Em dia histórico, CPI arrasta líder do governo Bolsonaro para o olho do furacão

Demorou quase sete horas para acontecer, mas o deputado federal Luís Miranda enfim admitiu que Ricardo Barros está envolvido no Covaxingate, com anuência de Jair Bolsonaro

O servidor Luís Ricardo Miranda e o deputado Luís Miranda (DEM-DF) em depoimento na CPI da Pandemia sobre o escândalo da Covaxin.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

 Por Tatiane Correia e Cintia Alves

Jornal GGN – O relógio marcava quase sete horas de depoimento ininterrupto quando o deputado federal Luis Miranda (DEM) sucumbiu à pressão e, enfim, citou o nome do colega Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara, como parte central do escândalo de corrupção que envolve a compra da vacina Covaxin, ao custo de 1,6 bilhão de reais para os cofres públicos.

Ex-ministro da Saúde do governo Temer, Barros assinou a nomeação de Regina Célia Silva de Oliveira, a fiscal de contratos do Ministério que teria “passado por cima” do servidor de carreira Luis Ricardo Miranda e autorizado o pagamento antecipado da Covaxin, no valor de 45 milhões de dólares, em nome de uma offshore que está sob suspeita.

O imunizante ainda não tem autorização de uso pela Anvisa, mas já desponta como o mais caro já comprado pelo governo Bolsonaro e o único, até agora, a necessitar de uma “empresa atravessadora”, a Precisa Medicamentos, cujo sócio, o empresário Francisco Maximiano, é dono de outra empresa que já deu um “golpe” no Ministério da Saúde, justamente na gestão de Barros. Para o senador Humberto Costa, a Precisa demonstrou ser “VIP, a empresa queridinha” de Ricardo Barros.

O nome de Barros só veio à tona na CPI após as pressões dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania) e da líder da bancada feminina, senadora Simone Tebet (MDB).  Vieira criticou a “falta de coragem” do deputado Miranda que, por medo de sofrer retaliações – “eu sei com quem estou mexendo” – decidiu passar a tarde inteira alegando aos senadores que “não lembrava” o nome do deputado citado pelo próprio Bolsonaro como dono dos esquemas na Saúde.

Vieira registrou um pedido de convocação de Barros para ser ouvido pela CPI. “Registro também, para a minha tristeza, que o deputado Luiz Miranda não se coloca à altura da imagem que tenta vender. Coragem, deputado, não é só para brincar na Internet. Aqui é uma coisa muito séria. O senhor voluntariamente compareceu nessa CPI, assumiu o compromisso de dizer a verdade, mas lhe falta coragem para dizer. (…) Eu falo: o deputado federal Ricardo Barros será ouvido nesta CPI.”

A princípio, Miranda ergueu um muro contra a acusação de covardia, mas logo ele foi caindo pela insistência da senadora Tebet, que disse que a opinião pública estaria ao lado do deputado, e que ele não precisaria temer retaliações na Câmara.

Após listar as perdas que já obteve por envolver o Palácio do Planalto no Covaxingate, Miranda finalmente deu à CPI seu maior trunfo até agora. “A senhora sabe que é o Ricardo Barros, que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros que o presidente falou, foi o Ricardo Barros.”

Em 20 de março de 2021, o deputado Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira no Ministério da Saúde, foram recebidos no Alvorada por Bolsonaro. Era uma tarde de sábado e, nas 24 horas que precederam o encontro, os irmãos Miranda lideram com pressões incomuns para que a importação da Covaxin fosse autorizada o quanto antes. O servidor, desconfiando de discrepâncias entre o contrato e a nota fiscal internacional (invoice), decidiu levar os indícios de corrupção ao presidente da República, com ajuda do irmão parlamentar.

Segundo o deputado Miranda, ali naquele instante Bolsonaro demonstrou que sabia que o esquema era “coisa do Ricardo Barros”. Disse que se mexesse com o grupo do deputado, iria dar “merda” e prometeu que colocaria a Polícia Federal para investigar. Nenhum inquérito foi aberto pela PF e Barros permanece até hoje na liderança do governo na Câmara.

“Eu não me sinto pressionado para falar, eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é que vocês não sabem o que eu vou passar por apontar um presidente da República, que todo mundo entende que é uma pessoa correta e honesta, que sabe o nome, sabe quem é [Ricardo Barros] e não faz nada por medo da pressão que pode levar do outro lado. Pô, que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo algo errado, de quem desvia dinheiro público das pessoas morrendo na por**a desse Covid?”, desabafou o deputado Miranda.

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E PREVARICAÇÃO

A participação dos irmãos Miranda é um momento histórico, um ponto de virada na CPI da Covid. Homens de confiança de Bolsonaro entram na mira da investigação que por muito tempo focou nos erros do presidente da República na gestão desastrosa da pandemia. A partir de agora, a omissão e inação dão lugar às suspeitas de corrupção ativa e passiva.

“O presidente Bolsonaro ganhou quase que no primeiro turno e qual foi a bandeira de campanha? A bandeira da ética. O presidente da República ganhou com apoio maciço da população brasileira, dizendo que seu governo seria diferente. O que estamos vendo de lá para cá? Por questões puramente ideológicas ou por compromissos outros assumidos naquela velha barganha do presidencialismo de coalizão, do ‘toma lá, dá cá’, [estão] colocando pessoas inexperientes em postos-chave dos ministérios, e chegamos onde chegamos”, disse Tebet.

A senadora vê no governo Bolsonaro “pessoas com fortes indícios de crimes contra a administração pública – peculato, corrupção passiva, corrupção ativa, crimes relacionados à saúde pública. Chegam, ao final, no crime de organização criminosa.”

E pior: “chegaram na autoridade máxima do país, e disseram a ela que há indícios fortes de corrupção, e ao invés de investigar, decidiram colocaram tudo para debaixo do tapete. O que é isso senão crime de prevaricação?”

Para o relator Renan Calheiros (MDB), a CPI viveu um dia histórico. “Estamos diante do maior esquema de corrupção da história da República”, acrescentou o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede).

“Hoje está sacramentado que a permanência do presidente se torna insustentável. A Câmara tem que ter a hombridade e a responsabilidade de abrir um dos mais de 130 pedidos de impeachment”, emendou o senador Fabiano Contarato (Rede). Para ele, os indícios de “acordo espúrio” em torno da Covaxin preenchem os requisitos para a derrubada de Bolsonaro.

Redação

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