O avanço da pobreza e os desafios das perspectivas próximas, por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Desigualdade de riqueza esta que, medida pelo índice de Gini, avançou em 2020. A pandemia e os seus efeitos, portanto, estão sendo vividos e sentidos de forma muito desigual no Brasil.

O avanço da pobreza e os desafios das perspectivas próximas

por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Restam poucas dúvidas de que nos últimos cinco anos, desde o impeachment presidencial, o quadro geral da qualidade de vida brasileira vem se deteriorando. A pandemia de Covid-19, nesse sentido, apenas aprofundou o que já vinha muito mal. Imerso em uma crise multifacetada, desde o fim da eleição presidencial de 2014, o Brasil enfrenta desafios complexos, em um dramático momento no qual a possível construção do futuro próspero tem que interromper a distopia regressiva da agenda neoliberal.  

Muitos são os sinais de deterioração das condições gerais da vida nacional. O jornal Valor Econômico publicou, no dia 25 de agosto, por exemplo, uma matéria assinada por Lucianne Carneiro sobre um estudo realizado por Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre). O estudo apontou para o crescimento da pobreza entre o primeiro trimestre de 2019 e janeiro de 2021 no Brasil.

Em síntese, o percentual da população pobre aumentou em 24 das 27 unidades da federação brasileira e a expectativa entre economistas é que os níveis de pobreza se mantenham acima do verificado antes da pandemia. Segundo consta na matéria, “a fatia de população pobre na média do Brasil como um todo passou de 25,2% no primeiro trimestre de 2019 para 29,5% em janeiro de 2021”.

A medição da pobreza seguiu os parâmetros do Banco Mundial e a base de dados usada no estudo foi a do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo apontou a matéria, “o trabalho mostra ainda que ocorreu expansão da parcela da população em pobreza extrema em 18 das 27 unidades da federação, considerando renda per capita de US$ 1,90 por dia”.

Na pandemia, pode-se dizer que a pobreza está ligada à distribuição e ao valor do auxílio emergencial em cada período. Conforme ponderou o pesquisador Daniel Duque sobre a pobreza, “tudo leva a crer que ela vai se estabilizar numa situação pior que antes da pandemia”. Duque afirmou ainda que o “mercado de trabalho segue fragilizado e a inflação também tem contribuído para puxar os rendimentos para baixo”.

Quando foi que as reformas regressivas, aprovadas desde 2016, melhoraram as vidas das pessoas? Por que o caráter das reformas precisa ser regressivo em direitos para avançar politicamente e ser aceito pelo capital no Brasil? Recentemente, fomos informados de que algumas pessoas pegam ossos de boi descartados em açougues para alimentar os seus filhos. A matéria publicada no UOL, assinada por Bruna Barbosa Pereira, em 16 de julho, revelou esse dramático e perverso quadro social. No Brasil, 84,9 milhões de pessoas estavam com fome ou insegurança alimentar e 72,4% viviam em famílias com dificuldades para pagar as contas antes da pandemia, entre 2017 e 2018, segundo o IBGE.

A matéria publicada na Agência Brasil, assinada por Alana Gandra, em 6 de abril, revelou o resultado do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O inquérito indicou que, nos últimos meses de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome e que 116,8 milhões enfrentaram algum grau de insegurança alimentar. Piorou o que já estava ruim antes da pandemia.

Lançado em junho, o relatório global anual sobre riqueza do Credit Suisse revelou algo que é estrutural e histórico no Brasil. Na lista de países analisados, o Brasil encontra-se, invariavelmente, desde o ano de 2000, em destaque na concentração de riquezas no topo. Em 2020, a concentração de riqueza no 1% do topo foi de 49,6%. Nos EUA, por exemplo, esse número foi de 35,3%, na Alemanha, 29,1% e na França, por sua vez, 22,1% em 2020.  

De acordo com o respectivo relatório, “a desigualdade de riqueza é alta na América Latina, especialmente no Brasil, que possui um dos maiores níveis de desigualdade no mundo”. Desigualdade de riqueza esta que, medida pelo índice de Gini, avançou em 2020. A pandemia e os seus efeitos, portanto, estão sendo vividos e sentidos de forma muito desigual no Brasil.

Com uma carga tributária regressiva, que privilegia a estrutural concentração de riquezas no topo, dificilmente o Brasil se tornará um país mais próspero, democrático e desenvolvido. A Emenda Constitucional 95/2016, que versa sobre os gastos primários, pressiona pela redução dos gastos públicos sociais quando eles mais são necessários para a maioria da população.  

Em uma publicação no Blog do Ibre, no dia 4 de agosto, o pesquisador Daniel Duque mostrou que o Brasil ingressou, em abril de 2021, em território de recorde histórico no “índice de mal-estar”, que combina desemprego e inflação. Para os próximos meses, a “expectativa é de novas altas da inflação e de manutenção do elevado desemprego, devido à maior taxa de participação”.

As perspectivas gerais para os próximos meses, infelizmente, são desfavoráveis para a maioria da população e para a viabilidade política do Brasil como construção nacional democrática, institucionalmente estável e razoavelmente desenvolvida. Os desafios são imensos no presente, pois ainda resta saber se teremos condições efetivas de resistir à distopia neoliberal em curso. O Brasil enfrentou muitos momentos difíceis ao longo de sua trajetória como país e, portanto, não convém desanimar nessa quadra histórica, por mais distópica que ela seja.

Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Redação

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