A amnésia da esquerda, por Francisco Fernandes Ladeira

Uma vez conservador, sempre conservador. Só parte da esquerda não percebe isso, auxiliando assim no processo de “reciclagem de golpistas”.

A amnésia da esquerda

por Francisco Fernandes Ladeira

A esquerda brasileira parece sofrer de amnésia crônica. Isso significa que rapidamente se esquece dos últimos acontecimentos do cenário político nacional, sobretudo em relação a determinados indivíduos e instituições que participaram direta ou indiretamente do golpe de Estado de 2016, que derrubou a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff.

Nessa lógica, basta algum ex-golpista tecer a mínima crítica à extrema direita, de maneira geral, ou ao ex-presidente inelegível Jair Bolsonaro, em particular, para a esquerda já saudá-lo como o “maior dos progressistas”.

Dois exemplos de “golpistas reciclados” pela esquerda são os jornalistas Reinaldo Azevedo e Rachel Sheherazade que, por suas atuações na revista Veja e no telejornal SBT Brasil, respectivamente, foram importantes para difundir o chamado “antipetismo” entre a população (que, como tragicamente sabemos, trouxe como principal consequência o bolsonarismo).

Reinaldo Azevedo, criador da expressão “petralha” – termo pejorativo para insultar de forma generalizada os políticos do PT – hoje é apontado como importante voz do antifascismo brasileiro. Já Rachel Sheherazade (musa do movimento neocon e do justiçamento popular) pela simples suposição de ter sido expulsa do reality show A Fazenda por falar mal de Bolsonaro, já é considerada como “grande esquerdista” por alguns setores (inclusive, com sugestões para que ela ingresse em algum partido político).

Não obstante, a amnésia da esquerda também vale para as duas instituições que, em conluio, tiveram papéis fundamentais no processo golpista, mídia e judiciário, a partir de suas atuações decisivas em todas as etapas do impeachment: desde o chamado “Mensalão”, passando pela Operação Lava-Jato, o golpe propriamente dito, a prisão de Lula (para que ele não disputasse o pleito de 2018) e culminando na eleição do pior presidente da história do Brasil, o anteriormente citado e inelegível Bolsonaro.

Por uma dessas ironias da vida, Supremo Tribunal Federal (STF) e Rede Globo entraram em atrito com o governo Bolsonaro (o que não os isenta da participação no golpe). “A ‘Globo Lixo’ e o STF não deixaram o mito governar durante a pandemia”, foi um dos mantras mais repetidos pelos bolsonaristas nos últimos anos.

Evidentemente, não defendo agressões físicas a jornalistas ou ataques pessoais a ministros do STF (como fazem os indivíduos da extrema direita e, em casos pontuais, pessoas na própria esquerda, haja vista a infantil referência do PCO a Alexandre de Moraes como “skinhead de toga”).

Porém, remetendo ao clássico Aparelhos Ideológicos de Estado, de Althusser, mídia corporativa e Judiciário são dois dos principais sustentáculos da dominação burguesa. Logo, estão em campos opostos a quem defende os interesses populares. Assim, não faz sentido a esquerda (ingenuamente) considerar que ambos são progressistas, baluartes da democracia, guardiões dos direitos do povo e vão livrar o Brasil da extrema direita.

Na dúvida, basta lembrar da famosa citação, em uma conversa entre Sérgio Machado e Romero Jucá, sobre o golpe de 2016 envolver “um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”. Já o histórico  de alianças da Rede Globo com a direita política (Ditadura Militar, eleição de Fernando Collor, apoio à agenda neoliberal de Fernando Henrique Cardoso etc.) demonstra cabalmente qual o lado da emissora da família Marinho.

Decerto, posicionamento ideológico é uma questão complexa. As pessoas têm uma ampla gama de motivações e razões para mudar suas opiniões ao longo do tempo. Essas mudanças podem ser influenciadas por uma variedade de fatores, como experiências de vida, mudanças na percepção política, interesses econômicos ou transformação das próprias crenças.

Nesse sentido, conforme a experiência nos mostra, existem inúmeros exemplos de ex-esquerdistas. Desde a ativista Sara Winter, passando pelo comentarista da GloboNews Fernando Gabeira e chegando ao guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho. Isso sem falar nos roqueiros: “rebeldes” quando jovens; “caretas” ao envelhecer.

No entanto, o contrário é mais raro (quiçá impossível!). Não me lembro de alguém que seja, de fato, “ex-direita”. Uma vez conservador, sempre conservador. Só parte da esquerda, com sua amnésia crônica, não percebe isso, auxiliando assim no processo de “reciclagem de golpistas”.

Os “camaradas” da grande imprensa e do Judiciário agradecem!

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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de catorze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV).

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3 Comentários

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  1. Uai. É para dar boas vindas aos recém convertidos das trevas, não o contrário (independente da sinceridade ou conveniência da ocasião). E quantos mais melhor.

  2. Vou parar no primeiro. Reinaldo Petralha Azevedo, foi adotado pelos próprios petistas desde que foi opositor mais intransigente de Sergio Moro, do que o próprio Lula.
    O mesmo Lula que alivia contra os facistas, nem sequer, apresentou ao país uma auditoria sobre as malandragens ocorridas durante o desgoverno fascista.
    Não sei se é problema de amnésia, ou de vergonha na cara, mesmo.

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