Escritório de Carlos Fernando, ex-Lava Jato, recebeu indevidamente R$ 28 milhões da Eletrobras

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Eletrobras gastou, com escritórios de compliance, valor superior aos desvios de corrupção apurados

O ex-procurador da Lava Jato em Curitiba, Carlos Fernando dos Santos Lima. Foto: Divulgação/ W Faria

Atualizada para acréscimo de informação e posicionamento do escritório W Faria

O escritório de advocacia W Faria, que ostenta em seu quadro de funcionários o ex-procurador da Lava Jato em Curitiba, Carlos Fernando do Santos Lima, recebeu indevidamente 28 milhões de reais da Eletrobras, segundo uma auditoria realizada por uma das secretarias de controle externo de âmbito nacional do Tribunal de Contas da União, a SecexEstataisRJ.

A equipe técnica fez o apontamento no âmbito de uma processo que investigou “indícios de irregularidades” na contratação do escritório de advocacia Hogan Lovells pela Eletrobras, em meados de 2015, na esteira da Operação Lava Jato.

A Hogan Lovells realizou na Eletrobras “investigações internas de atos e fatos apontados na Lava Jato”, justamente a operação onde Carlos Fernando atuou até setembro de 2018, quando pediu exoneração do Ministério Público Federal para penetrar no universo do compliance empresarial.

A banca que tem como “consultor” o ex-procurador Carlos Fernando, um dos mais influentes da Lava Jato em Curitiba, foi subcontratada pela Hogan Lovells e recebeu 28 milhões de reais pelos serviços terceirizados. A inspeção do TCU classificou o valor como 100% “superfaturado”.

Citando a jurisprudência do TCU, a secretaria explicou que “o superfaturamento ocorre quando o preço,
a qualidade ou a quantidade dos serviços prestados não são prévia e adequadamente demonstrados”
.

O TCU decidiu investigar a relação da Eletrobras com a Hogan Lovells após reportagem da revista Veja indicar que os gastos com compliance ultrapassariam os valores perdidos em esquemas de corrupção.

O ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima acionou a porta-giratória: saiu do MPF, onde processou gigantes nacionais, para atuar no ramo de compliance, um dos que mais faturou com a Lava Jato

O INÍCIO DA APURAÇÃO

O resumo do relatório da auditoria do TCU, junto a um parecer parcialmente divergente do Ministério Público de Contas, foi levado ao plenário do Tribunal na última quarta-feira, 15, pelo relator ministro Benjamin Zymler.

O ministro Bruno Dantas se disse “escandalizado” com os valores apurados na auditoria: a Hogan Lovells fora contratada por mais de 340 milhões de reais “para verificar, em abstrato, um possível dano” de 32 milhões de reais à Eletrobras, disse o ministro.

“Eu me escandalizei”, disse o ministro Bruno Dantas. “Não, ela [Eletrobras] não foi lesada em 32 milhões de reais. Ela foi lesada em 372 milhões [de reais], porque 340 [milhões de reais] ela foi lesada pela Hogan Lovells, e 32 milhões [de reais], pelas empresas que desfalcaram os cofres da estatal.”

Porém, no acórdão publicado pelo TCU após a sessão do plenário, o voto de Bruno Dantas é corrigido, fazendo constar que os valores desviados pela corrupção seriam da ordem de 302 milhões de reais. Ainda assim, “substancialmente menor que o total contratado para a investigação (R$ 342,5 milhões)”.

Somente a terceirização dos serviços teria custado 263 milhões de reais à Eletrobras. O valor corresponde a dois terços do contrato da Hogan Lovells.

O SOBREPREÇO NO CONTRATO DA HOGAN LOVELLS

Os contratos com dispensa de licitação assinados entre Eletrobras e Hogan Lovells, um escritório “especializado em investigação corporativa”, previam “investigação independente para avaliar existência de práticas de corrupção e/ou fraudes contábeis” que pudessem ferir as leis anticorrupção brasileira e estadunidense (FCPA).

A proposta original era da ordem de 195 milhões de reais, mas uma série de aditivos – a reboque de vazamentos seletivos da Lava Jato, aumentando o escopo da investigação – majoraram o acordo, que terminou em 342 milhões de reais.

Para a auditoria do TCU, o contrato teve escopo inadequado por uma série de fatores. Entre eles, a “desproporção entre os custos da investigação e os benefícios dela oriundos”.

O sobrepreço na contratação da Hogan Lovells implicou no superfaturamento – pagamento acima do previsto originalmente – dos valores pagos aos escritórios brasileiros que ajudaram na consultoria. Entre eles, a banca W Faria, que recebeu 28 milhões de reais, e o Pinheiro Neto Advogados, que recebeu 24 milhões de reais.

Especializado em compliance, o escritório britânico Hogan Lovells recebeu 340 milhões de reais da Eletrobras. Valor é superior ao que foi detectado como dinheiro desviado por corrupção

100% PAGOS INDEVIDAMENTE

Segundo o relatório em posse do TCU, o “superfaturamento” total no contrato com a Hogan Lovells foi de 229,8 milhões de reais. O órgão de controle considerou válidos somente “os pagamentos para os quais foram apresentados o Demonstrativo Analítico das Atividades (DAA).”

Do total “superfaturado”, 28 milhões de reais dizem respeito à W Faria, a banca que tem Carlos Fernando como consultor desde março de 2022.

Os pagamentos analisados, segundo dados da auditoria do TCU, foram liquidados em 2016, época em que Carlos Fernando ainda era procurador na Lava Jato.

A equipe técnica classificou 100% dos valores recebidos pelo escritório como “pagos indevidamente”, conforme imagem abaixo, extraída da página 107 do documento publicado pelo TCU após a primeira sessão do plenário.

ESCRITORIO NEGA RECEBIMENTO DE VALORES INDEVIDOS

Após publicação da reportagem, a assessoria de imprensa do escritório W Faria negou, em mensagem ao GGN, que valores indevidos tenham sido pagos pela Eletrobras. “Sobre a forma como os honorários da investigação interna foram pagos, manifestamos que as cifras se alinham aos valores para a prestação de serviços desse porte.”

“Observe-se ainda que o Exmo. Ministro inclusive exclui do âmbito da análise do TCU os escritórios nacionais terceirizados. Não há referência a qualquer irregularidade cometida por esses escritórios e especialmente nada de irregular cometido pelo nosso escritório.”

A mensagem faz menção ao voto do ministro Bruno Dantas, que defendeu a instauração de um processo de tomada de contas especial no caso Hogan Lovells, mas tirando os escritórios brasileiros da lista. Na visão de Dantas – que contraria o relatório da equipe técnica do TCU – os honorários pagos às bancas nacionais estavam “na média do mercado”.

A assessoria também manifestou, por meio de nota [confira a íntegra abaixo], que o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima “não é sócio deste escritório, mas, sim, consultor para temas relacionados a compliance, e integra nosso time desde março de 2022, após três anos de aposentado do serviço público e cumprimento de quarentena legal.” Além disso, frisou que o caso Eletrobras estava aos cuidados da Lava Jato no Rio de Janeiro.

PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS GERA IMPASSE

Relator do processo, o ministro Benjamim Zymler defendeu a responsabilização da Hogan Lovells e, “solidariamente”, dos seis escritórios brasileiros subcontratados. O ministro afastou da investigação os membros do comitê independente de investigação – entre eles, a ex-ministra do STF Ellen Gracie – e do conselho de administração da Eletrobras.

O pedido de vistas foi motivado, sobretudo, porque não há consenso sobre instaurar o processo de tomada de contas – que apura responsabilidades e busca ressarcimento ao erário – agora que a Eletrobras foi praticamente privatizado, deixando a União de ter o controle acionário sobre a empresa de energia.

A INDÚSTRIA DO COMPLIANCE

A indústria do compliance foi uma das que mais faturou dinheiro por causa da Lava Jato. Isto porque as gigantes nacionais arrastadas para o olho do furacão se viram obrigadas a entrar em “conformidade” com os parâmetros internacionais de combate à corrupção e, para isso, contrataram escritórios especializados.

Entenda os detalhes da indústria do compliance no vídeo abaixo, uma produção exclusiva do Jornal GGN.

NOTA DA W FARIA SOBRE A REPORTAGEM DO JORNAL GGN

Prezado Luis Nassif, Diretor e Editor do Jornal GGN

Esclarecemos sobre o caso de subcontratações na investigação da Eletrobrás em 2015/2017:

. A contratação de empresas de investigação corporativa e escritórios de advocacia brasileiros referida no voto do TCU seguiu as normas para estes casos, quando envolvem empresas de capital nacional que operam nas bolsas de valores dos Estados Unidos.

. Entre 2015 e 2017, a Eletrobrás, empresa de economia mista e de capital aberto sob controle acionário do Governo Federal brasileiro passou por intenso processo de investigação interna, conduzido e coordenado por escritório de advocacia independente.

. Os resultados desse trabalho foram entregues aos controladores que adotaram as medidas exigidas por reguladores de mercado de valores mobiliários nos Estados Unidos, sob cuidados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América e autoridades do Brasil.

. Os efeitos desse trabalho foram amplamente divulgados na imprensa, resultando em prisões por corrupção ativa e passiva, afastamento de cerca de 40 pessoas e a relistagem das ADRs da Eletrobrás na New York Stock Exchange (NYSE), com grande valorização dos seus papéis no mercado e reabertura do mercado de crédito internacional a empresa.

. A investigação foi liderada pela força tarefa do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, não da força tarefa da Lava-Jato em Curitiba. As decisões judiciais estiveram sob jurisdição da Justiça Federal do Rio de Janeiro de titularidade do Dr. Marcelo Bretas.

. Sobre a forma como os honorários da investigação interna foram pagos, manifestamos que as cifras se alinham aos valores para a prestação de serviços desse porte.

. Observe-se ainda que o Exmo. Ministro inclusive exclui do âmbito da análise do TCU os escritórios nacionais terceirizados. Não há referência a qualquer irregularidade cometida por esses escritórios e especialmente nada de irregular cometido pelo nosso escritório.

. O nome do advogado Carlos Fernando dos Santos Lima passou a constar de textos sobre o assunto vinculando-o indevidamente ao quadro societário deste escritório de advocacia, porque consta em nosso site a sua vinculação com nossa equipe. Esclarecemos entretanto que o Dr. Carlos Fernando dos Santos Lima é um consultor externo do escritório desde março de 2022 somente.

. Reiteramos, portanto, que o Dr. Carlos Fernando dos Santos Lima não é sócio deste escritório, mas, sim, consultor para temas relacionados a compliance, e integra nosso time desde março de 2022, após três anos de aposentado do serviço público e cumprimento de quarentena legal.

À disposição para quaisquer outros esclarecimentos que se façam necessários

Cleinaldo Simões
Assessor de Comunicação e Imprensa

Nota da redação: Esta matéria foi atualizada para corrigir dado sobre as despesas da Eletrobras com compliance. Com base na sustentação oral do ministro Bruno Dantas, do TCU, a reportagem afirmou que foram gastos com a Hogan Lovells e subcontratadas um montante 10,6 vezes superior ao que foi apurado e apontado como desvios e prejuízos contáveis. Porém, o voto escrito do ministro e o relatório dos auditores do TCU divergem da sustentação oral do magistrado, conforme relatado na reportagem.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. A Eletrobras desvia esse dinheiro todo para um escritório e não quer pagar o devido do empréstimo compulsório aos contribuintes. Que vergonha nacional . Devolvam o dinheiro as empresas que até hoje aguardam receber na justiça . Perdem no prazo para impugnar valores de execução e o poder judiciário renova prazos

  2. Essa lava jato era mesmo uma quadrilha montada para assaltar os cofres públicos e destruir empresas nacionais sob encomenda de terceiros.
    No caminho tentaram assassinar o ex-presidente Lula mantendo-o indevidamente preso por quase seiscentos dias. Tenho absoluta certeza de que acreditaram que o Lula não resistiria à solitária que o colocaram e morreria.
    Até quando estes miseráveis que arruinaram o país vão permanecer livres?
    Onde está o judiciário deste país? Existe só para receber salários?

  3. O TCU aprovou com honrosos discursos a privatização da Eletrobrás.

    Não se pode confiar em nenhum tribunal, nenhum conselheiro de contas nesse país.

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