Duelo Assimétrico
por Jorge Alexandre Neves
Depois de ter cometido o erro de “chamar o inimigo pra dançar”, ao convidar os militares para participar da comissão de transparência da eleição, o TSE se antecipou ao previsível movimento golpista dos militares – que tentam desesperadamente manter seus lugares à mesa do “banquete dos chantagistas” (1), pretendendo fazer uma “fiscalização paralela” das eleições (https://atarde.com.br/politica/eleicoes/forcas-armadas-preparam-fiscalizacao-paralela-das-eleicoes-1200419) – ao publicar um Edital de Chamamento Público para participação de entidades da sociedade civil como observadoras do processo eleitoral, com a clara intenção de atrair, principalmente, universidades.
Segundo o relato da jornalista Thais Bilenky – no último episódio do podcast Foro de Teresina, da Revista Piauí – três universidades públicas já se inscreveram como observadoras, a saber, a USP, a Unicamp e a UFPE. Esses movimentos irão gerar um inevitável “duelo” técnico entre os militares e os professores e pesquisadores das referidas universidade. Para analisar a comparabilidade na capacitação técnica entre esses dois grupos (os militares e as três universidades inscritas), decidi fazer um breve exercício comparativo.
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Duas áreas de conhecimento terão primazia técnica na tarefa de acompanhamento das eleições, a Ciência da Computação e a Estatística. Fiz um levantamento sobre os centros de pesquisa tecnológica das três armas e apenas dois deles – o ITA e o IME – têm programas de pós-graduação (2) em uma das áreas citadas. Além desses dois centros, fiz também um levantamento sobre as três universidades inscritas. Os resultados estão na tabela abaixo.
Instituição | Ciência da Computação | Estatística |
ITA | Tem um curso Mestrado Profissional ainda sem conceito (em processo de avaliação). | Não tem. |
IME | Tem um curso de Mestrado Acadêmico com conceito 3 na CAPES. | Não tem. |
USP | Tem um Programa de Pós-Graduação com Cursos de Mestrado e Doutorado com conceito 6 na CAPES. | Tem um Programa de Pós-Graduação com Cursos de Mestrado e Doutorado com conceito 6 na CAPES. |
Unicamp | Tem um Programa de Pós-Graduação com Cursos de Mestrado e Doutorado com conceito 7 na CAPES. | Tem um Programa de Pós-Graduação com Cursos de Mestrado e Doutorado com conceito 5 na CAPES. |
UFPE | Tem um Programa de Pós-Graduação com Cursos de Mestrado e Doutorado com conceito 7 na CAPES. | Tem um Programa de Pós-Graduação com Cursos de Mestrado e Doutorado com conceito 5 na CAPES. |
Os dados da tabela mostram que não há comparação possível no nível de capacidade técnica dos centros tecnológicos militares e das três universidades públicas inscritas, no que diz respeito às duas áreas mais importantes para o acompanhamento técnico das eleições. Assim como se deu na preparação do PowerPoint com erros ortográficos utilizado por Bolsonaro para a apresentação de uma narrativa golpista diante de embaixadores (https://revistaforum.com.br/politica/2022/7/19/vexame-golpista-de-bolsonaro-com-embaixadores-foi-obra-dos-militares-do-governo-120391.html), mais uma os militares irão passar vergonha, desta vez com o duelo que estão se dispondo a travar na fiscalização das eleições.
Uma consequência não intencional do Governo Bolsonaro tem sido a exposição da escandalosa fragilidade da formação intelectual dos oficiais das Forças Armadas brasileiras (3). É curioso isso, pois em seu início este governo propôs a militarização das escolas como uma saída para os problemas da educação pública, no Brasil. Hoje, restou muito claro que isso seria um grande desastre!
- 1. https://www.hojeemdia.com.br/o-banquete-dos-chantagistas-1.562466.
- 2. Nenhum centro tecnológico da Marinha tem cursos de pós-graduação nas duas áreas de interesse.
- 3. Outro dado vexatório para os militares encontra-se nas demandas técnicas que têm apresentado ao TSE. Algumas são constrangedoras (https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/05/5006681-tse-rebate-erros-apontados-por-militares-sobre-eleicoes.html).
Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
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