
Um governo sem rumo, um congresso sem pudor, por Aldo Fornazieri
O ano de 2024 termina com um ambiente político e econômico bastante deteriorado. No plano político, após a vitória da centro-direita nas eleições municipais, o governo parece ter perdido a capacidade de condução política do país e de coordenação das expectativas dos agentes econômicos. Em 2023, embora o governo já apresentasse problemas de direção política e de comunicação, conseguia coordenar as expectativas na economia com a proposta do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Pouco prestava atenção, contudo, para o problema do risco fiscal crescente. Este foi um erro fatal.
Com uma dívida pública mais elevada do que a maioria das economias emergentes, com um cenário externo desfavorável por conta da valorização do dólar, o governo deixou que a corda do risco fiscal se esticasse até o final do ano. O momento adequado para fazer um ajuste forte era o início. O ambiente político era mais favorável e haveria ganho de tempo para colher benefícios do ajuste ainda sob o atual mandado.
Ao propor um ajuste no apagar das luzes de 2024, além da tardança, o governo procedeu de forma equivocada, violando regras elementares da boa política. Todos sabem, desde há muito tempo, mas de forma mais clara desde Maquiavel, que quando se deve adotar medidas duras, que impõem sacrifícios aos governados, elas devem ser adotadas de uma só vez e de forma mais contundente possível para que não se necessite repeti-las.
Desde sempre são feitas analogias entre a medicina e a política. Quando um médico ministra um remédio amargo para um paciente, ele precisa explicar de forma clara a importância do remédio para impedir a deterioração da doença e os possíveis benefícios que ele pode proporcionar no futuro. Não foi isso que governo fez com o pacote fiscal. Não foi claro em explicar a necessidade do ajuste, quais sacrifícios que ele exigia, quais os males que ele combate e quais os benefícios futuros que ele poderia proporcionar. Quer dizer: uma comunicação desastrosa.
Além de ministrar o remédio fiscal tardiamente, ministrou um remédio fraco, insuficiente, incapaz de conter a crise do risco fiscal. Não coordenou as expectativas dos agentes econômicos, deixou que estas se deteriorassem e que fosse percebida a persistência do risco fiscal. O resultado disso foi a disparada do dólar, à qual se somou um batalhão de especuladores.
A disparada do dólar alimenta a inflação, esta alimenta a taxa de juros e os juros elevam o custo dos serviços da dívida pública. No final das contas, os poucos ganhos fiscais que o pacote pode proporcionar, são praticamente anulados pelos efeitos danosos de um ajuste fraco e mal anunciado.
A comunicação desastrosa não parou por aí. Da mesma forma que se sabe que as medidas impopulares devem ser adotadas de uma só vez e de forma cabal, se sabe também que as medidas que beneficiam o povo (o bem) devem ser adotadas pouco a pouco e de forma contínua para que possam ser sempre degustadas. Elas não podem ser adotadas junto com as medidas impopulares, pois seriam anuladas. Ao anunciar o aumento da isenção para o imposto de renda, o governo anulou os possíveis efeitos positivos (a compreensão) que o anúncio do pacote poderia suscitar e nulificou os benefícios que poderia obter com o anúncio do aumento da isenção do imposto de renda que, aliás, só será implantado em 2026, quando o anúncio poderia provocar melhor impacto. Em suma: tudo errado.
No processo de definição do pacote e do seu anúncio, o presidente Lula, junto com alguns ministros e com alguns líderes petistas se encarregaram de minar a confiança e a credibilidade do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns ministros ameaçaram renunciar se os seus ministérios fossem atingidos por cortes. Teriam feito um bem para o Brasil.
Lula e esses representantes emitiram uma série de declarações que torpedearam a equipe econômica e o próprio compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. Mais uma vez alimentaram o paradoxo da piedade e da crueldade: se apresentaram como defensores do bem, mas as suas declarações prejudicaram o país e, principalmente, aqueles que mais precisam de estabilidade econômica e da inflação baixa: as camadas mais pobres da sociedade.
O mesmo paradoxo se observa na questão central do gasto público. Todos sabem que o Brasil precisa de um ajuste fiscal forte que desvincule os benefícios sociais do salário mínimo, que melhore a eficiência no gasto em saúde e educação, criando novos mecanismos de seu financiamento, e que seja capaz de equacionar o problema do juros reduzindo os gastos com o custo da dívida pública.
Setores do governo ficaram atirando para alvos errados. Transformaram o Banco Central e o mercado como inimigos centrais. A cada ataque, o dólar subiu e as variáveis econômicas se deterioravam. A retórica estimulava ataques especulativos. Qual é o sentido de escolher retóricas políticas que prejudicam o próprio governo? É irracional, é a exasperação de convicções equivocadas e detrimento da ética da responsabilidade. O governo caiu no vácuo quando ficou claro que Galípolo e outros diretores indicados por Lula defenderam posições iguais às de Campos Neto.
O governo se ressente de um comando político com capacidade de dar rumo e sentido às suas ações dirigentes do país e de coordenar as expectativas dos agentes econômicos. Os erros de comunicação, em parte, decorrem dessa ausência de direção política. Tudo isso vem evidenciando um governo sem face, sem marca, sem uma identidade.
Por outro lado, o governo é vítima e, ao mesmo tempo, sócio de um Congresso que se dedica à agiotagem política e orçamentária em larga escala. Trata-se de um Congresso sem pudor, que se nega a cortar benefícios próprios dos parlamentares, que mantém brechas para os indecorosos altos salários de setores do funcionalismo e que mantém os privilégios da aristocracia político-burocrático-militar que se alimenta da sanha patrimonialista de assalto ao dinheiro público. O mesmo Congresso que não tem compromisso com o controle de gastos, que pratica a corrupção via emendas secretas que mantém os privilégios dos subsídios, degradando a eficiência e as condições de igualdade de disputa de mercados.
O episódio das emendas camufladas é um exemplo chocante de como o Congresso se dispõe em agir contra a Constituição e contra os princípios constitucionais da administração pública. É desalentador que parlamentares de esquerda tenham, não só se omitido, mas contribuído para patrocinar esse escândalo que, além de violar a Constituição, viola a democracia e a república.
A economia brasileira é prisioneira de uma aristocracia política, burocrática, militar e empresarial que se apossa de parte expressiva do orçamento público através de controle de esquemas institucionais e legais com o objetivo de impedir a regulação transparente e a adoção de mecanismos de eficiência. Aristocracia que bloqueia a modernização e a inovação econômica.
Este conluio do atraso, do qual fazem parte os principais partidos, ergueu um monumento ao desleixo, ao faz de conta, à ineficiência do gasto público, que vem semeando um vasto campo de desperdício, de degradação moral do país, de descrença na política e de erosão das instituições. Esse ambiente degradado estimula a antipolítica e esta é a erva que alimenta o autoritarismo, o fascismo e a política do ódio.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política a autor de Liderança e Poder.
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Pensei que ia morrer e não ia ler isso.
Um alegado socialista escrevendo sobre risco fiscal e da necessidade de medidas de contenção.
Meu Zeus, se não bastasse a mídia, o “mercado”, e os motoristas de Uber, agora tem o intelectual de esquerda como fiscalista…
Qualquer pessoa de bom senso sabe dizer que o único risco fiscal que esse governo enfrenta é produzido por uma taxa de juros extorsiva, que deriva da incapacidade desse mesmo governo em dizer, politicamente, que não aceitará ser refém.
Os números indicam que a “crise fiscal” é uma mentira cabeluda, ainda que os dados sejam comparados com “economias emergente”, por um simples motivo:
No G20 nenhuma economia cresceu tanto, com inflação nesse nível (5%) e com desemprego a 6%.
Ou seja, era hora de acelerar e não retrair, promovendo, ao mesmo tempo, as alterações tributárias possíveis (aquelas que independem de leis) para ajuste rumo a uma estrutura mais progressiva.
Essa medida daria a folga para evitar esse “risco fiscal”.
Enfim, é o fim ….
É essa esquerda “ilustrada” que temos, que imagina que pode gerenciar o capitalismo dentro das regras estabelecidas pelas elites…
De onde vem essa gente?
Prezado Douglas da Mata, essa gente vem da pequena burguesia acadêmica.
Acompanho relator.
Pensei exatamente o mesmo. Gosto do Aldo mas dessa vez ele surpreendeu negativamente pela superficialidade e argumentação avessa à própria trajetória. Não vou desanca-lo mas não posso deixar de lamentar quando um intelectual de referência no campo progressista descura de algo tão sagrado quanto sua própria credibilidade.
Arthur,
Com todo cuidado.
É Aldo sendo Aldo.
Me lembro que no meio da crise de 2016, Aldo propôs como saída entregar a presidência a Ayres Brito, então presidente do STF, como um “moderador”.
Houve outros textos bem piores.
Respeito sua posição de preservar uma memória afetiva em relação a ele, mas, me permita, para mim ele merece até mais rigor e desrespeito.
“(…)O mesmo paradoxo se observa na questão central do gasto público. Todos sabem que o Brasil precisa de um ajuste fiscal forte que desvincule os benefícios sociais do salário mínimo, que melhore a eficiência no gasto em saúde e educação, criando novos mecanismos de seu financiamento, e que seja capaz de equacionar o problema do juros reduzindo os gastos com o custo da dívida pública.(…)”
Esse trecho aqui dá vontade de vomitar…
O problema dos juros é o mau comportamento do governo, e não uma excrescência capitalista sugando renda no que resta das periferias…
Valha-me São Carlos Marcos…
É uma questão “moral”.
Devemos economizar com os pobres para gerar caixa para pagar juros, na esperança de que o mercado justo e equilibrado aceite impor taxas menores…
Me desculpe Nassif, pqp…
Uai! Não vai citar os subsídios absurdos dado para setores que não precisam deles para competir? Estranha análise. Parecendo com o editorial da FSP
A DOENÇA FOI MAIOR Q O MÉDICO,SE O MÉDICO NO INICIO ES TAVA CONTROLANDO A DOENÇA (INFLAÇÃO)ENTÃO A DOENÇA (MERCADO) AUMENTA O JUROS,SE MULTIPLICA E MATA O MÉDICO!!!OBS.:ALDO JÁ PENSOU EM SE APOSENTAR DE VEZ ???
E um judiciário sem vergonha (ou sem vergonha, como queiram).
Uma pena a genteser leigo e depender de notícias vinculadas e não de análises consistentes (mídia). Mas aí a gente lê sobre o montante de renúncias fiscais que ficaram para 2025, o quanto um ponto percentual nos juros aumenta nossa dívida, o PROPAG que vai fazer o governo deixar de receber dos estados (torcendo par não ter de pagar dívidas desses com bancos), e a gente fica lando sobre o problema fiscal. Caracas, não há como não ter “problemas fiscais”.
Os governos de Lula sempre foram bons, mas nunca tiveram grandes ousadias, salvo em 2008 quando atuou de forma anticíclica ao tsunami no exterior. Getúlio foi mais corajoso ao criar a Siderúrgica nacional e a Petrobras contra a gritaria dos globais de então. No mais cozinha um feijão com arroz muito bem e, para o quintal colonizado por uma minoria, já é muito. Ademais o próprio PT perdeu o bonde via comunicação social da pior qualidade ou inexistente. O discurso catastrofista e diário da Rede Globo não é contestado, por lá até o que tem de bom é tingido por uma adversativa, mas, porem, contudo . . .O governo perdeu a batalha da comunicação até para um bando de loucos apoiadores do genocida e ladrão de joias. A bandidagem política e financeira tem o apoio global e folhoso. Política pública é comunicação social ou conchavo. Ou o governo federal enfrenta a Hidra de Lerna ou é engolido por ela.
Milton, a “medida antíciclica” entrei em 2008 mais de 6 bilhões de dólares para GM e Ford.
Resultado?
Um ou dois anos depois, fecharem várias plantas e demissões em massa.
O governo Lula sempre foi de regular a ruim…
Nossa vontade e carência que fazia parecer bom…
“(…)entregou mais de 6(…)”