Pesquisa Datafolha: Vento da Mudança vai arejar STF?

De lado a lado, muito se comentou entre as militâncias virtuais na noite de sábado e durante este domingo sobre os números da corrida sucessória de 2018 apontados pela mais recente rodada de pesquisas do Instituto Datafolha. Os gráficos apontam movimentos acentuados de queda para tucanos e de recuperação para Lula. Longe de mim a intenção de respaldar os métodos e resultados do instituto. Assinalo apenas que a divulgação da pesquisa em si, neste momento decisivo, tem o potencial de imprimir alguma marca sobre a realidade que busca retratar. Mesmo sendo a foto já do passado, bem entendido.

Apoiadores do governo comemoram e repercutem a pesquisa. Já o MBL alopra: o perfil do movimento no twitter postou, em revolta, que o Datafolha seria instituto pautado por Lula (com muitas exclamações). Problemas no casamento? Daria um pedalinho para estar na redação da Folha na próxima vez em que o líder dos acusadores, o colunista da casa, Kim Kataguiri, der um “rolezinho” por lá. Climão? Talvez seja pouco para descrever o constrangimento.

De qualquer maneira, acredito ser seguro afirmar que há uma mudança perceptível de ventos. Se o Datafolha captou essa mudança ou não e se o fez com precisão são outros quinhentos.

Já vínhamos discutindo aqui no GGN os ventos políticos a soprar nesta semana decisiva. Quebrei a cabeça procurando possíveis fatores que explicassem a mudança de ares, contrária ao golpe-impeachment. Adianto – principalmente à “força tarefa” da Lavajato – que não contratei pesquisas qualitativas a nenhum marqueteiro baiano. Nem com caixa 1, nem com caixa 2. Falta-me, na verdade, caixa. Qualquer que seja.

O que vai abaixo são hipóteses de uma mente curiosa. E que não deixa de se impressionar com as ondas avassaladoras que surgem em contextos eleitorais no Brasil (para mim vivemos atualmente uma eleição imprópria) e derrubam tudo e todos no seu caminho. Até, é claro, estourarem no paredão da orla e refluírem. Para nunca mais. (Sim, Maria Osmarina, estou pensando em você mesma em 2014. De virtual eleita quase no primeiro turno acabou não passando nem ao segundo)

Nassif costuma comparar o quadro político como nuvens que se movem no céu. Quais são os ventos que as movem no atual momento? E, mais importante, que impacto terão no processo de convencimento dos Ministros do STF? Meu interesse maior é justamente neles. Não tanto por ser de formação jurídica, mas mais porque esta semana – e talvez as próximas também – é deles.

Assim, ofereço humildemente uma lista de fatores do ambiente político que podem levar os Ministros a ousar mais do que foi feito até aqui e a resolver empunhar aquela espada da deusa Justiça na defesa da legalidade e do voto popular expresso em 2014. Vejamos:

(1) o despertar amplo dos movimentos sociais, de artistas e intelectuais (incluindo o mundo jurídico) contra o golpe. Dada nossa conhecida xenofilia, acrescento também a mudança de 180 graus na cobertura pela imprensa estrangeira. Veja o que aconteceu com o Congresso de Gilmar em Portugal. Ministro vai querer passar constrangimento durante cafezinhos nos colóquios por aí?

(2) o lado oposto. O recrudescimento da onda conservadora que vem desde 2013, culminando na ascensão de Bolsonaro. O desfecho do impeachment para mim terá pouca influência nesse movimento. Mas os Ministros do STF quererão dar à besta o que ela exige hoje com espuma a escorrer da boca? O que quererá ela depois que provar sangue? Lembremos que composição não tão diferente do Tribunal aprovou o casamento gay há não tanto tempo. Por unanimidade. E com votos-ode ao amor que antes não ousava dizer o próprio nome. Assim, não parecem os Ministros ter grandes afinidades com a tal da besta.

(3) a perspectiva de viabilidade política do governo Dilma com as costuras políticas de Lula. Em dezembro a Presidente estava bem mais isolada. Já Lula está sendo tão competente na empreitada que foi vítima de seu próprio sucesso. As ações açodadas do PGR (ataque cronometradíssimo ao PP e reversão abrupta sobre o “Lula ministro”) mostram o medo que têm da desenvoltura de Lula em Brasília.

(4) Temer derreteu. Não houve só a carta. Agora ele assumiu o figurino golpista à luz do dia e não uniu nem mesmo o “seu” PMDB. O “desembarque” (quantas aspas!) foi um tiro pela culatra. Aliás, como a malfadada carta “vazada” (aspa, aspa). Além disso, está pessoalmente implicado na Lavajato, assim como o seu entorno. Volta-me agora à memória aquela inconfidência vazada (malditos vazamentos!) do Min. Barroso sobre nossa “alternativa de poder” (é… desisto de contar aspas ao falar do PMDB). Também eu, meu mestre da UERJ, persigno-me e suplico a “meu Deus do céu!”. Súplicas a parte, qual a viabilidade de um governo Temer hoje? Maior ou menor do que há seis meses? Nem entremos na questão do apoio popular. O último Datafolha também enterra quaisquer sonhos nesse sentido. Não que isso importe para os capitães do golpe, é claro.

(5) a percepção clara hoje, para qualquer um que não esteja engajado no golpe, de que órgãos do Estado (MPF, juízes, PGR, PF) tem viés político e não hesitam em tratorar as leis e a Constituição para chegarem onde querem. Os Ministros do STF quererão respaldar o Estado policial? Premiá-lo com o impeachment por que tanto se esforçaram seus agentes? Essas corporações engajadas, assim como os Bolsonaros rasos das ruas, o que quererão amanhã depois de provar sangue?

(6) a espetacular defesa de Cardozo na Comissão do Impeachment, solenemente ignorada pelo relator. O acesso de Dilma à justiça foi apenas formal. De que adiantou aquela defesa arrasadora? Como dizem os americanos, Dilma não teve o seu “day in court”. Teve isso sim uma falsificação grosseira de devido processo e ampla defesa. Logo na “Casa das Leis”, de todos os lugares…

(7) a carapuça de antidemocratas que os golpistas vestiram ao rejeitar peremptoriamente eleições gerais antecipadas como saída para a crise. O que afere melhor “a voz das ruas”? A contagem de pessoas em passeatas pelo Datafolha (ele de novo!) e a PM de SP ou as urnas? Está claro que querem chegar ao poder sem o voto. Isso porque pretendem implantar um programa que nunca ganharia eleição. Aliás, seria esse programa viável tocado por um governo fraco em uma sociedade conflagrada? Dilma hoje não consegue aprovar nem o seu “ajuste”. Que dirá Temer com a sua “Ponte para o Futuro”.

(8) a Blitzkrieg contra Teori e Marco Aurélio. Aí entramos em considerações corporativistas. Os Ministros quererão dar a impressão de que cederam ao bullying da manada? Que Supremo será esse? “Supremo” ainda? O cerco a Teori foi certamente fundamental para a postura mais proativa de alguns Ministros. Aliás, vão os Ministros, por espírito de corpo, endossar também a tratorada de Gilmar Mendes em sua infame liminar impedindo o “Lula ministro”? No episódio, o controverso Ministro passou de todos os limites e talvez tenha chegado a ser contraproducente. Ficou evidente demais.

(9) a Campanha “impeachment não é golpe”. Quando alguém precisa repetir muito uma versão é porque ainda precisa convencer os demais – senão a si mesmo(a). Essa é uma tese minha, mas que considero plausível. A Globo não gastaria horas e horas de programação com a tautologia “impeachment não é inconstitucional se respeitar a Constituição” (dããããã!) sem necessidade. Minha suspeita é que pesquisas qualitativas de bastidor indicam que a ideia contrária, “esse impeachment é sim golpe”, sedimentou na maioria da população, seja ela a favor ou contra o tal do golpe. Os a favor não se importam com a mão de gato aparentemente. Mas é sempre mais fácil defender uma mentira em que se acredita com sinceridade. Nada a falar então dos que são contra o que veem claramente como golpe. Pois mentira, para esses, será o Estado de Direito. Dessa forma, endossando o impeachment, os Ministros endossam um “golpe” no entendimento do que suponho ser a maioria da população (a favor e contra). “Porteira aberta, passa boi, passa boiada”, diz o jeca. Quererão os Ministros consolidar a percepção social de que golpe é uma alternativa política? Quantos anos demorou para chegarmos até aqui? Vamos voltar para os anos 50/60?

Opa! Cheguei a 9 fatores! Será o placar? 9×2? Se for, aposto outro pedalinho em quem proferirá esses 2 votos impermeáveis aos ventos da mudança. Será que advinham em quem estou pensando? Não é difícil.

Em breve teremos respostas para as muitas indagações colocadas nesses nove fatores. Não esqueçamos que o STF é o mais político de nossos tribunais. Não se afastando do aspecto principal, o jurídico, certamente a mudança dos ventos políticos sopram em favor de uma interpretação ou de outra, dentre as tantas que os Ministros podem encampar.

Diferentemente da imprensa familiar, ao fechar o post deixo claro o meu viés: torço para que a brisa dos últimos dias sopre gentilmente nossos Ministros na direção da defesa do Estado. Democrático. E de Direito.

 

2 Comentários

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  1. Tenho uma dúvida em relação ao STF…

    Sabemos que, qualquer iniciativa que se desvie uma vírgula do que prevê a Constituição é, de fato e de direito, inconstitucional. Sabemos que o “impeachment” (este que estão propondo, só dá para escrever com aspas) defendido pela corja de criminosos que tomou de assalto o Congresso Nacional é completamente ilícito e insustentável, por se basear em obra de pura ficção (daquelas de qualidade pra lá de duvidosa), já que não encontra respaldo na realidade. Por fim, sabemos que, faz mais ou menos um mês, o próprio STF rasgou a Constituição, ao acabar com o princípio a presunção da inocência, um dos pilares de qualquer Democracia, num voto inacreditável, demonstrando cabalmente que o STF também faz pouco do Estado Democrático de Direito e não respeita nem mesmo a Lei Maior em relação à qual, supostamente, seria seu defensor último.

    Será que dá para contar com um STF esquizofrênico, que não tem vergonha de rasgar nem a própria Carta Magna?

    Não vou nem falar sobre como “operou” (também merece aspas) esse “colegiado” (aqui, idem) na AP470.

    Enfim, nesse jogo de cartas marcadas fica difícil de saber que bicho vai dar.

    1. Incognita

      Certamente. So saberemos na hora mesmo. Eu noto apenas no post a mudança dos ventos e os incentivos e desincentivos de fora que os ministros têm neste novo momento.

      Se a discussao do rito nao tivesse levado tanto tempo e as votaçoes do impeachment tivessem se dado naquele final de ano/inicio deste, nao tenho duvida de que Cunha ia tratorar o governo na Camara. No Senado o Renan provavelmente fecharia com Temer tb.

      A disposiçao majoritaria de nao intervir no merito estava clara naquele momento. Iam tapar o nariz e fingir que tinhamos um Parlamento escandinavo.

      Hoje acho que, pela mudança de ares, tem mais incentivos do que desincentivos para botar a mao na massa.

      Pensando em termos de física:

      A resultante da soma desses vetores extra-corte – opostos – tende levemente contra o golpe HOJE. O caso era o oposto há 6 meses. A questao a se considerar é o vetor idiossincrático de cada cabecinha no Tribunal. Aí a gente vai ter as resultantes individuais e, por ultimo, a resultante do colegiado.

      Agora, quem poderá dizer para onde apontará?

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