Sudeste, o eterno fornecedor II, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

A má qualidade de nosso açúcar deveu-se à falta de investimento em maquinário.

Sudeste, o eterno fornecedor

Segunda fase, do ouro ao café

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Há quem diga, baseando-se nos impostos recolhidos pela Metrópole, que o Brasil tenha fornecido um quinto de todo o ouro jamais produzido no mundo. Isso pode ter sido verdade até a II Guerra. Hoje, isso careceria de substância, pois o ouro perdeu grande parte de sua função como reserva de valor, além de ter assumido outras funções industriais, mormente na eletrônica, o que disseminou a extração mundo a fora. Para a época, no entanto, há de ter sido uma revolução, pois, graças à vitória na Guerra dos Emboabas, que empurrou os paulistas de volta para o sul, a extração do metal criou uma economia monetária inédita na colônia. Naturalmente, isso trouxe gente nova com cultura nova e apta para consumir serviços, criando uma economia urbana que só existira no Nordeste.

Não bastasse o ouro, descobriram-se diamantes que, por não serem divisíveis sem perda de valor, não serviam como moeda. Isso criou uma colônia dentro da colônia, denominando-se Distrito Diamantino. Ao contrário do ouro, o diamante não trouxe um salto na qualidade de vida, muito menos a criação de circulação local de mercadorias e serviços. Tornou-se um ramo adjacente com grande expressão externa e mito de pouca importância interna no sentido econômico, porém, com grande efeito mítico no imaginário do colono.

Se, durante o pico da extração de ouro o resto do sudeste foi exportador de produtos de subsistência para Minas, quando a produção de metais preciosos minguou, a economia agrária do sudeste teve de, aos poucos, voltar-se para o mercado externo. A mudança de foco foi bem mais incômoda para os habitantes da região, embora que, ao mesmo tempo, era uma oportunidade.

Enquanto minguava a produção de ouro, a indústria do açúcar no Nordeste tornou-se obsoleta. O produto brasileiro ficava encalhado em Portugal. Cabe lembrar que o Brasil não podia exportar para outros países, embora houvesse um razoável contrabando. Era o chamado exclusivo metropolitano como parte do pacto colonial, em que a colônia era obrigada a entregar todo o açúcar na Metrópole, ao passo em que só poderia importar de tudo do reino, o que se agravou com Marquês de Pombal ter assumido o poder em Portugal.

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A má qualidade de nosso açúcar deveu-se à falta de investimento em maquinário. Enquanto, na Batávia, hoje Indonésia, bem como nas ilhas do Caribe, já se usavam moendas de ferro, as nossas ainda eram de madeira; enquanto os concorrentes já filtravam e centrifugavam a garapa antes do cozimento, nós cozíamos o açúcar sem preparo algum. No fim do século XVIII, até mesmo alguns engenhos a vapor, queimando bagaço já se encontravam nos concorrentes, aqui, quando a força não vinha das rodas d’água, vinha de bois que, extenuados, morriam em poucos dias para ter sua carne salgada. O resultado era um açúcar amarelado e repleto de impurezas, considerado mascavado. A coisa piorou quando, graças ao bloqueio continental, Napoleão, que ficara sem o açúcar das colônias, viu-se obrigado a investir no de beterraba, cujo desenvolvimento viera recentemente da Alemanha. Naturalmente, sem ouro e como principal produto desvalorizado, houve uma crise econômica que, ao mesmo tempo, desvalorizou os escravos e indicou o fortalecimento do mercado interno como saída.

O custo de manutenção da escravaria mantinha-se constante e seu valor declinara, os senhores de engenho alforriaram os menos produtivos e passaram a vender ao sudeste aqueles de que não precisavam. Enquanto Minas Gerais voltou-se para si mesmo, São Paulo e Rio de Janeiro, com uma nova oferta de mão de obra,  passaram a concorrer com o Nordeste para a exportação de açúcar. Foi quando cidades como Campinas, Piracicaba, e São Carlos floresceram. Pontes construíram-se e o transporte pelo rio Tietê desenvolveu-se para colocar o produto no trapiche de Santos. A hegemonia da exportação do açúcar como fonte de renda manteve-se até 1850, quanto, por vez primeira, o café, cuja produção migrava do Rio de Janeiro para São Paulo, o suplantou em volume.

A grande revolução foi a introdução do Sudeste na economia-mundo. O espírito desafiador não desapareceu, mas o relacionamento com a Europa tornou-se mais próximo, mais constante na vida do colono comum e foi essa proximidade, aliada à transferência da corte para o Brasil que gerou a economia do café que, ao contrário do que se costuma imaginar, não aniquilou a do açúcar, ao contrário, desenvolveu-a com vistas a um mercado interno em formação.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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