Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Do chilique à excitação midiática: o “ruído” geopolítico e as entrelinhas do vídeo “vazado”, por Wilson Ferreira

O chilique começou quando viu Lula sair da “zona de conforto” da agenda de consenso ambiental para impor uma agenda geopolítica

do Cinegnose

Do chilique à excitação midiática: o “ruído” geopolítico e as entrelinhas do vídeo “vazado”

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Uma semana bipolar para o jornalismo corporativo: do chilique à feliz excitação com o bom e velho “vazamento”. Como sempre, com timing, oportunismo e sincronismo – após aceno geopolítico de Lula aos BRICS e semana com generais depondo e coronéis indiciados. O chilique começou quando viu Lula sair da “zona de conforto” da agenda de consenso ambiental para impor uma agenda geopolítica (para a mídia, “ruído”) na visita à China: ao contrário da mídia, não se alinhou automaticamente com os EUA. E depois, o “vazamento” que dá um xeque-mate em Lula: terá que aceitar o “Circus Maximus” de uma CPI dos atos antidemocráticos. Exultantes, “colonistas” transformam em má notícia a “queda do primeiro ministro de Lula”, o ministro-chefe do GSI, general Gonçalves Dias, a partir de vídeo “vazado” supostamente mostrando ajudando invasores no Palácio do Planalto. Nas entrelinhas, o suposto “outro lado” do 08/01: Lula também incentivou e faturou com as invasões. Silogismo implícito dos “colonistas”: Por isso Lula não queria uma CPI.

Nos tempos do telejornal local SPTV, pelos idos de 2014-2015, o então apresentador Cesar Tralli estava particularmente indignado com o prefeito de São Paulo Haddad e ansioso para nacionalizar a pauta, em clima de jornalismo de guerra: atacando diariamente as ciclofaixas (“passar tinta em buraco é fácil!”), denunciando o crescimento de latrocínios na cidade (“governo federal deixa passar armas pelas fronteiras!”) e assim por diante. Todo dia. Ou era o ponto eletrônico no ouvido incitando o sabujo ou estava contaminado pelo clima de “terceiro turno” após efêmera vitória de Dilma Rousseff nas urnas.

Depois dos tempos de calmaria em que terminava o programa dizendo diariamente “fique na paz”, parece ter voltado aos bons tempos do modo “jornalismo de guerra”. 

Seguindo o transe coletivo dos “colonistas” da Globo News diante das últimas declarações de Lula confrontando a hegemonia do dólar nos BRICS e relativizando o discurso EUA/OTAN sobre a guerra na Ucrânia (a “colonista” Ana Flor era a mais perplexa: “não estou entendendo o que Lula quer!”), César Tralli, em estado “on”, abre o “Edição das 18h” com uma escalada literalmente em clima de guerra: “como ‘o mundo’ recebeu as declarações de Lula?”. Corta. E aparece a imagem de uma mulher ucraniana desolada, chorando, colocando a cabeça entre as mãos.

Uma contaminação metonímica entre texto e imagem que faria o teórico dos efeitos psicológicos da montagem no cinema, o russo Lev Kuleshov, ficar de boca aberta.

Claro que esse “o mundo” restringe-se às fontes anônimas do jornalismo declaratório que voltou também a ação: “segundo integrante da diplomacia americana”, “membros do governo dos EUA” etc. 

Até o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, John Kirby, vir em socorro à grande mídia brasileira para dar cara e voz: fala de Lula foi “profundamente problemática” por “estar repetindo a propaganda russa e chinesa sem olhar para os fatos”.

Também é claro que onde o porta-voz vê um problema de comunicação (“repetição”), os sabujos do jornalismo corporativo brasileiro veem crise geopolítica com potencial repercussão econômica – alguns até falam em novo “isolamento” do Brasil (o anterior foi com Bolsonaro) no mundo… sempre considerando que, para eles, o “mundo” se resume a Europa e EUA.

Enquanto a CNN Brasil, muito mais pelo modus operandi de consonância compulsória das pautas na grande mídia, apenas replica o chilique geral dos “colonistas”. Preferindo mais os diálogos entre surdos no esquema “CNN Arena” para parecer isentona – certamente o dono bolsonarista da CNN Brasil, Rubens Menin, deve ter lá certa simpatia pelo suposto posicionamento pró-Rússia de Lula… por lembrar Trump…

Mas nada comparado ao jornalismo da Globo, com chiliques diários nos últimos dias. Por quê? Em primeiro lugar, porque Lula saiu dos trilhos, da “zona de conforto” do discurso de consenso como “campeão do clima”, da defesa da Amazônia e dos povos originários – pautas de consenso global.

Desde o Governo de Transição, todas as vezes que Lula saiu desses trilhos, os “colonistas” surtaram: “É constitucional ou não?”; “juristas consultados dizem que, no limite, pode cercear a liberdade de informar”; “não tem ordenamento jurídico!” – assim foi recebida, por exemplo, a proposta do governo combater as fake news através da AGU.

O pânico ainda foi maior quando Lula se encontrou com o presidente argentino Alberto Fernández e sugeriu uma “moeda comum” no Mercosul – “o fim do real, tragado pelo peso, moeda argentina que se derrete ante o dólar. “Moeda Única, Banco Central único!”, gritou o portal G1.

E em segundo lugar porque o nascimento e existência da TV Globo esteve visceralmente ligada aos EUA, o que torna a emissora automaticamente alinhada com aquele país.

No início dos anos 50, Henry Luce, do conglomerado Time-Life, mantinha fortes relações com os irmãos Cesar e Victor Civita, ítalo-americanos nascidos em Nova Iorque. Cesar foi para a Argentina em 1941 onde montou a Editorial Abril, como representante da companhia Walt Disney. Enquanto Victor, em 1950, chegou ao Brasil e organizou a Editora Abril. Neste mesmo período seu filho, Roberto Civita, faz um estágio de um ano e meio na revista Time, sob a tutela de Luce e logo retorna para ajudar o pai.

Poucos anos depois, o mercado editorial brasileiro está plenamente ocupado por centenas de publicações que cantavam em prosa e verso o american way of life. Somente a Abril, financiada amplamente pelas grandes empresas americanas, edita diversas revistas: Claudia, Quatro Rodas, Capricho, Intervalo, Manequim, Transporte Moderno, Máquinas e Metais, Química e Derivados, Contigo, Noiva, Mickey, Pato Donald, Zé Carioca, Almanaque Tio Patinhas, a Bíblia Mais Bela do Mundo, além de diversos livros escolares.

Em 1957, uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, comprovou que “O Estado de São Paulo”, “O Globo” e “Correio da Manhã” foram remunerados com publicidade estrangeira para apoiarem campanhas contra a nacionalização do petróleo.

Em 1962, o grupo Time-Life encontra seu parceiro ideal no principal ramo das comunicações que nascia, a Televisão: a recém-fundada TV Globo, de Roberto Marinho. Uma sociedade ilegal na qual o capital da Rede Globo era de 600 milhões de cruzeiros, pouco mais de 200 mil dólares, ao câmbio da época. Com um aporte “por empréstimo” da Time-Life no montante de seis milhões de dólares – portanto, a Time-Life a tinha um capital dez mil vezes maior. Sociedade ilegal pela regulamentação das comunicações naquele momento.

Isso sem falar que desde 1976, quando a Globo recebeu seu primeiro prêmio Emmy (a maior premiação de TV do mundo), a emissora é tomada pelo fetiche da premiação norte-americana como pretensa chancela para ganhar mercados internacionais.  

E em terceiro lugar, apesar de a grande mídia por um lado celebrar acordos comerciais com o maior parceiro econômico, a China, por outro tem outro chilique: a indignação com um possível projeto de reindustrialização de Lula. Afinal, para editorial recente de O Globo, “o mundo inteiro está se desindustrializando” – sabendo-se de antemão o que é representa “o mundo” para o jornalismo corporativo. 

Por isso, nada de reportar os acordos em diversos setores como nanotecnologia, inteligência artificial, novos materiais, indústria 4.0, economia digital, biotecnologia entre outros. 

A agenda econômica do jornalismo corporativo e da Banca é, claro, a de uma neocolônia digital exportadora de commodities de baixo valor agregado. 

Além da afronta de Lula propor a substituição do dólar nas transações comerciais dos BRICS – motivo geopolítico não falta, desde que o congelamento das reservas cambiais russas em dólar, dentro das sanções econômicas dos EUA, acendeu a luz vermelha em todos os países sobre o perigo de ter ativos em dólares.

Portanto, não é por menos que, para a mídia corporativa, tudo o que a comitiva de Lula (com José Pedro Stédili, do MST, e com tudo) fez foi uma grande lambança diplomática e geopolítica.

O “Vazamento” e o Xeque-mate

Porém tudo isso já era… é coisa do passado! Do chilique, os “colonistas” partiram para a feliz excitação. Mais um “vazamento” caiu como uma luva, com timing e sincronismo. Numa semana em que o texto do arcabouço fiscal chegava no Congresso e a pauta econômica, positiva para o Governo, promete ficar em segundo plano.

E quando o Governo Lula completa 100 dias arregançando as mangas geopolíticas, empossando Dilma Rousseff na presidência dos BRICS, falando em substituição do dólar como moeda das transações comerciais do bloco de países e questionando a narrativa dos EUA/OTAN sobre a guerra na Ucrânia.

E numa semana em que generais depõem e coronéis são indiciados num contexto em que boa parte do aparelho de Estado ainda está imbuído de ânimos anti-democráticos.

A CNN Brasil divulgou vídeo “vazado” mostrando o ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, dentro do Palácio do Planalto, durante as invasões em 08/01. Supostamente, o general, junto com outros servidores, ajudava os invasores no interior do Palácio.

Desde que este humilde blogueiro assistiu ao filme Mera Coincidência (1998), não acredito mais em “vazamentos” ou qualquer tipo de evento no qual jornalistas se transformam em encanadores – sobre o filme clique aqui.

Está mais para “agrojornalismo” (Apud, Duplo Expresso): a pratica comum de vídeos e notas serem plantadas por fontes interesseira nas colunas dos “colonistas”. Que depois dizem que “apuraram” os fatos – acreditando que isso foi “jornalismo investigativo”.

Nesse momento em que este blogueiro batuca essas mal traçadas linhas, o jornalismo corporativo comemora: “Cai primeiro ministro de Lula”; “Caso do general do GSI mostra outro lado do 08/01” (Estadão); enquanto os canais fechados de notícias falam em “notícia negativa para Lula” e de que “o governo Lula deve explicações”.

Nas entrelinhas, a ideia de que o 08/01 não foi um mero “espasmo” do bolsonarismo ou que foi um “bálsamo inesperado” para Lula emplacar uma agenda de Estado. No fundo, o fato do general demitido ser o militar de confiança do petista e o governo ser contra uma CPI dos atos antidemocráticos revelariam que o governo supostamente esconderia algo: de que também incentivou os ataques para faturar politicamente sobre o evento.

O “vazamento” foi o xeque-mate contra Lula: agora terá que aceitar uma CPI sob pena de parecer querer esconder algo. 

Ou seja, a pauta econômica será superada pelo Circus Maximus de uma CPI, desgastando e sitiando Lula e dificultando ou atrasando o trâmite das MPs e do próprio arcabouço fiscal.

Texto originalmente publicado no Cinegnose.

2 Comentários

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  1. Vazamento sim, cheque mate, nunca. Ninguém deve dedetizar uma casa dormindo dentro dela. Dilma tentou com a lava jato e saiu envenenada. Que outra desculpa ou oportunidade teria o Lula de se livrar dos milicos que empesteiam o planalto? E a CPI, se sair, beleza, se não sair, também. A direita não tem politicos moral ou intelectualmente preparados para conduzir uma CPI. Vai ser um passeio que eles não vão querer fazer. MAS, se sair, a mídia “chorrarrá” grandes pitangas porque vai dar mais ibope que o BBB e eles não poderão cobrar para transmitir. Já tem gente salivando.

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