A saída fácil de condenar Dallagnol, por Luis Nassif

A condenação de Dallagnol é indevida. O STJ abriu as porteiras para perseguições políticas e, pior, ignorou a responsabilidade da União

Lula Marques

Admito que Deltan Dallagnol é o bode expiatório perfeito. É deslumbrado, messiânico e argentário, como um evangelizador da teoria da prosperidade. Mas a culpa maior dos seus abusos foi do conjunto de instituições que abdicou de sua responsabilidade de atuar como freios e contrapesos.

Começa-se pela Rede Globo que, com seu imenso poder de fogo, criou a onda popular que operou como fator de pressão sobre as instituições.

Depois, pelo Procurador Geral da República da época, Rodrigo Janot, que abdicou de qualquer lideranças sobre a operação, transferindo para Curitiba até as atribuições de contato com órgãos internacionais.

Depois, a corregedoria do MPF. “Corregedor” não é o que “corrige”, mas o que “co-rege”. Cada vez que identifica irregularidades, atua para trazer de volta aos trilhos os procuradores que saem da linha. Nada foi feito.

Nem se fale do papel vergonhoso da mídia, operando como repassadoras de releases da Lava Jato. Ou do TRF-3, endossando todas as sentenças abusivas.

Mas o Supremo Tribunal Federal abdicou de qualquer forma de freio, com Ministros ironizando as reclamações dos advogados – “vão ter que aprender a trabalhar”, conforme a expressão ignominiosa de Luís Roberto Barroso.

A condenação de Dallagnol é indevida por várias razões.

Ao atribuir a ele intenções políticas – ainda que óbvias – o Superior Tribunal de Justiça abre as porteiras para que o argumento seja utilizado contra qualquer procurador, especialmente os que atuam na área de direitos humanos. Denunciar fazendeiros que invadem terras indígenas denota intenção política? E exigir tratamento humano para os sem-teto? Quem vai definir o que é intenção política ou não?

Pior. Em caso de erros jurídicos, a ação tem que ser contra a União que, dependendo do caso, entra com uma ação regressiva contra o funcionário.

De agora em diante, qualquer procurador estará sujeito não apenas a questionamentos sobre suas supostas “intenções políticas”, como poderá ser condenado pecuniariamente por medidas que tome.

Levará tempo para se avaliar corretamente o mal que Dallagnol causou ao Ministério Públicos e a seus colegas, inclusive aos que se deslumbraram com o poder que ele empalmou.

Mas sua condenação apenas esconde um problema muito maior: o não funcionamento do sistema de freios e contrapesos, característica central das democracias.

Luis Nassif

21 Comentários

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  1. Muito pertinentes suas argumentações. Falta honra ao judiciário. Temos que começar a perceber estas coisas e acompanhar ao longo dos anos.

  2. Esse é apenas um dos processos: Refere-se ao uso do destaque que teve na mídia para fazer acusações sem lastro de provas em ambiente público contra a honra do acusado. Não tem nada a ver com as funções do procurador. Ainda tem os processos criminais e reativos a função do procurador. Esses processos podem e devem ser direcionados a instituição do ministério público e seu abuso de autoridade.

  3. Curioso Nassif, nessa penso exatamente o contrário (embora habitualmente alinhado com suas visões e opiniões).
    As instituições são entidades virtuais, feitas de PESSOAS, compondo sua “alma” e que tem que ter responsabilidade e seriedade para ocupá-las e nelas exercer seus papéis institucionais. Ninguém está obrigado à ocupá-las. Dependendo de sua composição, a mesma instituição pode ter caráter e personalidades totalmente diferentes e até opostas. Ex. Fundação Palmares.
    No caso de processarmos as instituições, além do longo caminho para se chegar a uma eventual condenação e ainda posteriores regressivas e típicas prescrições, o que acontece em geral é a impunidade protegida pelo manto da institucionalidade. Exemplos:
    Nos casos da tortura e assassinatos estatais por governos inconstitucionais não eleitos (ditaduras), a maioria avassaladora ficou incólume, todos processaram o “Estado”, a União. Na prática, o resultado é uma “vaquinha” onde todos nós (contribuintes) pagamos (por ex.) indenizações às vítimas enquanto os criminosos (origem do “prejuízo”) estão morrendo no gozo de suas aposentadorias.
    Nenhum general ou oficial foi incomodado, condenado ou sequer processado, como por ex. no Chile e na Argentina, sem falar dos subalternos. Isto é que dá “moral” aos Villas-Boas e Braga Netos da vida (sem falar de recrutas zero).
    Os crimes dos anti-ministros deste desgoverno precisam ser respondidos pessoalmente (Salles, Pazzuelo, Milton Ribeiro, etc.), e não NOS (a “União”) penalizar enquanto eles se escudam.
    É exatamente isso que precisa mudar para que as pessoas REAIS e não as instituições VIRTUAIS sejam responsáveis e puníveis.
    Não há NENHUMA desculpa razoável para um procurador em suas funções responsáveis fazer uma apresentação pública infame, bizarra e deturpada para processar Lula ou quem quer que fosse.
    Não tem nada a ver com a instituição para a qual trabalhava. Ninguém é obrigado a ser procurador, ministro, oficial, secretário ou qq coisa. São porque querem ou aceitam e assumem compromissos de seriedade e responsabilidade.
    Se a “União” tiver alguma ‘culpa” por seus mal feitos, eles sim que a utilizem em sua defesa. Caso contrário estaremos mantendo na administração pública um infame “excludente de ilicitude”.
    Sim ele já existe há muito neste país do pau braZil.

  4. Complementando: Concordo com sua análise das instituições envolvidas.
    Mas como processar “a imprensa”? O TRF-4? Judiciário? A PGR? O Congresso?
    Fácil é processar (sem ser a imprensa) a “União”,
    Como nós todos, lá no final somos a “União”, estaremos sempre nos autoprocessando…

  5. Houve um tempo em que o representante do ministério público era o mais bem formado operador do direito no âmbito público. Como exigência de uma formação abrangente, exames escritos em várias etapas, provas orais, psicológicas e verificação de vida pregressa do candidato, além dos antecedentes criminais, o promotor público era uma excelência. Ao advento da Lei 8625/93, que organizou o ministério público e deu-lhe autonomia, o interesse pela carreira aumentou enquanto a qualidade dos candidatos foi caindo.
    Curiosamente foi nos governos Lula e Dilma que a carreira foi mais prestigiada, conquistou planos de carreira, unificação de salários e preenchimento efetivo de vagas. Procuradores de autarquias no âmbito federal, que antes do estatuto dos servidores públicos entraram sem concurso público em princípio, e outros que puderam ascender na carreira administrativa para procurador através de concurso interno saíram-se bem. Melhor ainda foi o advento da lei orgânica, que recebeu procuradores de todas as autarquias que, vindas do governo FHC com salários equivalentes máximos a 3 salários mínimos, passaram a auferir salários de carreira dos membros do poder judiciário, que já possuíam carreira consolidada. Foi um grande momento para os integrantes dessas carreiras. Contudo, exigências internas , tais como metas determinadas ou persecuções descabidas passaram a viger no ambiente. Procuradores e promotores passaram a perder a noção de obrigação própria e do direito alheio à medida que seu poder aumentava, restando-lhes apenas a consciência como orientadora. Assim chegamos aos deltans da vida. A política mudou, as consciências, que já não eram confiáveis, se corromperam, as punições não existiam, a não ser para o perseguido, e os que ainda tinham consciência dentro do ambiente, eram mal vistos pelos colegas.Muitos jovens ambiciosos e mal formados foram aceitos no MP, com experiência de vida zero, oriundos de uma formação moral e social insensível, completamente alheios à realidade da vida do cidadão comum. Se em alguns setores o MP agiu e ainda age em estrito cumprimento de seu dever, no sentido geral a realidade não é essa .Ele passou a ser um perigoso órgão do poder político, assim como são todos os órgãos públicos, infelizmente, de maneira que quando o órgão-mor de “equilíbrio” das forças de governo, o STF, diz que os advogados “vão ter que aprender a trabalhar”, conforme a expressão ignominiosa de Luís Roberto Barroso, ele está certo. Comprova essa afirmação o choro copioso de Gilmar Mendes em seu voto quando reconheceu o esforço desesperador dos advogados de Lula em sua defesa. Argumentar que o dalanhol não deveria ser punido é admitir que o que ele fez pode e deve ser repetido impunemente, “ad nauseam”. Dalanhol é um só e fechar os olhos para o que ele fez é permitir que todos os demais membros do MP o façam ou sejam vistos como ele, e não é diferente da vontade do sérgio moro quando quis impor a sua lei da não punição aos agentes públicos pelos excessos de seus atos.
    Do funcionário de balcão de uma repartição que dispensa um necessitado sem atende-lo ao mais alto servidor público, todos têm o dever de responder pelos seus atos na medida de suas consequências, não obstante o dever de responsabilidade objetiva do estado quanto aos danos ao cidadão, porque sabemos que não há devedor mais renitente e contumaz que o estado.

  6. Discordo, Nassif. Sou assistente social e servidora pública federal. Se eu cometer um ato que fura o código de ética profissional, o cidadão pode me processar tanto no Conselho da categoria quanto judicialmente. O órgão no qual estou lotada não responde por meus atos profissionais. DD decidiu tirar vantagem pessoal na apresentação do pwp; ele deve responder pela decisão que tomou, inclusive porque era o chefe da operação.

  7. Se o mauricinho faz parte desse tal sistema jurídico falido, que pague. E pelas contas, saiu de graça porque nem arrependido está. Sou obrigado a concordar com vc, Nassif.

  8. Incorreta avaliação. Sim, poderia se chamar a União para o polo passivo da ação, mas Deltan também é parte legitima, tanto que foi condenado. A decisão de quem chamar ao processo é do Autor. Poderia ser os dois, ou um só. o que foi o caso..

  9. O artigo erra. O ex-procurador não foi condenado por [supostas] “intenções políticas”, foi condenado pela espetacularização descabida e por ter alardeado para a mídia fatos e acusações que não constavam da denúncia. O resto é achismo e inferências meio conspiratórias.

  10. Pois bem, posso até compreender os argumentos de um dos melhores jornalistas, analistas político e cidadãos de nosso País; contudo, discordo de suas conclusões, não pela indejada/indevida condenação do Prcurador, pois, o que me parece que não está adequado são os fundamentos da sentença. A condenação, ou seja, a parte dispositiva da Sentença deveria sim constar a condenação, mas,.como dito, por outros fundamentos e isso poderá ser revisto pelo STF. Com todo respeito, não é possível deixar de condenar o Sr. Delta Dallagnol pelo fato de nosso País, cujos sistemas de freios e contrapesos estão capengas e, em.muitas das vezes, inoperantes ou deturpados. Talvez a condenação, embora.calcada em.argumentos equivocados, seja o início de maior reflexão por parte do Poder Judiciário, dos Órgãos de controle, administração e co-regência dos Ministérios Públicos (estaduais, federal, contas e trabalho).

  11. A instituição jurídica ficou manchada. Quando quer passar um ar de legalidade deante de um erro cometido por uma de suas engrenagens. Esse erro se somados com outros. Jogou a nação num retrocesso de 50 anos e pior poderia ser evitados. Bastava entender o óbvio e corrigir o erro e não se escondrem atrás de fleches da principal mídia. Mas um belo pedido de desculpas pode trazer um certeza que voltamos aos trilhos novamente.

  12. Nassif, seu argumento é apenas parcialmente certo. Deltan Dallangnol não foi condenado por “erro hermêutico” na proposição da denúncia, mas sim pelo dano causado à imagem do ex-presidente na infausta coletiva de imprensa em que exibiu pessoalmente acusações num tosco power-pointe que, afinal, sequer constaram da denúncia, ou seja, não passaram de infâmias contra Lula. Trata-se aqui de responsabilidade personalíssima por ato doloso que exorbitou das funções do ex-servidor.
    Sim, a União deve indenização à Lula pela prisão ilegal e ilegítima que sofreu. Trata-se aqui de ação com outro objeto para ressarcimento de danos material e moral diversos. Neste caso, eventual condenação da União dá direito de regresso contra os servidores que causaram o prejuízo suportado pelo erário.

  13. Não li a sentença, mas creio que Dallagnol, ao produzir e apresentar o famigerado PowerPoint, induziu o público a acreditar que Lula comandava uma orcrim e corrompia a política. Ao acusá-lo formalmente no entanto, não fez menção a tais crimes. Lula foi acusado de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. É obvio que Deltan foi no mínimo leviano.

  14. A argumentação em defesa do ministério público é precisa,assim como as críticas a quem deveria ter evitado este mal.
    Contudo,o caso desse sujeito tem uma peculiaridade que o distingue da argumentação central em defesa do ministério público e,mesmo,das críticas a alguns orgãos que deveriam controlar as ações desse pulha.
    Ao assumir para si todas as ações e macomunar com a mídia, ele criou um ministério público parelo e imune que,naquele momento,e o próprio julgamento da ação somente 6 anos após seu ingresso é prova disso,impedia qualquer controle ou punição.
    Assim,assumiu a bandidagem para si.Não tem,ou pelo menos não deveria ter,nada com o ministério público.
    Sua condenação é justa.Injusto foi o que fizeram com o presidente Lula e com o Brasil. Injusto foi o valor irrisório que esse pulha foi condenado a pagar.
    A defesa de um ministério público imparcial e justo deve ser o anseio de todos os democratas e foi isso que a constituição de 1988 tentou realizar.
    O Miistério público,no entanto,tem,3em muitos momentos,exacerbado seu poder e,sem nenhum voto,tem tentado, ainda que disfarçadamente como defensor dos interesses públicos, agir como poder executivo.
    É preciso fortalecer o controle social sobre o ministério público para que este não assuma papéis para os quais não foi designado.

  15. O único senão disso tudo, é que muitos sabem que o PT teve inúmeros defeitos, mas sempre acreditou, estimulou e investiu com inúmeros concursos e infra instrutora o ministério público, principalmente o federal. Mas observando hoje, surtiu algum efeito sobre a injustiça, a ausência completa de defesa dos indefesos, a melhora da morosidade e da quase nula eficiência da justiça?? Nada disso ocorreu, acabou-se criando algo como o Frankstein de Marra Shelley, sem identidade com o povo não existe justiça. Ou como Paulo Freire bem conceituou, sem educação, o sonho do oprimido , é ser o opressor e só…

  16. Compreendo, Nassif, e respeito plenamente sua análise sobre o cara em questão.
    Eu sei o nome desse cara, mas se ele gosta de tratar pessoas pela insignificância de “cara”, por ela também irei tratá-lo. Penso que quando justiça brasileira acovardou-se com o maciço apoio que a grande mídia dedicou a toda equipe de deslumbrados procuradores e deslumbradas procuradoras, que integravam a operação Lava Jato, eu imagino que criaram em suas cabeças uma inexistente e imaginária sinuca de poder e prestígio.
    Também acho que exatamente por conta da Lava Jato ter começado no vácuo da AP 470, onde grande parte do poder judiciário + a PF + os políticos e + os empresários golpistas não queriam ter um embate com a grande mídia, que por sua vez já exaltava as espetaculosas e condenáveis operações da Lava Jato.
    Na verdade, poucos se atreveram a discordar e desafiar os abusos generalizados da denominada república de Curitiba, com a honrosa exceção da mídia alternativa + alguns raros políticos + algumas exceções do judiciário e do empresariado.
    Então, eu vejo que muitas autoridades e celebridades se deixaram levar por conta da omissão, sem se importarem com a provisória descida na escala da hierarquia, do poder do cargo e das decisões.
    Daí, eu suponho que a partir desse momento, a carga maior da culpa por todos os imensos prejuízos causados ao Brasil e a população brasileira tem muito mais rastro das digitais da operação Lava Jato e do juiz suspeito, que interagiu ilegalmente com eles e elas. Posso entender que desse ponto em diante, as maiores cargas de infrações ficaram na conta do cara principal da Lava Jato e do tal juiz suspeito.
    %Penso que se houvesse uma resposta firme, corajosa, transparente e adequada aos fatos, por parte das autoridades envolvidas na investigação, nada disso teria acontecido e a justiça + a PF, até então acusadas de submissas, teriam feito o trabalho que lhe confiaram e que são consagrados por juramentos.
    O que teriam a fazer era simplesmente interferir nos desmandos da operação diante das denúncias feita pelos verdadeiros e sérios profissionais do jornalismo, da política, da polícia e da própria justiça.
    Então, Nassif, em meu limitado entendimento eu imagino que as altas cortes já estando decididas pela não interferência, o grau maior das responsabilidades passou a ser da equipe Lava Jato e comandada pelo juiz suspeito que se assemelhou a um seletivo madeireiro, que adentrava na riqueza farta da floresta nacional para escolher as melhores árvores para o sacrifício, depois incentivava o seu corte junto à lenhadores e lenhadoras da república.
    Não custa lembrar que por muito e muito menos que toda essa volumosa e bilionária operação, o procurador Diogo Castor perdeu o cargo, por conta da criação de outdoor.

  17. Luis Nassif,
    A acusação de Dellagnol e pela qual ele terá que indenizar Lula não foi no processo. Foi fora do processo. Então a sua análise de dizer que a condenação de Dellagnol foi indevida está equivocada.
    Dentro do processo Dellagnol não pode ser responsabilizado, mas fora do processo, ele não tem essa pretensa imunidade.
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 29/03/2022

  18. Nassif muitas consequências lógicas, mesmo para o indivíduos com maior conhecimento, só são percebidas com a leitura de textos como esse. Excelente. Comprometido com um Brasil melhor e bom para todos.

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