Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Datafolha, Lula, Bolsonaro e Tebet, por Aldo Fornazieri

Aparentemente, as desistências de Sérgio Moro e de Dória influíram pouco nos dados da pesquisa.

TRE-MG

Datafolha, Lula, Bolsonaro e Tebet

por Aldo Fornazieri

A pesquisa Datafolha causou grande impacto no meio político e jornalístico. Com uma diferença de 21 pontos de Lula sobre Bolsonaro (48 X 27), praticamente todos os indicadores do ex-presidente melhoraram e todos os do presidente pioraram. Ciro pontuou 7% e Simone Tebet 2%. Com os dados da pesquisa, Lula venceria no primeiro turno.

Como não é possível comparar, em termos absolutos, esta pesquisa com a pesquisa anterior do Datafolha, que trazia outros candidatos, e nem mesmo com pesquisas de outros institutos por conta das diferenças de metodologia e outros fatores, esta pesquisa precisa ser analisada pelos seus resultados em si. Mas em termos relativos, contudo, é verdadeira a afirmação de que os resultados obtidos por Lula melhoraram significativamente e os de Bolsonaro pioraram na mesma medida.

Já que não houve nenhum acontecimento de impacto que forneça uma explicação evidente para estes resultados, parece que eles se constituíram a partir de uma soma de alguns fatores. Aparentemente, as desistências de Sérgio Moro e de Dória influíram pouco nos dados da pesquisa.

Quais os fatores que contribuíram para a melhora dos indicadores de Lula? Em primeiro lugar, Lula conseguiu superar aquele momento de titubeante de abordagem de pontos que constituíam uma agenda negativa. O lançamento da pré-campanha Lula-Alckmin foi o momento da virada. O evento criou um clima positivo, tanto entre ativistas e militantes, quanto nos eleitores. As resistências a Alckmin se reduziram na esquerda e os eleitores de centro se sentiram mais confiantes em apostar em Lula.

Se o discurso de Lula mais centrado redimiu desconfianças, o seu casamento com Janja gerou empatia. As lembranças do eleitorado dos bons momentos do governo Lula, em termos econômicos e sociais, comparando com as aflições, sofrimentos, vicissitudes e desesperança sob o governo Bolsonaro, conferem inquestionável vantagem a Lula.

E aqui entram os fatores que provocam a deterioração dos indicadores de Bolsonaro. O mais importante é a crise econômica, a erosão do poder aquisitivo, o desemprego, a ausência de perspectiva de futuro. A miséria social e a fome se agravam. Andar pelo centro de São Paulo é um espetáculo deprimente: o número de moradores de rua é espantoso. As redes de solidariedade são unânimes em dizer que as estatísticas  da Prefeitura de São Paulo sobre o número de moradores de rua estão subestimadas. São homens, mulheres, crianças e famílias inteiras errantes nas ruas, trilhando as sendas do desespero do presente e da morte do futuro.

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Mas não é só isso. Setores sociais crescentes, inclusive áreas de influência da direita, mostram-se cansados e exauridos pelas intermináveis arruaças que Bolsonaro promove diariamente. Ele não deu sossego em nenhum dia à sociedade: são brigas, intrigas e mentiras diárias. Esses setores percebem cada vez mais que Bolsonaro não governa, não trabalha. O governo age contra o povo. Não há plano para a economia. Paulo Guedes virou piada na opinião pública mais informada. A troca constante na presidência da Petrobras, sem que haja solução nenhuma para o preço dos combustíveis, contribuiu para mostrar que Bolsonaro e sua equipe econômica são incompetentes.

Parcela importante da sociedade cansou também da interminável e até assustadora defesa da liberação das armas. Essa situação se torna ainda mais preocupante com o crescimento de assaltos e da prática de crimes violentos de grande repercussão. A carnificina promovida pelas polícias do Rio de Janeiro e PRF vem causando repulsa em muita gente. A morte de Genivaldo de Jesus Santos na câmara de gás da Polícia Rodoviária Federal vem sendo vista como um crime bárbaro e como um cruel ato de desumanidade. É socialmente perceptível e inegável a associação dessa violência desmedida, covarde e inaceitável com a figura de Bolsonaro, até porque ele a defende publicamente.

Setores sociais significativos esgotaram sua paciência com os injustificáveis ataques às urnas eletrônicas, ao TSE e ao STF. Já se percebeu que eles são desprovidos de razão, de lógica e de justificativa. Eles também passaram para o campo da arruaça, por coisa de um encrenqueiro contumaz. A lista de passivos, de desatinos e de negatividades de Bolsonaro é longa. Vem sendo construída desde os primeiros dias de governo. Se é verdade que Bolsonaro é golpista e que deseja o golpe, muitos passaram a ver essa ameaça como uma fanfarronice.

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Num primeiro olhar, a pesquisa Datafolha indica também a inviabilidade da terceira via. O espaço para uma candidatura de centro, contudo, continua existindo. Neste ponto é preciso prestar atenção para os dados da pesquisa espontânea: Lula aparece com 38% dos votos; não sabem, com 29%; e Bolsonaro com 22%. Esses 29% indicam a existência do espaço político e eleitoral para uma candidatura de centro Mas existem dois problemas: esse candidato não existe e o centro está desprovido de capacidade e de inteligência política para ocupar esse espaço. O PSDB escreveu o manual e a história de sua autodestruição e o MDB, com suas eternas divisões, não consegue engrenar de forma eficaz a candidatura de  Simone Tebet.

Se a candidatura de Tebet for capaz de reunir mais competência e inteligência em torno de si, ela poderá agregar votos de indecisos e de um possível derretimento maior de Bolsonaro. Mas para isto terá que escolher Bolsonaro como alvo a ser derrubado, o que parece difícil por conta da desinteligência que a cerca. Essa candidatura teria que dimensionar também claramente seus objetivos. Deveria considerar como objetivo e como êxito alcançar uma votação de dois dígitos. O que viesse acima disso seria lucro.

Mesmo considerando a posição privilegiada e confortável que a pesquisa Datafolha confere a Lula, é preciso levar em conta o fato de que o bolsonarismo agora volta suas baterias contra a campanha lulista. Isto porque a ameaça imediata a Bolsonaro, ao menos num primeiro momento, não é mais o possível crescimento de uma candidatura de centro, mas a vitória de Lula no primeiro turno. A artilharia robótica bolsonarista já direcionou seus ataques para frear esta possibilidade. O jogo será pesado e cruento. A campanha lulista deveria aprimorar sua estratégia digital para enfrentar a fábrica de mentiras e para assentar contra-ataques certeiros nas muralhas fendidas de Bolsonaro.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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