A escolha do Procurador-Geral da República, por Wagner Gonçalves 

E agora, qual o respeito que Bolsonaro tem pela Instituição? A lista para ele é nonada. Quer saber, não só dos possíveis atos do futuro Procurador, mas o que ele pensa sobre meio-ambiente, índios, quilombolas, direitos humanos, direitos das minorias etc

Foto: Marcos Corrêa/PR

A escolha do Procurador-Geral da República

por Wagner Gonçalves 

O chefe do Ministério Público Federal não é ministro demissível ao bel prazer do Presidente Bolsonaro. Bem que ele gostaria que o fosse. Ao contrário, o Procurador-Geral da República tem mandato, é chefe de Instituição fundamental à democracia e à defesa dos direitos humanos, além de ser o titular da ação penal contra autoridades do mais alto escalão do Legislativo, do Judiciário, do Executivo e, esclareça-se, em desfavor do próprio Presidente da República. Cumpre-lhe zelar também pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição. O ato de nomeação para o cargo de Procurador-Geral passa, antes, pela aprovação do Senado Federal. Não é ato só do Executivo. 

A capacidade de manobra do Presidente, portanto, não vai tão longe, apesar de poder impactar o Ministério Público Federal como nunca ocorreu antes – e tudo indica negativamente. Não acatará, como já declarou, a lista tríplice feita por eleição dos Procuradores da República. Lista essa que foi respeitada pelos Presidentes Lula e Dilma durante seus mandatos. Aliás, recordo-me de quando da posse de Antônio Fernando ou Roberto Gurgel no cargo de Procurador-Geral da República, Lula, ao discursar na sede da Procuradoria, falou: “vocês podem me perguntar  porque escolho o Procurador-Geral dentro da lista elaborada pelos Senhores, se a isso não estou obrigado pela Constituição”. E ele mesmo respondeu: “se não ‘der certo’, não fizer um bom trabalho, desrespeitar a Constituição ou for omisso, os Senhores também terão a responsabilidade por essa escolha.” Acrescentou: “quero que os Senhores saibam, além disso, que nunca irei interferir nos trabalhos do Procurador-Geral da República ou do Ministério Público Federal.” Foi ovacionado de pé. 

Realmente, Lula e Dilma nunca interferiram nos trabalhos dos Procuradores-Gerais, todos escolhidos em lista tríplice. E o respeito à lista chegou ao ponto de os ex-Presidentes terem indicado sempre o primeiro da referida lista. Portanto, a consideração com a Instituição e os seus membros nunca foi tão alta na história do Ministério Público Federal. E nunca mais tal escolha, em continuidade e vezes seguidas, irá ocorrer, mesmo porque o que era solução décadas atrás, quando se encerraram os tenebrosos 21 anos da ditadura, hoje é questionado, inclusive, internamente. 

E agora, qual o respeito que Bolsonaro tem pela Instituição? A lista para ele é nonada. Quer saber, não só dos possíveis atos do futuro Procurador, mas o que ele pensa sobre meio-ambiente, índios, quilombolas, direitos humanos, direitos das minorias etc. Como o Procurador-Geral e todos os membros do Ministério Público têm a obrigação, inclusive por dever de ofício, de agir em defesa de tais direitos fica difícil, conhecendo o pensamento de Bolsonaro, que ele encontre um Ricardo Salles ou uma Damares para minar exatamente os direitos que teria a obrigação de defender. 

Não é por outro motivo a demora na escolha. Demora essa que “se justifica”, quando Bolsonaro quer saber, inclusive, quem será nomeado para “segundo escalão”. Para as Câmaras de Coordenação e Revisão, e, principalmente, para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Esta, por intermédio da Subprocuradora Deborah Duprat tem feito excelente trabalho denunciando ações do Governo que vão na contramão dos princípios e normas constitucionais. Daí a maneira quase patética com que Bolsonaro reagiu, indignado, ao saber que  Raquel Dodge está “nomeando agentes públicos (Procuradores) para funções do MPF”, como se a Procuradora-Geral não pudesse fazê-lo ou isso lhe fosse desrespeitoso. 

Deixar, por outro lado, de indicar o novo Procurador-Geral, mantendo o interino indefinidamente, não lhe é permitido, porque decorre de norma inscrita no texto constitucional. O Presidente da República, como qualquer outro administrador público, está sujeito a leis e regras, limites e prazos e às suas competências. “A formulação é clara: ao particular, tudo que a lei não proíbe; ao público, tudo o que a lei manda”.  

Só espero que os membros do Ministério Público Federal, que demonizaram o Presidente Lula, tenham a percepção exata de que a Instituição, apesar de todas as salvaguardas constitucionais, nunca correu tantos riscos como corre agora com o governo de Jair Messias Bolsonaro, o qual ajudaram a eleger.  

Brasília, 02 de setembro de 2019. 

Wagner Gonçalves – Subprocurador-Geral da República aposentado. Ex-Procurador Federal dos Direitos do Cidadão. 

Redação

2 Comentários

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  1. O grande erro do PT, acreditar que as instituições são neutras.
    Tinha que ter escolhido quem tivesse história em apoio às causas populares, à democracia e ao Estado de Direito.

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