Corrupção e castidade, por Fabian Bosch

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Corrupção e castidade, por Fabian Bosch

Comentário ao post “Nassif: A ignorância econômica da Lava Jato

O dinheiro da corrupção volta para a economia, irriga a economia,…

Esta frase que recorto, bem simples, ilumina a distinção entre moralismo e moralidade administrativa. De fato, o que ocorre são dois tipos básicos de fluxos financeiros, de percursos do dinheiro arrecadado do público pelo Estado. Há o fluxo ‘padrão’, que corresponde ao contabilizado (ao que pode ser contabilizado), e outros que não o são ou não podem sê-lo.

O que legitima a tributação é, primariamente, a prestação de serviços públicos. A máquina custosa do Estado teria esta justificativa,  – os serviços públicos, lá dos domínios do Direito Administrativo. A Escola Francesa apóia o Estado na prestação de serviços.

Entretanto, ao lado da retórica de sustentação do Estado, os serviços públicos eram aqueles não compatíveis com o mercado, não passíveis de concorrência.

Em sua edição de 1997 (Ed. Atlas) José Paschoal Rossetti falava na “incapacidade para produzir bens públicos e semipúblicos” do mercadoOs primeros “diferem dos bens de mercado por vários atributos…se definem por sua indivisibilidade e pela dificuldade em se ressarcirem seus custos de oferta pelos mecanismos de mercado. A segurança nacional e a dos cpidadãos é o exemplo clássico. Outro é o saneamento básico. Outro, ainda, a limpeza urbana. (pg. 316, Introd. à Economia)

Alem da produção de serviços incompatíveis com o mercado, o Estado se justificava pela intervenção no próprio mercado, fomentando, alinhando, regulando. (Nos manuais de Direito, estas funções são denominadas ‘intervenção do Estado no domínio econômico)

Assim, os fluxos financeiros “lícitos” estariam no substrato das atividades referidas. As transferêncas do produto da tributação, pura, simples e linear, para o patrimônio privado seriam fluxos “ilícitos”.  A distinção entre estes dois fluxos nunca foi nítida, havendo uma zona de indefinição, um lusco-fusco, o que já adianta a relatividade do conceito de corrupção, conceito que parece claríssimo para os soi-disants juristas.

A título de exemplo, a gigantesca sonegação, perante a qual a Receita Federal é pachorrenta, ineficiente, descuidada, constitui transferência de dinheiro público ‘ilícita’, para o patrimônio privado, que, entretanto, não é vista como corrupção. Subsídios, seriam o quê? Juros subsidiados? Inúmeras modalidades de desoneração tributária. Um economista poderia desenvolver melhor que eu esta área onde o ilícito e o lícito se confundem, em materia de fluxo de capitais.

Entretanto, a visão tradicional, aqui exemplificada com Rosseti, foi superada, quando ingressaram no mercado atividades antes consideradas infensas a ele, através de artifícios, que simulariam ou emulariam o ambiente do mercado. Foi inventada uma zona de transição, entre o Estado e o mercado, a esfera das “OS”, “OSCIPs”, atribuída à sociedade civil, expressão usada com este sentido de transição.

Com essas reflexões, acredito reforçar a afirmação de que “O dinheiro da corrupção volta para a economia, irriga a economia,…“, além de realçar a falsidade da concepção moralista-religiosa ou teológica da corrupção. Corrupção se opõe a pureza, virgindade, castidade, inocência.

Mas o capitalismo não conhece nem deus nem o diabo, nem a virtude nem o vício. Apenas, somente o lucro. È um regime amoral. Não bastaria isso para desmascarar os moralistas hipócritas?

Sim, tenho um vizinho que é cabo eleitoral por profissão. Ele mete o dinheiro que lhe coube nas eleições em imóveis, em serviços (pagando a pedreiros, pintores….). Sim, ele irriga a economia. Quod erat demonstrandum.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Ainda, sobre a sonegação

    A ambiguidade da sonegação merece mais esclarecimento. A súmula Vinculante 24 do STF exige o “lançamento definitivo do tributo’. Sem esta atividade administrativa do Fisco, falta uma condição de procedibilidade penal (assim,  jargão jurídico). Quer dizer, o Fisco controla a atividade do Ministério Público, controla o ajuizamento da ação penal.

    Ora, os auditores da Receita Federal e demais agentes dos Fiscos estaduais e municipais estão sob o poder hierárquico. Devem obediência a seus superiores. Tal como os delegados de polícia. Não têm, por conseguinte, independência, entendida não no sentido comum, mas como autonomia funcional. Estão sujeitos, por exemplo, à avocação, pelos seus superiores.

    Quer dizer, o Delegado da Receita Federal, cargo comissionado (investidura política) determina ao auditor que retarde (engavete) o procedimento tributário número tal, e ninguém mais pode fazer nada. Muito menos o próprio auditor.

    Conclusão: a Administração pública LICITA, torna lícita, a sonegação, já que paraliza a reação punitiva estatal. A ausência sistemática, programática da reação punitiva do Estado confere não-efetividade à norma, uma espécie de desuetudo (costume contra a lei), que a Doutrina não considera revogação da norma, mas a prática vai no sentido contrário: a sonegação é LICITADA !!!

    Há muitos mecanismos, como este acima descrito, de negação de eficácia à norma penal. São frestas, muitas, somente percebidas por profissionais conscientes. Hoje, a maioria dos profissionais não dão a menor importância a esse fenômeno, quando o percebem. Profissionais do perfil da procuradora danelon, sem senso nenhum de profissionalidade. Que passou no concurso aleatoriamente, fazendo xizinhos nos lugares esperados.

    O ponto aqui é a ambiguidade do ilícito em fluxos financeiros. Parece ser um bom exemplo, a inércia política da Administração diante de ‘crimes contra a ordem tributária’.

    ………………………………………………

    Quando no meu ofício, eu e colegas tínhamos dezenas de processos suspensos, à mercê da iniciativa do Fisco. Tínhamos problemas com a estocagem física destes autos. Uma situação desmoralizante, depressiva, pois não tínhamos ninguém sequer para desabafar. A incomunicabilidade esmaga.

     

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