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Também cabe a nós compreender como se materializa nas cidades a desigualdades de classe, raça e gênero. Isto para sabermos ouvir as vozes dos personagens que entram em cena e protagonizam um novo ciclo de lutas
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O que querem as mulheres, por Terezinha de Oliveira Gonzaga

As cidades e a segregação das mulheres nos âmbitos público e privado

da Rede BrCidades

O que querem as mulheres

por Terezinha de Oliveira Gonzaga

Desde sua fundação, a Rede BrCidades compromete-se com as lutas em defesa dos direitos humanos das mulheres, o que fez com que nossa rede incorporasse em suas propostas os desejos e propostas das mulheres pelo Direito à Cidade em aliança com o movimento social feminista e mulheres de outros movimentos sociais. Na Conferência Popular pelo Direito à Cidade, realizada em 2022, houve forte participação de grupos de articulação de mulheres onde  foram debatidas propostas voltadas para a moradia popular, saúde e saneamento, lutas contra opressões de gênero, e LGBTQIA+fobia, pela preservação do meio ambiente e adaptação à crise climática, pelos direitos dos povos originários, mobilidade e acessibilidade, lutas antirracistas e contra o capacitismo, pelo acesso a equipamentos culturais, dinamização de atividades artísticas e esportivas, pela cidadania das pessoas jovens e idosas, pelos direitos da população em situação de rua, por trabalho e renda e pela democracia urbana.

Nesta Conferência, mais especificamente no eixo das temáticas Mulheres, População LGBTQIA+, Sexismo e Vivência nas cidades foram aprovadas na deliberação final as seguintes propostas reivindicativas:

1. Assegurar o direito das mulheres à titularidade da moradia, a fim de assegurar sua autonomia e emancipação econômica e política, libertando-as do domínio dos homens sob a propriedade da moradia.

2. Incentivar iniciativas culturais, considerando-as como potencializadoras das ações educacionais, assegurando a perspectiva de gênero, utilizando as diferentes linguagens e expressões artísticas, resgatando o cotidiano da cultura popular, da cultura, lazer e do esporte como direitos indispensáveis a uma cidadania plena das mulheres na cidade.

3. Criação e aprovação de lei que considere o tempo de trabalho de cuidado como tempo de trabalho para a aposentadoria de mulheres.

4. Criação de um programa nacional de atenção às famílias das mulheres chefes de famílias encarceradas, de acordo com a legislação já vigente no país.

5. Ampliar o acesso aos serviços e equipamentos públicos fundamentais para garantia dos direitos das mulheres e dos seus filhos (saúde, assistência, educação, transporte, lavanderias coletivas, restaurantes populares, etc).

6. Elaborar e fortalecer políticas, programas de enfrentamento à violência doméstica, assegurando a proteção e autonomia financeira, conforme as medidas previstas na Lei Maria da Penha, e ampliar as alternativas de moradia para mulheres em situação de violência.

7. Intensificar programas de prevenção a violência doméstica, de fortalecimento de redes de denúncia e proteção de casos de violência contra as mulheres e LGBTQIA+, investindo em capacitação dos/as operadores/as das redes de enfrentamento à violência de gênero, nos espaços público e privado, como também sobre o reconhecimento da violência patrimonial, já reconhecida na Lei Maria da Penha, e sua articulação com o direito à cidade;

8. Assegurar o direito à participação política dialogando com o direito à cidade, fortalecendo a candidatura de mulheres negras como forma de radicalizar a democracia e enfrentar a sub-representação das mulheres nos espaços de poder e nas organizações as quais encontram-se vinculadas, sobretudo em movimentos mistos quanto ao sexo.

9. Promover espaços para debater e proteger os direitos das mulheres e o direito à cidade, principalmente diante dos grandes empreendimentos, combatendo a criminalização de sua atuação nos territórios.

10. Associar as políticas de cuidado e de proteção às pessoas que cuidam com as políticas de acesso e direito à cidade, ampliando o apoio às mulheres do campo, mulheres com deficiência, cuidadoras e mães de crianças com deficiência.

11. Defender a implantação dos Centros de Referência da Diversidade Sexual como medida de enfrentamento à violência de gênero no ambiente urbano.

12. Apoiar e fomentar a criação de Núcleos Especializados de Delegacias com objetivo de combater o crime de discriminação, de racismo, de LGBTQIfobia, de Xenofobia e de intolerância religiosa.

Em 2023, mais um 8 de Março de um momento de profundas reflexões

O movimento feminista brasileiro que existe há mais de 100 anos durante o período de sua reestruturação, pós golpe militar de 1964, se fortaleceu e deu um salto de qualidade a partir de 1975 com o ano internacional da mulher e a primeira conferência Mundial da Mulher da ONU. No Brasil, as mulheres paulistas foram para o vão do MASP e lançaram um manifesto considerado uma ousadia. Deram a largada para não sair mais dos espaços públicos no intuito de construir um forte movimento pela democracia, além de se aliar a outros segmentos sociais.

No período da “Nova República” a luta das mulheres avançou em marcos regulatórios e conquistas que só foram possíveis através de muita pressão em busca da igualdade de direitos entre mulheres e homens. São algumas das marcas das políticas públicas desta época o direito a título de moradia e terra e a coibição da violência contra a mulher, a criação da Delegacia de Defesa das Mulheres, a rede de creches como direito da criança, filhas/os/es não é só da mãe, além da criação de alguns organismos não executivos no que tange a elaborar políticas públicas.

Passados 47 anos de mobilização feminista ininterruptos e o país tendo, em 2016, sofrido um pesado golpe sobre a primeira presidenta mulher, Dilma Rousseff, o Brasil passou a enfrentar um período de desmonte dessas poucas políticas públicas conquistadas. Hoje, com a volta do Ministério das Mulheres, vivenciamos um momento de mobilização para a reconquista de políticas públicas urbanas, do campo e sociais para as mulheres.  Claro que apenas isto não basta e em nossos territórios continuamos com participação nos Conselhos Municipais e fortalecendo nossos coletivos, guerreiros e autônomos e em aliança com outros movimentos sociais.

A condição objetiva da situação das mulheres na sociedade fez com que se multiplicassem os feminismos: feminismo negro, feminismo popular, feminismo acadêmico, feminismo sindical, feminismo indígena, feminismo ecossocialista, feminismo jovem e das idosas, feminismo anarquista, feminismo socialista, moradia e mulheres, etc.

As discriminações pelo fato de ser mulher continuam e os estupros no espaço público e doméstico, assim como os feminicídios, aumentaram. O mesmo vale para o assédio sexual no transporte público, nos táxis e carros de aplicativos que continuam apesar de toda a luta para combatê-los. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que 29% das entrevistadas foram vítimas de algum tipo de agressão em 2022.

As mulheres continuam a terem medo de vivenciar as cidades

O Estado no âmbito das três esferas – União, estados e municípios – precisam urgentemente enfrentar a misoginia que vitimizam as mulheres. É necessário implantar políticas públicas em todos os setores de seus organismos executivos para combater as violências vividas pelas mulheres em todos os territórios que habitam, tanto no público como no privado.

Terezinha de Oliveira Gonzaga é membro do União de Mulheres de São Paulo, Promotoras Legais Populares do Estado de São Paulo, Articulação de Mulheres Brasileiras e Rede Panapanã de Mulheres do Noroeste Paulista, e membro da Rede BrCidades.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Também cabe a nós compreender como se materializa nas cidades a desigualdades de classe, raça e gênero. Isto para sabermos ouvir as vozes dos personagens que entram em cena e protagonizam um novo ciclo de lutas

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