O estado do golpe, por Valdemar Cruz

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O estado do golpe, por Valdemar Cruz

Hoje é o princípio dos dias do fim. As cartas estão lançadas e já todos adivinham o resultado final. Dilma Roussef vai tentar dentro de poucas horas a sua defesa perante o Senado brasileiro, antes da votação final sobre o seu destino enquanto Presidente da República do Brasil, marcada para amanhã. Com o debate à volta de quanto se passa no Brasil demasiadas vezes centrado em detalhes jurídicos, quando a questão é na essência política, vale a pena sublinhar, ainda assim, a inexistência de qualquer acusação, qualquer crime de responsabilidade cometido por Dilma suscetível de dar sustentação a uma decisão tão drástica como a destituição do cargo para o qual foi eleita há dois anos com 54,5 milhões de votos, uma diferença de mais de 3,5 milhões de votos sobre Aécio Neves, o candidato da direita brasileira.

palavra golpe entrou no léxicocaracterizador da atual situação política local. Ao contrário do que foi comum na América Latina, como noutros continentes,os golpes de estado não se materializam apenas em resultado de ações militares. Podem, a coberto de uma fachada democrática, desembocar na destituição de governos legitimamente eleitos, tal como aconteceu nas Honduras em 2009 e no Paraguai em 2012. Há um projeto político e económico a alimentar o caos instalado na política brasileira nos últimos oito meses, desde que em dezembro de 2015 o então presidente do Parlamento brasileiro, Eduardo  Cunha, aceitou a petição para iniciar um processo de destituição de Dilma Roussef por alegadas manobras fiscais e orçamentais ocorridas durante o seu governo. Dilma terá usado fundos públicos para cobrir programas da responsabilidade do Governo, o que nem é crime, nem é, sequer, uma prática pouco comum. 

É frequente os governos de diferentes países socorrerem-se deste processo, o que, podendo ser um ato reprovável, está longe de assumir qualquer natureza criminal. As questões são, por isso, e antes de mais, políticas e traduzem o feroz combate que neste momento opõe setores radicalizados da direita brasileira a um tipo de opções governamentais traduzidas em políticas sociais de longo alcance, ao ponto de 35 milhões de brasileiros terem sido retirados da pobreza. Segundo o Banco Mundial, o número de pessoas a viver em situação de pobreza extrema no Brasil caiu 63% entre 2001 e 2013. Dilma cometeu erros, não cumpriu várias promessas da campanha, fez inúmeras concessões à oligarquia económica e financeira, há vários quadros do PT envolvidos nos escândalos da Petrobrás, criou demasiadas fragilidades. Isso fragilizou-a, mas não explica o que está a passar-se. Praticamente desde o início do seu segundo mandato, uma maioria criada no Congresso tratou de boicotar as ações do seu governo. Depois, foi o paradoxo já conhecido de uma Câmara infestada de deputados e senadores envolvidos em casos de corrupção a aprovarem o processo de destituição que está por estas horas a ser levado às últimas consequências.

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