Brasil pode usar seu potencial de fornecimento de minerais críticos como moeda de barganha internacional, por Armando A. Garcia Jr.

Brasil detém 95% de todo o nióbio do mundo, elemento essencial para a fabricação de ligas metálicas de alta performance e supercondutores

Foto: Minera Brasil (Agência de Notícias da Mineração Brasileira)

do The Conversation

Brasil pode usar seu potencial de fornecimento de minerais críticos como moeda de barganha internacional

por Armando Alvares Garcia Júnior*

A guerra na Ucrânia expõe brutalmente a vulnerabilidade da União Europeia (UE) em relação à sua defesa e sua extrema dependência de insumos estratégicos estrangeiros. Com uma indústria bélica obsoleta e reservas insignificantes de tântalo e tungstênio, a UE é quase totalmente refém de importações, dependendo da China para 100% das terras raras pesadas, da Turquia para 98% do boro e do Brasil para 82% do nióbio. A China domina 85% do refino global de minerais críticos, muito contaminante, enquanto a Rússia possui vastas reservas de terras raras na Sibéria, especialmente em Tomtor, e controla cerca de 40% dos recursos metálicos críticos da Ucrânia, localizados principalmente nas regiões de Donetsk, Lugansk e Zaporizhia.

Moscou está utilizando, neste momento, esses recursos como moeda de negociação e já insinuou ofertas aos Estados Unidos em troca de concessões políticas na Ucrânia, visando consolidar tanto a anexação da Península da Crimeia em 2014 quanto das zonas atualmente ocupadas desde o conflito iniciado em 2022. Com o iminente acordo de minerais raros entre EUA e Ucrânia, a dependência europeia atinge níveis críticos, relegando a UE a um papel cada vez mais irrelevante na nova ordem mundial e evidenciando sua tremenda incapacidade de proteger seus próprios interesses estratégicos em seu próprio continente.

Nesse cenário internacional conturbado, o Brasil destaca-se como uma alternativa geoestratégica promissora para suprir a crescente demanda por minerais críticos. O país possui aproximadamente 10% das reservas globais desses recursos, incluindo a maior reserva mundial de nióbio, a segunda maior de grafite e a terceira maior de terras raras e níquel, além de depósitos significativos de lítio, cobre e cobalto, essenciais para tecnologias emergentes.

O problema é que, apesar dessa abundância, o Brasil atualmente representa apenas 0,09% da produção mundial desses minerais, evidenciando o gigantesco potencial inexplorado do setor. Para mudar esse cenário, é necessário um marco regulatório claro que incentive investimentos e garanta um desenvolvimento sustentável.

Reconhecendo a necessidade de diversificar suas fontes de suprimento, a União Europeia promulgou recentemente o Regulamento (UE) 2024/1252, conhecido como “Lei Europeia das Matérias-Primas Críticas”, com o objetivo de reduzir a dependência externa e promover parcerias com fornecedores confiáveis.

Nesse contexto, o Brasil, ao alinhar-se a práticas de mineração sustentável, posiciona-se como um parceiro estratégico essencial para a UE, assegurando um fornecimento confiável de minerais críticos sem comprometer padrões socioambientais, um tema delicado para a Comissão Européia e o Parlamento Europeu. Estudos indicam que, com investimentos adequados, o setor de minerais críticos pode adicionar até R$ 243 bilhões ao PIB brasileiro nos próximos 25 anos, consolidando o país como um fornecedor-chave na cadeia global de suprimentos para a transição energética em todo o mundo, uma das bandeiras mais importantes da política européia, a pesar da recente flexibilização.

A principal vantagem geológica do Brasil reside na abundância e diversidade de minerais estratégicos em seu território. O país detém aproximadamente 95% das reservas conhecidas de nióbio no mundo, elemento essencial para a fabricação de ligas metálicas de alta performance, supercondutores, fundamentais na guerra pela Inteligencia Artificial, e blindagens militares avançadas. Além disso, o Brasil possui cerca de 22% das reservas globais de grafite, matéria-prima fundamental para ânodos de baterias de íons de lítio e para a produção de materiais ultrarresistentes empregados na indústria.

No que tange às terras raras, o país ocupa a terceira posição mundial em reservas, elementos indispensáveis na manufatura de componentes de defesa sofisticados, motores elétricos de alto desempenho, turbinas e uma ampla gama de eletrônicos de ponta.

Em relação ao níquel, o Brasil detém cerca de 17% das reservas mundiais, mineral crítico utilizado em baterias modernas, turbinas de geração de energia e superligas do setor aeroespacial. Por fim, embora o país possua apenas 0,4% das reservas globais de lítio, já se posiciona como o quinto maior produtor mundial desse mineral, essencial na transição energética para baterias de veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia em larga escala.

Embora o Brasil possua uma infraestrutura de mineração robusta, enfrenta desafios importantes na agregação de valor aos seus recursos minerais por meio de processamento e refino avançados. Historicamente, grande parte dos minerais críticos extraídos no país é exportada em formas primárias ou semimanufaturadas, evidenciando uma dependência de tecnologia estrangeira nas etapas finais da cadeia produtiva.

Para reverter esse cenário, é imperativo investir vigorosamente em pesquisa e desenvolvimento (P&D), permitindo ao país dominar internamente técnicas de refino e manufatura de materiais de alto desempenho. Essa autonomia tecnológica reduziria a necessidade de importação de know-how, por um lado, e fomentaria um ecossistema industrial avançado, por outro.

As aplicações militares desses avanços seriam notáveis: o domínio na produção de ligas especiais de nióbio fortaleceria a proteção de veículos e estruturas; a capacidade de produzir internamente ímãs e componentes à base de terras raras aprimoraria radares e motores de drones; e o refino de níquel e cobalto de alta pureza viabilizaria a fabricação de turbinas e superligas para aeronaves e equipamentos militares sofisticados.

A Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2023-2030, estabelecida pela Portaria MCTI nº 6.998, de 10 de maio de 2023, enfatiza a necessidade de fomentar parcerias público-privadas focadas no desenvolvimento de produtos, processos e serviços tecnológicos, visando agregar valor aos recursos naturais brasileiros. Ao investir em P&D e promover a capacitação tecnológica, o Brasil valorizaria seus recursos minerais e fortaleceria sua soberania e segurança nacional por meio de uma indústria de defesa autossuficiente e tecnologicamente avançada.

Alternativamente, considerando a persistente falta de capacidade para explorar plenamente seus recursos, o Brasil poderia utilizar seu potencial de fornecimento de minerais críticos como instrumento de barganha geopolítica. Ao posicionar-se como fornecedor estratégico desses insumos, o país teria a oportunidade de fortalecer sua influência na nova ordem global, especialmente em um momento em que a União Europeia busca desesperadamente diversificar suas fontes de matérias-primas críticas.

Essa estratégia permitiria ao Brasil negociar melhores termos comerciais e políticos, aproveitando a conjuntura internacional para consolidar sua posição no cenário mundial nesta nova era de Guerra Fría pelos minerais, há muitos anos liderada pela China, o sócio de Brasil no BRICS+, ponta de lança do denominado Sul Global.

O Brasil ainda não tem a faca e o queijo na mão, mas tem algo tão poderoso quanto: o controle de matérias-primas essenciais para as economias mais avançadas do mundo. Embora falte tecnologia de ponta para refino e manufatura de alto desempenho, o Brasil pode usar seu potencial de fornecimento como poderosa moeda de barganha geopolítica, negociando acesso a tecnologias críticas, parcerias estratégicas e melhores posições comerciais e diplomáticas.

O país tem a oportunidade de moldar a nova ordem global não pela força tecnológica que ainda não possui, mas pela influência sobre os recursos que todos precisam. Se agir com inteligência estratégica e coragem política, o Brasil pode transformar sua dependência tecnológica em poder de negociação. O mundo precisa do que o Brasil tem — cabe ao governo usar isso a seu favor e a favor de seu povo.

*Armando Álvares Garcia Júnior – PI. Direito Internacional Público e Relações Internacionais, UNIR – Universidade Internacional de La Rioja

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