Justiça suspende exploração de potássio na Amazônia e multa gigante da mineração: ‘risco de conflitos e mortes’

Juíza federal determinou fim do crescente assédio sofrido pelo povo Mura pela empresa Potássio do Brasil; entenda

Wilson Lima e o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, estão no centro de denúncias feitas por indígenas. | Foto: Secom/AM

do Brasil de Fato

Justiça suspende exploração de potássio na Amazônia e multa gigante da mineração: ‘risco de conflitos e mortes’

por Murilo Pajolla, de Lábrea (AM)

A Justiça Federal no Amazonas suspendeu na quinta-feira (16) o licenciamento ambiental para exploração de potássio na terra indígena Lago do Soares e Urucurituba, no município de Autazes (AM). A decisão ocorre após o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), declarar falsamente que os moradores da terra indígena consentiram com o projeto. 

Com a decisão, ficam paralisados todos os trâmites – incluindo a consulta prévia aos indígenas – para a instalação do empreendimento da Potássio do Brasil. A mineradora interessada em atuar na região é controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan e chegou a ter uma licença concedida pelo órgão ambiental do governo amazonense.

A juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe determinou que a empresa pare imediatamente de pressionar os indígenas a aceitar o empreendimento em seu território. A magistrada reconheceu haver evidências de uma longa lista de violações contra o povo Mura: desrespeito à consulta prévia, má fé, assédio, danos psicológicos e morais, coação, manipulação e intimidação. 

A magistrada entendeu que os Mura estão sob “riscos de conflitos e morte” por causa das irregularidades no empreendimento e disse que o protocolo de consulta do povo Mura foi alterado de forma “esdrúxula”.  

Caso descumpra a decisão, a Potássio do Brasil deverá pagar multa de R$ 500 mil por dia, além de R$ 1 milhão pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação. O dinheiro será revertido à organização indígena autora do pedido e à comunidade Lago Soares, a mais afetada pelo projeto.

A pressão para atropelar os direitos dos indígenas se intensificou no governo Jair Bolsonaro (PL) em 2022. Com o conflito entre Rússia e Ucrânia, a importação de fertilizantes foi temporariamente suspensa. O potássio é uma das bases para a produção do insumo agrícola, do qual o agronegócio é dependente.  

Na época, Bolsonaro disse que a guerra era uma “boa oportunidade” para explorar terras indígenas. No Brasil, a mineração nesses territórios é proibida, salvo com autorização do Congresso e ouvidas as comunidades afetadas.  

Procurada pela reportagem, a Potássio do Brasil não se posicionou sobre a decisão judicial.  

Potássio do Brasil e Wilson Lima juntos na pressão sobre indígenas 

A determinação da Justiça Federal atende a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), da Organização de lideranças indígenas Mura de Careiro da Várzea (OLIMCV) e da comunidade indígena do Lago do Soares em Autazes (AM).  

A pressão sobre os indígenas se intensificou ainda mais em setembro, quando o governo do Amazonas supostamente coagiu uma liderança Mura. O indígena foi levado a uma reunião com o governador Wilson Lima, que, diante das câmeras e ao lado da liderança, anunciou que os indígenas haviam consentido com o empreendimento. 

“Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares (…) o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação”, escreveu a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe.

As declarações de Wilson Lima, consideradas mentirosas pelos indígenas, foram reafirmadas por uma nota oficial do governo do Amazonas e reproduzidas por órgãos de imprensa sem a devida checagem, levando os indígenas a convocarem uma entrevista coletiva para desmentir o governador. 

“São mais de 12 mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos (…) no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas (…)”, constatou a juíza federal. 

Ainda conforme as lideranças Mura e procuradores federais, o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, envolveu-se pessoalmente na manobra para pressionar os indígenas. 

Na transcrição de um áudio divulgada pelo site Amazônia Real no fim de setembro, uma pessoa apontada pelos indígenas como sendo Espeschit faz promessas irrealistas que soam como campanha política: escolas, postos de saúde e poços artesianos. Tudo, é claro, em troca do aval à extração de potássio. 

Como deve ser a consulta prévia 

Conforme tratados internacionais transformados em lei no Brasil, todas as populações indígenas impactadas por grandes empreendimentos, como a mineração industrial, têm direito a um processo de Consulta Livre, Prévia e Informada. Projetos econômicos dessa natureza só podem ocorrer com consentimento dos indígenas. 

No protocolo da consulta prévia, todos os moradores do território devem ser ouvidos coletivamente, de forma que não sejam pegos de surpresa com impactos devastadores no futuro. Os detalhes do projeto precisam ser minuciosamente explicados aos indígenas. Eles precisam também ser compensados propriamente pelos prejuízos socioambientais. 

No caso da terra indígena Lago do Soares e Urucurituba nada disso aconteceu, dizem indígenas e MPF. Em vez da consulta, houve cooptações, promessas falsas, pressões e ameaças estimuladas ou feitas diretamente por representantes da Potássio do Brasil. 

Lista longa de violações 

Indígenas e MPF também apontaram que as violações contra o povo Mura incluem compras irregulares de terras na região – inclusive registradas em inspeção judicial em 2022 -, intimidação por meio de forças policiais locais e introdução irregular de placas da empresa no território Mura. Os procuradores ressaltaram que essa situação já foi objeto de pedidos recentes do MPF para aplicação de multas e adoção de medidas judiciais contra a empresa.

O MPF também apontou violações ao protocolo de consulta do povo Mura, que menciona expressamente situações que podem inviabilizar e invalidar qualquer processo de consulta ao referido povo. O documento estabelece, por exemplo, o rito de consulta e determina que nada deve ser decidido sem amplo debate prévio com todos os Mura das aldeias, seguido de reuniões regionais e, posteriormente, de uma reunião geral.

O protocolo também estabelece que não pode haver a presença de não indígenas em reuniões internas do povo Mura. No entanto, a partir dos relatos recebidos pelo MPF, o presidente da Potássio do Brasil participou de reuniões realizadas em setembro, com várias promessas e até insinuações para enfraquecer a luta do povo Mura pela demarcação de seu território.

Empresa negou irregularidades

Em nota enviada ao Brasil de Fato em outubro, Potássio do Brasil disse que respeita o direito de consulta dos Mura. Leia a nota na íntegra:

“A Potássio do Brasil afirma que não há veracidade nas informações apresentadas, segundo a reportagem, de autoria das ‘comunidades indígenas’. A empresa sempre respeitou o processo e protocolo de consulta ao Povo Mura e seguirá firme no cumprimento do acordo firmado na Justiça Federal entre Potássio do Brasil e Povo Mura, envolvendo MPF-AM, Fundação Nacional do Índio (Funai), Agência Nacional de Mineração (ANM) e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), em março de 2017, para que fosse realizada a Consulta ao Povo Mura sobre o empreendimento de forma Livre, Informada, Prévia e de Boa Fé, obedecendo os termos da Convenção OIT-169, da qual o Brasil é signatário.”

Edição: Thalita Pires

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