1964, o filme (roteiro para uma tragicomédia curtíssima)

Cena 1 tomada 1 (em preto e branco)

Na Embaixada dos EUA dois malacas confabulam. O Embaixador (que se expressa como se fosse um traficante de morro carioca com sotaque).

 

Lincoln Gordon

– Tá tudo dominado, mano. O chefão aprovô meu prano e o  cara vai caí geral. A senha do prano é “Operation Brother Sam”. Avisa os mano brasileiro, Roger, que agora é prá toca o puteiro.

Vernon Walters

-OK positivo operante, chefe. Falarei agora mesmo com o cara da TFP para botar os fanáticos na rua. Depois apalavro tudo com o Marechal e Costa e Silva.  Mas a coisa toda vai custar caro.

 Lincoln Gordon

-A grana tá liberada. Solta o bicho, que a boca agora é nossa ta ligado?

 

Cena 1 tomada 2 (em cores)

Vernon Walters liga para a TFP. O telefone toca, toca, toca…

 

Plínio Corrêa (deitado com a face para a cama, a princípio filmado apenas acima da cintura pega o telefone e fala como voz de macho).

-Alô. Sim. Ok Mister Vernon. Vou já-já contatar os meus para organizar umas passeatas em São Paulo e no Rio de Janeiro. É claro que aceitaremos ajuda financeira. 50 mil (arregalando os olhos). Sim, 50 mil dólares bastarão. Com esta quantia consigo até fazer uma passeata em Bel Horizonte de brinde. O senhor ficará sabendo de tudo pelos jornais, prometo.

Plínio Corrêa desliga o telefone e diz maliciosamente para a mulher que massageia o anus dele com uma cruz:

– Manda ver Hebe, que a tesão voltou.

A câmera abre e então é possível ver uma loira enfiando um consolo em forma de cruz no rabo do líder da TFP, que solta gritinhos excitados.

– Ai Jesus, aí Jesus, aí Jesus (corta)

 

Cena 2 tomada 1 (preto e branco)

Usando a faixa presidencial, João Goulart sobe a rampa do Palácio do Planalto ao lado do Marechal Castelo Branco. Dos dois lados da rampa dezenas de soldados estão em forma apresentando armas. Close na arma para mostrar que cada soldado empunha um pequeno arco com uma flecha enfeitada com uma bandeirinha do Brasil.

Presidente Jango

– Tenho ouvido rumores de descontentamento das tropas. O que diz meu Marechal?

Castelo Branco

– Fique tranquilo senhor Presidente (o vocábulo “senhor” é dito com grande ênfase e respeito). A fidelidade das tropas é inquestionável.

Corta

 

Cena 2 Tomada 2 (em cores)

Vernon Walters  e o Marechal Castelo Branco conspiram, observados por Costa e Silva metido numa jaqueta de couro e usando óculos escuros.

 

Vernon Walters (arrogante)

– A coisa vai feder Castelo. A “Operation Brother Sam” já iniciou. Os navios já estão navegando para o Brasil. Nossos homens têm ordem para resolver a questão de uma vez por todas. Quem não estiver conosco estará contra nós e ao lado dos soviéticos.

Castelo  Branco (falando com subserviência)

– Fique tranquilo meu comandante. A coisa toda se ajeita no jeitinho brasileiro. Mas vai custar caro, porque “nem só de pão vivem nossos homens”.

Vernon Walters

– Ok. Aqui tem algum (entrega dois pacotes de notas a Castelo Branco, que enfia um na meia e o outro na cuéca). O resto será entregue todo mês.

Costa e Silva

– Metade da minha parte deste, deste… mensalão vou querer em whisky (diz Costa e Silva, gargalhando e visivelmente embriagado).

 

Cena 2 tomada 3 (em preto e branco)

É retomada a Cena 2 tomada 1. João Goulart e Castelo Branco continuam a subir a rampa. Os soldados imóveis com seus arcos e flechas decoradas com bandeirinhas do Brasil. No topo da rampa, o Marechal diz ao Presidente.

 

Castelo Branco

– Como já disse, fique tranqüilo Presidente. Dou-lhe minha palavra de honra, garantirei seu mandato com minhas tropas e minha vida.

João Goulart continua caminhando e Castelo Branco para ao lado do último soldado do lado direito. O presidente segue confiante e Castelo Branco diz no ouvido do soldado.

Castelo Branco

– Operation Brother Sam. (e coloca uma nota no bolso dele)

Imediatamente o soldado guarda a flecha brasileira no bolso esquerdo da farda e pega no bolso direito da mesma uma outra flecha. Todos os soldados fazem o mesmo de um lado e do outro da rampa. Close nas novas flechas, que são iguais à anterior só que agora decoradas com bandeirinhas dos EUA.

 

Cena 3 tomada 1 (preto e branco)

Passeata nas ruas (filmes antigos da época) passam numa TV.

 

Em frente da TV estão reunidos Lincoln Gordon, Plínio Corrêa (que bolinha seu consolo em forma de Cruz no  bolso), Hebe, Vernon Walters, Castelo Branco e Costa e Silva (este completamente bêbado). Corta.

 

Cena 3 tomada 2 (em cores)

João Goulart desce a rampa do palácio apressado. Quando o vêem, os soldados batem continência. Mas à medida que ele desce a rampa e dá as costas para os soldados eles atiram nele suas flechas com bandeiras dos EUA. Mas ele consegue fugir.

 

Cena 3 tomada 3 (preto e branco)

Retoma a cena 3 tomada 1. A imagem de João Goulart correndo cheio de flechas com bandeirinhas dos EUA fincadas nas costas passa na TV. Castelo Branco já está com a faixa presidencial usada por Goulart na Cena 2 tomada 1. O embaixador fala algo no ouvido de Costa e Silva.

 

Costa e Silva

– Tudo a seu tempo, Lincoln Gordon. Daqui há uns quatro anos, talvez (diz baixinho no ouvido do Embaixador, depois levanta a voz e diz para todos).

– Que tal uma partida de Pocker? (Sorvendo um grande gole de whisky).

Na TV a imagem desaparece num túnel escuro, em que vão sendo projetadas cenas dos conflitos de rua posteriores ao golpe de 1964.

 

 

FIM

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador