
Até quando vamos tolerar?, por Luis Felipe Miguel
Cada vez que uma armação golpista é descoberta ou um plano terrorista dá errado, Jair vem a público dizer que não se responsabiliza pelos “malucos” que o idolatram.
Em muitos casos são mesmo, o que não retira a culpa daqueles que criam o caldo de cultura para que a maluquice se manifeste na forma do ódio contra determinados grupos de pessoas, do desprezo à democracia e da busca por meios violentos de destruir aquilo que recusam.
Mas é difícil para Jair dizer que o general Braga Netto é um “bestão”. Afinal, ele foi seu homem de confiança ao longo de todo governo, ministro da Casa Civil e da Defesa, o grande formulador de suas estratégias, escolhido pessoalmente para ser o vice na chapa para a reeleição.
O envolvimento direto de Braga Netto no plano assassino agora revelado é mais uma evidência de que o projeto de dar um golpe e implantar um regime ditatorial vinha do coração do bolsonarismo.
Não custa lembrar também que o general que comandava a operação dos assassinatos previstos esteve lotado no gabinete do deputado Pazuello, também general, também ex-ministro, também do círculo íntimo de Jair.
Só restou para Flávio e Eduardo o discurso de que “planejar um homicídio não é crime”, linha de defesa que se apoia em filigrana jurídica e, politicamente, uma confissão de culpa.
Além disso, os fatos agora revelados os desmentem. Não foi apenas o planejamento dos crimes; foram dados passos concretos para sua execução. Não foi uma fantasia, foi um complô que só não se efetivou por motivos alheios à vontade de seus autores.
Os filhos e Jair escoram-se no fato de que uma parte significativa da base radicalizada do bolsonarismo abandonou qualquer pretensão de civilidade e aplaude o vale tudo como demonstração de fidelidade à causa.
É um contingente suficiente para incomodar, mas não para construir uma maioria eleitoral. Muitos, na direita mais oportunista e, portanto, mais racional, preferem se distanciar desse tipo de atrocidade.
E tendo a crer que existe uma massa de pessoas que se ilude a ponto de votar em Bolsonaro, mas que não está pronta a bancar o assassinato de autoridades e adversários políticos.
As evidências de uma trama para destruir as instituições democráticas no Brasil, antes, durante e depois das eleições de 2022, partindo de Bolsonaro e de seu círculo mais próximo, já eram muito fortes.
O uso da Polícia Rodoviária Federal para impedir que eleitores chegassem aos locais de votação, a campanha contra as urnas eletrônicas, as minutas do estado de sítio, o estímulo e o financiamento aos acampamentos em frente aos quartéis do Exército, tudo apontava na mesma direção: Jair queria encontrar um jeito de permanecer na presidência mesmo perdendo as eleições e estava disposto a qualquer coisa para isso.
Diante de tantas evidências, faz-se urgente uma resposta muito firme. Temos um general de pijama, três tenentes coronéis e um agente da PF presos. E Braga Neto? E Jair Bolsonaro? E Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Villas-Boas, Pazuello?
Seria necessário aproveitar a oportunidade para fazer uma limpa no oficialato e nas forças de segurança, tanto eliminando os bolsões golpistas quanto atualizando regulamentos – a começar pelo artigo 142 da Constituição.
Um motivo é garantir a integridade do governo legítimo – basta lembrar que o policial preso por envolvimento na trama homicida participou da segurança do presidente Lula. Outro é passar um recado claro de que a obediência ao poder civil é inegociável.
Se é para fazer isso, o primeiro passo é trocar o ministro da Defesa. Lula pode ter a dívida de gratidão que for com Múcio, mas um governo comprometido com a proteção da democracia não pode incluir, no seu primeiro escalão, um lobista da impunidade do golpismo.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
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