Após reportagem do GGN, escritório onde Carlos Fernando é consultor nega valores “indevidos” da Eletrobras

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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O escritório W Faria adotou Carlos Fernando dos Santos Lima como consultor em março de 2022. A banca nega recebimento indevido da Eletrobras

O ex-procurador da Lava Jato em Curitiba, Carlos Fernando dos Santos Lima. Foto: Divulgação/ W Faria

O escritório W Faria, subcontratado pela banca internacional Hogan Lovells para prestar serviços de compliance à Eletrobras, afirmou à reportagem do GGN que o ex-procurador da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, é “consultor” da empresa desde março de 2022, não fazendo parte de seu quadro societário.

A W Faria também negou que tenha recebido “indevidamente” cerca de 28 milhões de reais pelos serviços terceirizados à Eletrobras, montante classificado como “superfaturado” em relatório produzido pela equipe técnica do Tribunal de Contas da União (TCU).

Conforme o GGN publicou primeiro, com detalhes, nesta reportagem, Carlos Fernando saiu do Ministério Público Federal em 2018 para atuar como advogado na área de compliance. O trabalho dos auditores acusou pagamentos à W Faria sobretudo em 2016, quando Carlos Fernando ainda não era advogado.

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A WP Faria não foi fundada pelo ex-procurador, ao contrário do que outros portais escreveram em releituras que destoam do conteúdo original do GGN.

A empresa que hoje tem Carlos Fernando como consultor recebeu mais de 26 milhões de reais para assessorar a Hogan Lovells na investigação interna na Eletrobras, que foi motivada por vazamentos da Lava Jato. O caso Eletrobras – que resultou, entre outros produtos, na prisão do almirante Othon Pinheiro – tramitou no Rio de Janeiro.

“(…) o Dr. Carlos Fernando dos Santos Lima não é sócio deste escritório, mas, sim, consultor para temas relacionados a compliance, e integra nosso time desde março de 2022, após três anos de aposentado do serviço público e cumprimento de quarentena legal.”

Quanto ao mérito da discussão no TCU, a W Faria argumentou que:

“Não há referência a qualquer irregularidade cometida por esses escritórios [subcontratados] e especialmente nada de irregular cometido pelo nosso escritório. (…) Sobre a forma como os honorários da investigação interna foram pagos, manifestamos que as cifras se alinham aos valores para a prestação de serviços desse porte”.

Na percepção dos auditores do TCU, entretanto, houve “sobrepreço” no pagamento de mais de 340 milhões à Hogan Lovells pela Eletrobras. No caso dos escritórios subcontratados, que receberam dois terços deste montante, a equipe técnica observou “superfaturamento” em valores recebidos.

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O CASO HOGAN LOVELLS

A Hogan Lovells é uma gigante internacional na área de compliance, que adequada empresas com atuação na bolsa de valores de Nova York às exigências das leis anticorrupção dos Estados Unidos.

Quando a Hogan Lovells foi indicada à Eletrobras, a empresa de energia estava na mira de duas class-actions em Nova York e corria o risco, assim como aconteceu com a Petrobras, de ser processada pelo DOJ (o departamento de Justiça norte-americano) e a SEC (comissão de valores mobiliários).

A Hogan Lovells está entre outros escritórios de atuação global citados em documentário do GGN sobre a indústria do compliance, que cresceu a reboque da Operação Lava Jato. Assista:

Para entrar em conformidade com os parâmetros internacionais de combate à corrupção e acalmar os ânimos dos mercados de capitais, a Eletrobras contratou a Hogan Lovells, em 2015, com dispensa de licitação, por 342 milhões de reais acumulados em alguns aditivos.

O “GUARDA-CHUVA”

Os auditores do TCU focaram na análise de quatro contratos. Um deles, o ECE-DAC 1113/2015, serviu de “guarda-chuva”, nas palavras da equipe técnica, para a Hogan Lovells terceirizar o serviço para outras seis empresas.

Essa inovação jurídica foi o que abriu impasse dentro do TCU, sobre a responsabilização solidária da W Faria e outras bancas beneficiadas.

O relator do caso, ministro Benjamim Zymler, entendeu que há responsabilidade solidária. Mas foi convencido pelo ministro Bruno Dantas a retirar os escritórios subcontratados da lista de alvos da tomada de conta especial (TCE), que cuja abertura está em discussão no tribunal.

Paradoxalmente, em sua sustentação oral no plenário do TCU, ao discutir o relatório da auditoria, o ministro Bruno Dantas chamou atenção para o esquema de contratação:

“Um ponto me causou perplexidade. A Hogan Lovells, depois de ter assinado contrato de 340 milhões de reais [com a Eletrobras], subcontratou 260 milhões de reais, ou seja, dois terços do seu contrato, para produção de levantamento de informações que pouco diferiam das informações já detidas pela empresa acerca dos prejuízos. Apenas quatro escritórios – e é importante que os nossos auditores tenham atenção com o quadro societário desses escritórios – quatro escritórios receberam mais de 150 milhões de reais. (…) A percepção que se tem, depois de se examinar esses autos, é de que a Hogan Lovells, na verdade, foi mera intermediária para repasse de dinheiro da Eletrobras para esses escritórios. Foi um grande guarda-chuva e ela ia distribuindo dinheiro que recebia.”

OS “ACHADOS” DOS AUDITORES

Com métodos de investigação questionados pelos auditores do TCU, a Hogan Lovells concluiu, no final dos trabalhos, que os desvios e prejuízos contábeis causados à Eletrobras eram da ordem 302 milhões de reais.

“Os efeitos desse trabalho foram amplamente divulgados na imprensa, resultando em prisões por corrupção ativa e passiva, afastamento de cerca de 40 pessoas e a relistagem das ADRs da Eletrobrás na New York Stock Exchange (NYSE), com grande valorização dos seus papéis no mercado e reabertura do mercado de crédito internacional a empresa”, argumentou a W Faria.

Por outro lado, os técnicos da Secretaria de Controle Externo da Administração Indireta no Rio de Janeiro (SecexEstatais) do TCU identificaram “irregularidades em todas as fases da contratação do Hogan Lovells: planejamento, seleção, contratação, execução e controle.”

A inspeção fala em “sobrepreço” (“pagamentos por serviços com preços notadamente acima dos praticados pelo mercado”) no caso da Hogan Lovells, e “superfaturamento” (“pagamentos por serviços sem regular e prévia comprovação de sua execução”) no caso das subcontratadas.

Para chegar aos valores superfaturados, os auditores analisaram comprovantes de despesas, consideraram válidos somente “os pagamentos para os quais foram apresentados o Demonstrativo Analítico das Atividades (DAA).”

O quadro abaixo ilustra os valores recebidos por W Faria, Pinheiro Neto, Kroll, Control Risks, Torres e Eaus, as seis empresas subcontratadas pela Hogan Lovells.

A tabela foi extraída do documento de 250 páginas do TCU, que reúne os “achados” dos auditores, o parecer do MP de Contas, o relatório do ministro Benjamin, o voto escrito do relator e o voto escrito do ministro Bruno Dantas.

Entre outras “não-conformidades”, a auditoria acusou “incompatibilidade entre os produtos entregues [pelo compliance] e os valores pagos pela Eletrobras”.

Os auditores recomendaram a instauração de um processo chamado TCE (tomada de conta especial) contra a Hogan Lovells e todos os escritórios de advocacia, além dos membros do conselho de administração da Eletrobras e os membros da “comissão independente” que chancelou a contratação da Hogan Lovells. Entre eles, a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie.

DIVERGÊNCIAS DENTRO DO TRIBUNAL

Consultado antes do caso ir ao plenário do TCU, o Ministério Público de Contas divergiu dos auditores em alguns aspectos. Defendeu, por exemplo, a remoção dos conselheiros da Eletrobras e das empresas subcontratadas da tomada de conta especial – um processo administrativo a individualização de responsabilidades e ressarcimento ao erário.

Quando o imbróglio entrou em pauta no plenário do TCU, na última quarta-feira, 15 de junho, os ministros Benjamim Zymler, relator, e Bruno Dantas, redator, também divergiram sobre a situação dos escritórios subcontratados.

Zymler defendeu que os escritórios subcontratados, entre eles, a W Faria, tinham “responsabilidade solidária” na ação.

Por outro lado, e o voto escrito do ministro registra isso, Zymler discordou dos auditores ao opinar pela exclusão de Ellen Gracie da tomada de conta especial, alegando que os honorários cobrados por ela eram compatíveis com a média de mercado.

A dúvida final do relator ficou em saber se, àquela altura, ainda seria possível instaurar a tomada de conta especial, pois nesta semana a Eletrobras foi praticamente privatizada e, com a União perdendo o controle acionário, não está claro se o TCU ainda detém jurisdição sobre o caso.

“Vejo enorme possibilidade da decisão de instauração da TCE ser questionada judicialmente, com muitas chances de ser revogada”, advertiu Zymler.

No relatório sobre o caso, o ministro chegou a sugerir um caminho: os auditores poderiam analisar se o sobrepreço na contratação da Hogan Lovells impactou na capitalização da Eletrobras, reduzindo o preço dos ativos, por exemplo. A hipótese não chegou a ser discutida no plenário.

O ministro Bruno Dantas, por fim, insistiu na abertura da tomada de conta especial, mas usou o mesmo argumento de Zymler – que, ao menos no relatório, servira para poupar exclusivamente comissão integrada por Ellen Gracie – para retirar os escritórios brasileiros da reta. Dantas entendeu que os valores cobrados pelas bancas também estavam dentro da média de mercado.

Para a W Faria, a postura de Dantas ratifica que “não há referência a qualquer irregularidade cometida por esses escritórios e especialmente nada de irregular cometido pelo nosso escritório”.

O julgamento no TCU ainda não acabou.

***

Leia, abaixo, a nota completa enviada pela W Faria à redação:

16/6/2022 – 20:00hs

Prezado Luis Nassif, Diretor e Editor do Jornal GGN

Esclarecemos sobre o caso de subcontratações na investigação da Eletrobrás em 2015/2017:

. A contratação de empresas de investigação corporativa e escritórios de advocacia brasileiros referida no voto do TCU seguiu as normas para estes casos, quando envolvem empresas de capital nacional que operam nas bolsas de valores dos Estados Unidos.

. Entre 2015 e 2017, a Eletrobrás, empresa de economia mista e de capital aberto sob controle acionário do Governo Federal brasileiro passou por intenso processo de investigação interna, conduzido e coordenado por escritório de advocacia independente.

. Os resultados desse trabalho foram entregues aos controladores que adotaram as medidas exigidas por reguladores de mercado de valores mobiliários nos Estados Unidos, sob cuidados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América e autoridades do Brasil.

. Os efeitos desse trabalho foram amplamente divulgados na imprensa, resultando em prisões por corrupção ativa e passiva, afastamento de cerca de 40 pessoas e a relistagem das ADRs da Eletrobrás na New York Stock Exchange (NYSE), com grande valorização dos seus papéis no mercado e reabertura do mercado de crédito internacional a empresa.

. A investigação foi liderada pela força tarefa do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, não da força tarefa da Lava-Jato em Curitiba. As decisões judiciais estiveram sob jurisdição da Justiça Federal do Rio de Janeiro de titularidade do Dr. Marcelo Bretas.

. Sobre a forma como os honorários da investigação interna foram pagos, manifestamos que as cifras se alinham aos valores para a prestação de serviços desse porte.

. Observe-se ainda que o Exmo. Ministro inclusive exclui do âmbito da análise do TCU os escritórios nacionais terceirizados. Não há referência a qualquer irregularidade cometida por esses escritórios e especialmente nada de irregular cometido pelo nosso escritório.

. O nome do advogado Carlos Fernando dos Santos Lima passou a constar de textos sobre o assunto vinculando-o indevidamente ao quadro societário deste escritório de advocacia, porque consta em nosso site a sua vinculação com nossa equipe. Esclarecemos entretanto que o Dr. Carlos Fernando dos Santos Lima é um consultor externo do escritório desde março de 2022 somente.

. Reiteramos, portanto, que o Dr. Carlos Fernando dos Santos Lima não é sócio deste escritório, mas, sim, consultor para temas relacionados a compliance, e integra nosso time desde março de 2022, após três anos de aposentado do serviço público e cumprimento de quarentena legal.

À disposição para quaisquer outros esclarecimentos que se façam necessários

Cleinaldo Simões
Assessor de Comunicação e Imprensa

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