Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Morpheus retorna, mas sem as pílulas vermelha e azul no filme “The Signal”

Premiado nesse ano no festival Sundance de filmes independentes, “The Signal” (2014) escrito e dirigido por William Eubank faz um instigante mix entre a atual onda de insegurança com a fauna digital que habita nossos pesadelos cibernéticos (hackers, worms, bugs, vírus etc.), agência governamentais de espionagem eletrônica e a mitologia gnóstica e platônica de que toda a tecnologia computacional na verdade seria uma gigantesca caverna digital em que viveríamos ignorando a verdadeira natureza da realidade. Laurence Fishburne parece reviver o mítico personagem Morpheus da trilogia “Matrix”, porém sem as pílulas vermelha e azul com as quais oferecia uma oportunidade de escolha. Em “The Signal”, a Verdade será empurrada goela abaixo dos espectadores.Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Computadores, Internet e todo o mundo dos bytes sempre exerceu sobre seus usuários um misto de fascínio e mistério. Nós, usuários de redes sociais e aplicativos, lidamos muito mais com efeitos de conhecimento do que propriamente com o conhecimento em si: lidamos apenas com interfaces gráficas, sem compreender o intrincado mundo dos códigos fontes, algoritmos e das complexas linhas de programação que faz tudo funcionar. Então, quem os cria (uma fechada casta de nerds, geeks, hackers etc.), passam a ser cercados por uma aura de lendas e mitos. E suas empresas e start ups carregados de uma visão mágica de sucessos instantâneos supostamente iniciados por simples ideias.

 E por sermos meros usuários de um conhecimento que nos chega encapsulado, sem termos acesso à compreensão de como funcionam hardwares e softwares, somos tomados periodicamente pela paranoia: malwares, vírus, bugsphishing, cavalos de troia, worms e toda fauna digital que habita em nossos pesadelos.

Por isso, também periodicamente o cinema expressa essa sensibilidade social em relação a essas novas tecnologias. O filme independente de ficção científica The Signal (2014), premiado nesse ano no Sundance Film Festival de cinema independente nos EUA, é mais um produto fílmico que expressa essa sensibilidade ambígua em relação ao mundo digital – a história de uma sinistra realidade por trás de um misterioso hacker.

Com uma espécie de mix de um típico episódio da série cult Além da Imaginação (Twillight Zone) com a alegoria da Caverna de Platão, The Signal expressa essa nossa atual sensibilidade em relação às novas tecnologias através de uma narrativa carregada de um simbolismo AstroGnóstico – conjunto de filmes gnósticos que aproximam a jornada humana na Terra com a jornada de aliens errantes – sobre esse conceito clique aqui.

Por isso, The Signal parece confirmar as observações do pesquisador Eric G. Wilson de que a mitologia gnóstica ressurge sempre em momentos quando as distinções entre destino e liberdade, aparência e essência, realidade e ilusão começam a entrar em crise em momentos de rápida transformação ou em quebras de paradigmas tecnológicos.

O Filme

Três estudantes do MIT (Jonas, Nick e Haley) estão cruzando de carro o país para levar Haley a uma escola na Califórnia, uma decisão que envolve uma crise de relacionamento entre Nick e Haley: Nick sofre de uma distrofia muscular em suas pernas, e não quer se transformar em um estorvo na vida de Haley.

Em uma estadia num hotel, conseguem rastrear e localizar o endereço de um hacker chamado Nomad que invadiu a rede do MIT e os insulta constantemente com e-mails estranhos e ameaçadores. Os três estudantes acompanham o sinal de Nomad, que os leva a uma casa abandonada no meio de Nevada. Após entrarem na casa ouvem os gritos de Haley que é puxada para o ar por uma força invisível.

Todos acordarão em um complexo de laboratórios subterrâneos equipados com tecnologia antiquada como gravadores e cassetes, comandados pelo Dr. Damon (Laurence Fishburne). Todos os cientistas e assistentes do complexo usam trajes espaciais igualmente retros e estão ali, segundo o Dr. Damon, como “equipe de transição” para ajuda-los a lidar com alguma espécie de contaminação por terem feito contato com um “EBE” – Entidade Biológica Extraterrestre.

Dr. Damon é um novo Morpheus?

Dirigido e escrito por William Eubank, o filme cria um interessante estado geral de desorientação tanto nos personagens como no espectador. Quem será aquela gente? Uma experiência do governo na Área 51? Imaginação paranoica de geeks do MIT? Por que tudo é tão antiquado naquele complexo? Será que são cientistas isolados do mundo e que enlouqueceram? Que tipo de experiências biológicas fazem ali?

Por isso, The Signal é daqueles filmes difíceis de serem resenhados pelo risco de se cometer um gigantesco spoiler: só nos minutos finais é que o espectador terá a reposta de todas as questões acima. Mas só a presença de Laurence Fishburne (o ator que fez o emblemático Morpheus na trilogia gnóstica Matrix) como o Dr. Damon  nos desperta a suspeita de que há um sabor gnóstico na narrativa.

De fato, o Dr. Damon é uma espécie de reencarnação do personagem Morpheus, porém sem as pílulas azul e vermelha que ofereciam uma possibilidade de escolha ao herói Neo. Ao contrário, em The Signal a nova encarnação de Morpheus empurrará a Verdade goela abaixo dos protagonistas, sem oportunidade de livre-arbítrio.

Todos os elementos do filme gnóstico estão presentes em The Signal: a perda da memória (eles não sabem como pararam ali), a paranoia, um sistema opressor de origem desconhecida, a suspeita de que a realidade é uma mera aparência (delírio, sonho ou algo cenograficamente montado) e, finalmente, a gnose.

Ouvir a voz interior

       

Para o diretor Eubank o título “The Signal” (“O Sinal”) tem um duplo sentido: é tanto o sinal enviado pelo hacker Nomad para que fosse achado como também a necessidade de “o ser humano ouvir a sua voz interior” que, nos minutos finais do filme, será determinante para o desfecho.

Assim como no gnosticismo onde a gnose está relacionada com a capacidade de resgatarmos a fagulha de luz dentro de nós que nos conecta coma Plenitude, em The Signal o resgate da memória do amor de Nick por Haley fará literalmente acender o fogo interior do protagonista  que, segundo o diretor em entrevistas, “lhe permitirá sair da caverna alegórica das trevas e ir para fora, para o amplo campo da realidade” (EUBANK, William (June 13, 2014). Interview: William Eubank, Director and Cowriter of ‘The Signal’. Interview with Samantha Wilson. Screen Picks.

Como afirmamos acima, The Signal se insere nas típicas narrativas dos filmes AstroGnósticos: para representar o estranhamento humano em relação ao cosmos em que vive, é apresentada a possibilidade de o ser humano ser a resultante de alguma experiência alienígena. O homem poderia ser um ser híbrido, um mix de DNA humano e extraterrestre.

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. O dr Morpheus , agora , tem

    O dr Morpheus , agora , tem as pílulas verde e amarelo para nos empurrar goela abaixo e nos fazer ver , apenas o vermelho , o azul  e as estrelinhas brancas …

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