira do Brasil dos italianos, que começaram a fazer equipamentos completos para usinas de açúcar e álcool no interior de São Paulo. A proximidade de Getúlio com Mussolini induziu à proibição de importação de máquinas e equipamentos para benefício da cana, o que ajudou a mudar o eixo da produção do Nordeste, que se destinava à exportação, para o sudeste, que se destinava ao mercado interno. O mercado externo era bastante limitado, seja porque países produtores ainda tivessem colônias exportadoras como a Holanda, a França e a Inglaterra, seja porque a produção de açúcar de beterraba era crescente, seja porque os Estados Unidos tinham Cuba como fornecedor cativo. O consumo interno, ao contrário, subia ano a ano. É que a urbanização galopante e a industrialização trazia novo modo de vida, consequentemente, mais alimentos industrialmente processados como balas, biscoitos, chocolates e refrigerantes.
Havia também o fornecimento de equipamentos nacionalizados como caminhões, carregadeiras e tratores, o que ampliou substancialmente a área plantada.
Com a Revolução Cubana, os Estados Unidos ficaram sem fornecedor e o único país capaz de suprir seu mercado era o Brasil, mais notadamente São Paulo, onde a indústria supria os canavieiros e usineiros com toda a sorte de equipamentos e a malha rodoviária permitia o transporte de enormes quantidades de material a custo baixo. Como se não bastasse, graças às geadas, o café migrara para o Cerrado Mineiro, deixando áreas significativas de terra tratada para trás. Foi assim até os Estados Unidos começarem a boicotar o açúcar brasileiro, tanto que a exportação de São Paulo caiu, em 1973, de 3,2 t milhões para 1.9 t milhões em 1974, ensejando a adição de álcool à gasolina, usando o choque do petróleo como pretexto. Quando o Proálcool chegou, já encontrou terreno fértil para se implantar e regiões com usinas desativadas, como Campos dos Goitacazes RJ, bem como as áreas mais centrais de Minas, assistiram o renascimento da economia, dessa vez, sucroaolcooleira.
Nos últimos quarenta anos, o sudeste tornou-se um mar de cana, sendo hegemônico no mercado mundial de açúcar. Percalços houve com o fim do IAA[2] e ressurreição com os motores flex. Algo não mudou, o poder político da indústria do açúcar. Hoje, a cana tomou o lugar de todo o tipo de lavoura, extrapolando São Paulo, atingindo o norte do Paraná e todo o Triângulo Mineiro. Também já está no Mato Grosso e Goiás, mas em menor escala devido à lavoura branca[3]. Pode ser que venha a ocupar outras regiões de forma passageira, mas, no Sudeste, estará sempre presente.
[1] Apenas seco, sem que se retirassem a casca e o pergaminho.
[2] Instituto do Açúcar e do Álcool.
[3] Lavoura anual mormente de grãos como soja, milho, além do algodão.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.
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É curioso como o Instituto do Açúcar e do Álcool desapareceu em silêncio, tanto quanto o poder do etanol enquanto combustível.
Em Sergipe apenas um Engenho Central prosperou, logo indo para a iniciativa privada, que chegou a cunhar moeda própria. Na prática, restabelecendo a escravidão; pois os seus operários e trabalhadores braçais nos canaviais recebiam por ela que, obviamente só circulava no “barracão” do Engenho.