Entre inimigo e herói da Nação: a repercussão do HC de Lula no Facebook

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Natasha Bachini e João Feres Jr.

Do Manchetômetro

No último domingo (8/7/2018), o noticiário foi pautado pelas sucessivas decisões judiciais acerca da soltura do ex-presidente Lula. Desde às 9h, quando o desembargador plantonista do TRF4, Rogério Favreto, acolheu o pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente, baseado no preceito fundamental da presunção da inocência e no direito político de participar do processo eleitoral, seguiram-se ao menos quatro tentativas de impedir sua execução. As reviravoltas do caso tiveram grande repercussão nas mídias sociais, com destaque para o Facebook, onde observou-se larga circulação de posts dedicados ao assunto. Considerando a dimensão política do evento, decidimos elaborar esse estudo especial.
 
Neste dia, foram realizadas 1.583 postagens pelas 145 páginas que monitoramos regularmente no M Facebook.[1] O assunto da concessão da liberdade a Lula foi tão importante que todos 20 posts mais compartilhados trataram dele, conforme podemos observar na tabela abaixo. Estes posts representam 36% (ou 657.798) do volume total de compartilhamentos registrados nessas páginas durante o período, uma taxa altíssima em relação à média alcançada pelos 20 posts mais compartilhados em semanas “normais”. Dentre os posts que possuem texto, 22% citam diretamente Lula ou Moro.
 
 
Tabela 1: 20 posts mais compartilhados de 8 de julho de 2018.
 
As páginas que mais veicularam posts na data foram Juventude Contra Corrupção (100 posts), Juiz Sergio Moro – o Brasil está com você (93 posts) e Movimento Contra Corrupção (91 posts). Tal dado e a composição do ranking, majoritariamente ocupado por páginas da nova direita, sugerem que a reação à soltura no Facebook acompanhou a cobertura midiática, cujo enquadramento do assunto foi predominantemente negativo, como mostrou estudo nosso sobre a Band News e o portal UOL.
 
 
 
Imagem 1: Nuvem de palavras criada a partir dos textos dos posts coletados em 8/7/2018 pelo site https://wordart.com/create.
 
As páginas que mais emplacaram posts na lista foram Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua Brasil e Juiz Sergio Moro – O Brasil está com você. Utilizando-se do mesmo recurso de comunicação, a combinação entre foto e texto, esses movimentos acusaram Rogério Favreto de agir ideologicamente, por ter sido filiado ao PT antes de assumir o cargo de desembargador, e comemoraram as investidas do juiz Sergio Moro e do desembargador Pedro Gibran para impedir a soltura do ex-presidente. As fotos desses personagens estamparam os posts. Enquanto Favreto foi declarado o “maior inimigo do Brasil”, Sergio Moro foi exaltado como “herói da nação”.
 
Adotaram discurso semelhante, porém em formato de vídeo, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e o ex-prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), que é publicamente conhecido por sua amizade com Moro. Bolsonaro afirmou em seus posts que as instituições políticas brasileiras estão aparelhadas e que “Lula é o verdadeiro fantasma que assombra o Brasil”, em resposta à matéria da revista Veja, que o tratou dessa forma. Já Dória questionou o que não teria acontecido com o Brasil se Dilma ainda continuasse no poder e cumprimentou Moro por sua atitude, endossando o coro que o chamou de “herói”.
 
Três páginas da imprensa também garantiram posições no ranking a partir de matérias que trataram da concessão do habeas corpus. Tivemos uma matéria do G1, uma de O Globo, e uma da VEJA. A primeira e a segunda trataram a decisão de modo neutro, citaram o antigo vínculo partidário do desembargador Favreto, enquadraram Lula de modo ambivalente e Sergio Moro de modo neutro. No vídeo que a acompanha a primeira, a decisão é tratada “com surpresa”, visto que todas as instâncias anteriores a tinham negado. O vídeo também criticou as “inúmeras possibilidades recursais”, a “falta de unidade jurídica no Brasil” e comentou o impacto positivo que a soltura teria na campanha do petista, que alcança bom desempenho nas pesquisas, mesmo preso. A terceira, da VEJA, focou na militância anterior do desembargador, não entrando em detalhes sobre o processo. Ou seja, Favretto é desqualificado como ideológico nas três matérias.
 
Por fim, temos dois posts da página do próprio Lula. O sexto post, é um vídeo dos deputados Wadih Damous (PT-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS), gravado na frente da Polícia Federal em Curitiba-PR, no qual comentam a decisão de Rogério Favretto e denunciam a ligação de Moro, em férias, para a polícia federal pedindo que a ordem de soltura não fosse acatada. Os deputados destacam que tal conduta é passível de processo disciplinar e criminal, e configura Estado de exceção. No décimo segundo post do rol, juristas brasileiros denunciam que o caso Lula é “uma farsa jurídica”, pois já se sabia do resultado antes que chegasse ao final. Comentam ainda o espetáculo midiático realizado e a postura inadequada do juiz Sergio Moro, que “perdeu sua imparcialidade ao tornar-se parte da acusação”. Participam do vídeo Celso Antonio Bandeira de Mello, Eugênio Aragão, Alamiro Velludo Netto, Claudio Lembo, José Francisco Siqueira Neto e Weida Wancaner.
 
Em suma, a repercussão no Facebook da concessão do habeas corpus a Lula foi amplamente negativa, ao menos dentre as páginas da nossa amostra. O resultado dessa coleta especial ratifica os dados levantados em nossos relatórios até então, que mostram desempenho constante e significativamente maior das páginas da nova direita. Isto pode ter diversas explicações, entre elas está a evidente profissionalização dos grupos da nova direita, vários deles capazes de produzir 100 posts em um só dia.
 
O evento da batalha jurídica em torno do habeas corpus nos dá uma oportunidade ímpar para verificar a cobertura da mídia e a movimentação das mídias sociais de modo comparativo. A matéria em si foi bastante controversa inclusive entre os operadores do Direito. Contudo, a grande mídia, como já mostramos em outro estudo, somente deu voz aos especialistas contrários ao habeas corpus e a políticos adversários de Lula, enquanto que a perspectiva simpática ao petista quando não foi ignorada, apareceu na voz de seus advogados, ou seja, daqueles que defendem o interesse da parte acima de tudo. No Facebook o desequilíbrio foi bastante semelhante, só que os agentes agora são os movimentos da nova direita e não a grande mídia, que aparece de maneira marginal entre os posts mais compartilhados, sempre em matérias negativas para Lula.
 
Nem a grande imprensa nem o Facebook refletiram a controvérsia que se desenrolou e que atinge o Judiciário, a Política e boa parte da sociedade brasileira. Com tamanha distorção na mídia tradicional e nas mídias sociais, é difícil saber o que de fato é opinião pública em nosso país.
 
[1] As 145 páginas monitoradas incluem candidatos à Presidência da República e aos governos dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro; todos os partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), meios de comunicação com maior número de seguidores (essa categoria contempla mídia impressa, canais da internet e mídia televisiva), principais instituições políticas do país governamentais mais curtidas (as dez primeiras), movimentos sociais e sindicatos de maior expressão (estão incluídos nessa categoria tanto os tradicionais quanto os novíssimos) e políticos mais populares na rede. Para a lista completa de páginas monitoradas pelo M Facebook ver: http://www.manchetometro.com.br/index.php/mfacebook/metodologia/2018/05/15/nova-amostra/.
 
 
 
 

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Essas amostragens no facebook

    Essas amostragens no facebook ou outras redes sociais são bem questionáveis. A quantidade de robos e conteúdos financiados para terem alcance maiores tornam a coleta de dados bastante complicada. A utilização de algorítimos faze com que a informação se dissemine de forma um tanto quanto suspeita. Tendo dinheiro é possível comprar visualizações, curtidas e comentários de postagens. 

    Tive acompanhando a evolução do Partido Novo nas redes sociais. Um partido registrado em 2014 com apenas 19 mil filiados possui mais de 1,8 milhões seguidores no facebook. Enquanto isso o PT, um partido tradicional com 38 anos de existência, com o maior número de diretórios permanente no país e que atinge a maioria dos municípios brasileiros e possui mais de 2,2 milhões de filiados tem cerca de 1,3 milhões de seguidores no facebook.

    Não confio nos números apresentados nas redes sociais, eles são facilmente fraudados por inteligência artificial.

     

    1. Facebook virou rede de coxinha

      Na minha percepção, o pessoal de esquerda está abandonando o Facebook.

      O Brasil 247 tem recomendado sistematicamente que o pessoal adote o Youtube para acompanhar suas matérias, entrevistas e debates, em face do evidente boicote que os administradores do Facebook impuseram aos sites da imprensa alternativa.

      Há cerca de um ano, eu abandonei definitivamente o Facebook e conheço várias pessoas que fizeram o mesmo.  Passei a usar mais Twitter, Whatsapp e Youtube.

      Creio que isto é um aspecto importante a ser considerado pelos pesquisadores.

  2. Zuckerberg agradece… aliás os EUA.

    E quem não use essas redes… existe?

    “O mundo está no Facebook!”

    “Se você não é cliente, é produto.”

  3. Nada a ver

    Esses números de redes sociais não dizem nada, é tudo obtido através de robôs e alcance pago.
    Quem tem mais dinheiro vai ter mais visibilidade.

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