O ‘caso Uberlândia’, um histórico de conservadorismo e violência política no Brasil, por Túlio Muniz

Se em 2018 as caravanas de Lula forma alvejadas por tiros em rodovias de Santa Catarina, a ofensiva agora promete ser antecipada, e mais sofisticada

Evento de celebração da aliança entre Lula e Kalil para as eleições. | Foto: Reprodução

As cenas de um drone adaptado para pulverização de veneno em lavouras, utilizado para borrifar produto químico contra apoiadores de Lula, Alckmin e Kalil em Uberlândia-MG,  no último dia 16 de Junho, acende mais do que um alerta quanto ao que se enfrentar e combater nas eleições deste ano. É o prenúncio do que virá a ser a campanha presidencial no Brasil. Se em 2018 as caravanas de Lula forma alvejadas por tiros em rodovias de Santa Catarina, a ofensiva agora promete ser antecipada, e mais sofisticada.

Tinha que ser em Uberlândia, a cidade brasileira cujo PIB (que não é o mesmo que divisão de riqueza) é o maior entre as ‘não capitais’, e é mesmo maior do que muitas capitais, impulsionado pelo tal agro negócio, que nas últimas cinco décadas fez fortuna de poucos a troco da devastação do Cerrado no Oeste de Minas Gerais, ocasionando desaparecimento de fauna e flora, assoreamento de rios, êxodo de trabalhadores rurais para as cidades.

Uberlândia é, também, exemplo de como a direita manda e desmanda na política do país. Desde os anos de 1980, apenas dois prefeitos não foram de direita: de 2013 a 2016 foi Gilmar Machado(PT) , e por duas vezes (1983-1988, e 2001-2004) Zaire Rezende(MDB), aliás falecido neste Junho, aos 90 anos. No mais, o espectro político da cidade sempre foi de Direita, e com matizes cruéis.

Entre elas, a trajetória política de Rondon Pacheco (1919-2016), que iniciou carreira ainda nos anos de 1940, pela direitista União Democrática Nacional (UDN , em oposição a Getúlio Vargas.

Em 1950, Pacheco se elegeu deputado federal pela primeira vez e ficou na Câmara até 1967, quando assumiu a Casa Civil do segundo dos ditadores militares, Costa e Silva. Como ministro, ajudou a redigir e assinou o Ato Institucional 5 (o AI-5), em 1968, marco do recrudescimento da Ditadura. Sua lealdade foi premiada com a nomeação para o Governo de Minas Gerais, em 1971, a partir do que tratou de alavancar o desenvolvimento de Uberlândia.

E favor não confundir Rondon Pacheco com o notório defensor dos indígenas que foi o Marechal Cândido Rondon (1865-1958), pois foi durante o governo de Pacheco em Minas que seu deu o deslocamento forçado dos indígenas da etnia Krenak para fora de terras que reivindicavam ao longo do rio Doce, das quais somente obtiveram controle a partir dos anos de 1980-90.

Ate então o polo econômico e político do Triângulo era Uberaba, outra referência do agro negócio, pelo viés da pecuária. Rondon Pacheco tratou de alterar traçados de rodovias que cruzariam o país de Norte a Sul e de Leste a Oeste, fazendo-as passando por Uberlândia, e implantou a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), sem incomodar a privada Universidade de Uberaba (Uniube), fundada pelo político e escritor Mário Palmério.

Pacheco sempre manteve títeres seus à frente da prefeitura de Uberlândia, exceto Renato de Freitas (1973 e 1977). Entre eles, destacou-se Virgílio Galassi, prefeito por quatro vezes dos anos de 1970 aos 2000, um populista desenvolvimentista que, apoiado por Rondon e pela Ditadura, industrializou a cidade, e se calcou na expansão da construção civil e no incremento do agro negócio, ao ponto de, nos idos de 1990, veicular matéria de capa paga na Veja ‘vendendo’ Uberlândia e o Cerrado como “A Califórnia Brasileira”. Megalomaníaco, patrocibou a construção de um estádio de futebol, o Parque do Sabiá, que até hoje, em partida, só foi lotado na inauguração um jogo entre a imortal seleção brasileira de 1982 contra um inexpressivo selecionado da Irlanda.

 Galassi fez a escola que elegeu todos os seus sucessores, a exceção de Zaire Rezende e Gilmar Machado, que, aliás, foi mais uma vítima de lawfare lavajatista quando tentava mandando de deputado federal em 2018, sendo injustamente acusado, preso durante a eleição e depois inocentado). Inclusive é percursor de Galassi o atual prefeito, Odelmo Leão Carneiro, ora no quarto mandado, líder do agro negócio desde os anos de 1980, quando assumiu o controle do poderoso Sindicato Rural de Uberlândia (patronal), e foi um dos fundadores da União Democrática Ruralista (UDR), a mesma que, em 1989, quando da primeira eleição presidencial pós-ditadura, promoveu em Uberlândia, não por acaso, o lançamento nacional da candidatura de Ronaldo Caiado (atual governador de Goiás).

No verbete dedicado a ela na Wikipedia (ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Democr%C3%A1tica_Ruralista), a UDR é precisamente definida: “entidade associativa brasileira que reúne grandes proprietários rurais e tem como objetivo declarado ‘a preservação do direito de propriedade e a manutenção da ordem e respeito às leis do País’ “.

Em 2018, Jair Bolssonaro teve nada menos que 63% dos votos uberlandenses no segundo turno das eleições, e o bolsonarista Romeu Zema (Novo), teve avassaladores 87% dos votos para o Governo do Estado de Minas Gerais. Tal histórico explica bem a mentalidade de gente que se acha no direito de borrifar veneno em seus opositores, e que não hesitaria em utilizar de métodos mais violentos, e letais.

O ‘caso Uberlândia’ foi apenas um primeiro campo de guerra no qual a resistência é rara, mas necessária e por vezes já foi exitosa. O que ocorreu em 16 de Junho representa o que virá pela frente em regiões onde a direita é forte historicamente, outro motivo para combatê-la e derrota-la.

Em tempo: o advogado referência dos Direitos Humanos em Uberlândia, José Carlos Muniz Filho, se dispôs a representar, sem nenhum ônus, pessoas que estiveram sob a mira do drone pulverizador de veneno. Contatos: https://www.facebook.com/josecarloscmuniz e WhatsApp (34) 9183-3151.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Túlio Muniz. Historiador (com Graduação e Mestrado pela Universidade Federal do Ceará), com Doutorado na Área de Sociologia , em Pós-Colonialismo e Cidadania Global, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia (CES-FEUC) da Universidade de Coimbra. É Professor Adjunto na Faculdade de Educação (FACED-UFC). Também é Jornalista Profissional.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Leia também:

Jornal GGN produzirá documentário sobre esquemas da ultradireita mundial e ameaça eleitoral. Saiba como apoiar

Jornal GGN abre inscrições para curso sobre Desinformação, Letramento Midiático e Democracia

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Parabenizo-o pelo excelente artigo.
    Todavia, creio que Osasco, Guarulhos, Campinas, Jundiaí, São Bernardo do Campo e São José dos Campos têm PIB maior que Uberlândia e também não são capitais.

  2. Artigo de quem conhece SUPERFICIALMENTE a política de Uberlândia com a visão de ESQUERDA com os mesmos vícios de quem tem a visão de DIREITA que não consegue enumerar o que há de positivo, dando relevância somente aos postos negativos e muitas das vezes carregados de má informação, por conveniência ou falta de preparo mesmo. Poderia eu enumerar pontos aqui onde eu discordo, mas, não… só vou falar do estádio Parque do Sabiá, o qual eu acompanhei a construção por morar aqui do lado e até a inauguração onde atuei dentro de campo como fotógrafo de alguns jornais. Vamos lá! Os militares de Brasília RESOLVERAM que seriam construídos DOIS estádios no Brasil dando ênfase a velha máxima do FUTEBOL como ÓPIO do povo. Os lugares seriam disputados por quem teria mais força política num Brasil onde quem mandava era quem tinha armas. Pois bem, as força políticas civis de Uberlândia sempre bem articuladas (o TEXTO ao que eu critico mostra bem isso, com um certo desdenho, mas mostra) trouxe um estádio SEM NENHUM CUSTO MONETÁRIO PARA OS COFRES DO MUNICÍPIO e aqui se tornou um ELEFANTE branco como seria em qualquer outro lugar, mas veio pra cá e estamos cuidando dele para que uma dia atenda sua vocação, servir ao grande DÃO que um dia será um time tal qual foi em 1984. Quanto a NOSSA MEGALOMANIA, temos consciência disso, pois NÃO ACEITAMOS NADA MENOS QUE O PROTAGONISMO em todos os cenários do amado Brasil. UBERLÂNDIA ACOLHEU E ACOLHE gente de todos os cantos do Brasil eu sou um UBERLÂNDINO, palavra que o jornalista Luiz Fernando Quirino genialmente classificou os forasteiros que aqui chegam pra nunca mais sair, quando saio para uma viagem, não vejo a hora de voltar para minha amada cidade. É necessário conhecer para criticar, é necessário vivenciar o dia a dia dessa cidade pra entender que num Brasil Cheio de MAZELAS, nós aqui de Uberlândia nos esforçamos pra construir uma cidade mais HUMANA, para isso votamos também na ESQUERDA, a qual com ZAIRE em seu primeiro mandato até que fez um bom trabalho para a época, tentamos de novo e de novo…. mas, descobrimos que UBERLÂNDIA NÃO É PARA AMADORES. Hoje na contra mão da barbarie que rege esse país, nós aqui de Uberlândia temos MUITOS pontos positivos como cidade encrustada no Cerrado, basta alguns cliques na pesquisa para ver como conseguimos o milagre de progredir nesse cenário de devastação que vive o Brasil hoje.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador