
Em meio à pressão midiática por conta da suspensão da multa aplicada à J&F e da investigação sobre o papel da Transparência Internacional Brasil em acordos de leniência com grandes empresas, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, decidiu levantar o sigilo do processo nesta terça (6).
As informações liberadas por Toffoli, agora acessíveis à opinião pública, indicam como a Transparência Internacional pretendia determinar como seriam gastos os R$ 2,3 bilhões que a J&F deveria pagar a título de indenização por força de acordo com a Operação Greenfield.
O acordo de leniência da J&F com o Ministério Público Federal, assinado em 2017, previa o pagamento de mais de R$ 10 bilhões, mas seu cumprimento integral está em disputa na Justiça. Do total acordado, R$ 2,3 bilhões seriam destinados a “projetos sociais” e combate à corrupção no País.
Por que a Transparência Internacional está sendo investigada?
A Transparência Internacional Brasil está na mira do STF porque, num acerto com a Procuradoria-Geral da República na época de Rodrigo Janot, ficou encarregada de desenhar o “sistema de governança” que daria cabo dos R$ 2,3 bilhões que seriam investidos ao longo de mais de 20 anos. Na prática, a TI Brasil não receberia os recursos diretamente, mas poderia sugerir os projetos beneficiados.
Os documentos que chegaram ao Supremo mostram que, nos bastidores, dirigentes da Transparência Internacional Brasil enviavam cartas e mensagens a membros do MPF, indicando como o dinheiro deveria ser gasto.
Em uma das mensagens enviadas a Janot pelo presidente da TI Brasil, Jorge Ugaz, a ONG sugeriu que “50% do montante se destine a projetos sociais explicita e inequivocamente voltados à qualificação, proteção e promoção do controle social; Que os restantes 50% sejam destinados a iniciativas que promovam novas formas de ‘participação democrática, conscientização política, formação de novas lideranças e inclusão de minorias e grupos excluídos na política, com o propósito de mitigar ou compensar — ainda que parcialmente — os profundos danos que a corrupção causa ao sistema democrático.”
Nas mensagens ao MPF, a Transparência Internacional Brasil ainda admitiu abrir mão de receber recursos enquanto tivesse “influência decisória”, mediante a condição de “ter papel ativo no desenho e monitoramento dos processos”. O interesse em ter a caneta na mão era tão grande que a TI se colocou à disposição para criar o sistema de governança sem cobrar nenhum centavo.
“Algo escandaloso”
A ação agora no Supremo foi originada a partir de uma petição encaminhada primeiro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo deputado federal Rui Falcão (PT). A defesa sustentou que “o simples fato de MPF admitir participação de uma entidade internacional para tratar de ‘premissas e diretrizes que guiarão as decisões acerca da forma como serão geridos e executados os recursos previstos para investimento em projetos sociais no âmbito do acordo de leniência supracitado [J&F] já seria algo escandaloso”.
Os advogados Fernando Hideo e Marco Aurélio Carvalho sustentaram que, por se tratar de um braço de uma ONG internacional no Brasil, a TI não teria qualificação para influenciar o destino dos recursos oriundos de acordos de leniência, que são revertidos para o bem público.
Procuradores investigados
O levantamento do sigilo mostra que o Conselho Nacional do Ministério Público e outros órgãos correcionais foram acionados pela Procuradoria-Geral da República sob Augusto Aras para apurar a conduta dos procuradores que abriram as portas do MPF para a Transparência Internacional.
No acordo oficial de leniência da J&F com a Greenfield, a Transparência Internacional não teve participação. Porém, a própria PGR admite nos autos que o MPF orientou a empresa dos irmãos Batista a proceder à execução da multa seguindo orientações da TI.
Como a Transparência Internacional entrou na pauta do STF
O caso migrou do STJ para o gabinete de Toffoli por ter sido relacionado à petição 43.007, onde o ministro declarou imprestáveis as provas usadas no acordo de leniência da Odebrecht, por terem sido obtidas por meio de cooperação internacional irregular pela Lava Jato em Curitiba. Nos dois casos, há em comum o uso de mensagens da Operação Spoofing revelando como os procuradores agiram em conluio para processar grandes empresas.
A Transparência Internacional Brasil nega que tenha recebido recursos de acordos de leniência.
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Várias questões podem ser ditas aqui. A primeira é mais importante é sobre a natureza jurídica dos recursos que a ONG recebeu e/ou queria gerenciar: eles são públicos e sua gestão deve ser publica e realizada feita respeitando-se os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Nenhum agente privado pode ser beneficiário deles ou interferir na sua gestão. Aliás, eles não pertenciam ao MPF e o PGR não poderia proferir decisão atendendo o pedido da ONG. A conduta da Transparência Internacional é inadequada e induz agentes públicos a cometer atos que poderiam em tese configurar Improbidade Administrativa. Se recebeu algo, a ONG pode responder pelo mesmo crime cometido por quem a pagou e terá que devolver o montante acrescido de juros e multa. Esse ofício enviado ao PGR por si só sugere a possibilidade de terem ocorrido irregularidades que podem e devem ser investigadas. A decisão de Dias Tofolli nesse caso foi irrepreensível (digo isso apesar de geralmente ser muito crítico à atuação dele no STF).