Sobre a recente ascensão da extrema direita, por Francisco Fernandes Ladeira

Como todo processo multifacetado, não há apenas um motivo que explique essa força de políticos obscurantistas em âmbito global.

Foto da Fundação Astrojildo Pereira

Sobre a recente ascensão da extrema direita

por Francisco Fernandes Ladeira

Nos últimos anos, um espectro tem rondado o planeta. Trata-se da ascensão da extrema direita, simbolizada por nomes de diferentes países e realidades, como Donald Trump (Estados Unidos), Marine Le Pen (França), Viktor Orbán (Hungria), Beatriz Von Storch (Alemanha), Giorgia Meloni (Itália), Narendra Modi (Índia), Javier Milei (Argentina) e Jair Bolsonaro (Brasil). Muitos deles(as) estão ou estiveram no poder máximo de suas respectivas nações. Outros(as), apesar de derrotados(as) nas urnas, obtiveram expressivas votações.

Como todo processo multifacetado, não há apenas um motivo que explique essa força de políticos obscurantistas em âmbito global. No entanto, considero que quatro pontos nos ajudam a compreender a questão.

O primeiro ponto se refere a uma das máximas do pensamento marxista: em tempos de crise econômica (como o atual), o fascismo é a carta acionada quando os tradicionais políticos burgueses já não dão mais conta de manter os lucros dos grandes capitalistas e a exploração da classe trabalhadora. Foi o que ocorreu, por exemplo, na primeira metade do século passado, com as chegadas ao poder de Mussolini, na Itália, e Hitler, na Alemanha e recentemente no Brasil, com Bolsonaro. Poderá ser também o caso da Argentina (em uma eventual vitória de Milei).

O segundo ponto se refere à extrema direita ter encontrado na internet um terreno fértil para propagar suas ideias e narrativas (as famosas “fake news”). Via redes sociais, todo tipo de obscurantismo pôde sair do armário; perfis bolsonaristas e trumpistas (sejam pessoas reais ou bots) se sentem bastante à vontade para despejar ódios e devaneios. 

Já o terceiro fator que impulsionou a onda de extrema direita que varre o planeta se refere ao abandono, por parte considerável da esquerda, da “luta de classes” e outras pautas ligadas às questões materiais e à sobrevivência cotidiana. Além disso, há a adoção de linguagens e discursos academicistas; inteligíveis e desconectados da realidade da população pobre.

Aproveitando esse vácuo, políticos de extrema direita têm cada vez mais adotado retóricas demagógicas, prometendo “soluções” simples para problemas inerentemente complexos, como desemprego, inflação, moradia e segurança pública.

Se há crise, a culpa é do imigrante! Aumentaram os índices de violência, prendam mais pessoas!

Não por acaso, um dos principais redutos eleitorais de Marina Le Pen está no norte da França, histórica região de concentração da classe operária daquele país. O mesmo motivo explica a popularidade de Trump entre trabalhadores brancos e pobres dos Estados Unidos. 

Por fim, o distanciamento da Igreja Católica em relação à população pobre também favoreceu a ascensão da extrema direita, sobretudo no caso brasileiro. Não que esta secular instituição seja, necessariamente, ideologicamente à esquerda.

Mas uma de suas alas que mais se aproximavam das classes populares, a Teologia da Libertação, foi implacavelmente perseguida por setores conservadores do Vaticano. Resultado: com o afastamento católico, os pobres ficaram vulneráveis a uma outra teologia, a Teologia da Prosperidade, adotada por algumas igrejas neopentecostais.

Lembrando o clássico livro O dogma de Cristo, de Erich Fromm, a “dualidade” do Deus cristão – “mau” no Antigo Testamento e “bom” no Novo Testamento – permite que, tanto discursos de união, quanto de ódio a determinados grupos, possam ser justificados pela mesma Bíblia.

Assim, os chamados “discursos de ódio”, a partir de leituras bíblicas fundamentalistas, somados a apologia à meritocracia (“Deus me ajudou porque mereci”), se encaixam perfeitamente ao projeto fascista/neoliberal de Bolsonaro.

Portanto, a aliança entre o ex-presidente e certos líderes evangélicos não foi apenas conveniência. Havia afinidade de valores e ideias.

Como dito, a ascensão global da extrema direita é um fenômeno complexo; muitos condicionantes não foram aqui esboçados. Os fascistas saíram do armário, foram tirados da coleira e não querem voltar.

Nesse sentido, podemos concluir que, mesmo Bolsonaro derrotado no ano passado, isso não representou o fim do bolsonarismo. Consequentemente, temos um longo e complicado processo para que a extrema direita, enfim, retorne para o lugar de onde jamais deveria ter saído.

***

Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp.

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Redação

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