24/01/2018, dia de moquém

Lula não será julgado. Ele será sacrificado, ou melhor, o sacrifício dele é fato consumado. A prova foi a antecipação do resultado do julgamento que ainda não ocorreu.

Há alguns dias o TRF-4 afirmou que Lula não será preso se for condenado. Isso equivale a dizer que não há qualquer possibilidade de absolvição do ex-presidente. Lula não recebeu a posse e propriedade do Triplex e o imóvel foi penhorado em outro processo, mas isso é irrelevante.

A elite judiciária decidiu sacrificar os princípios constitucionais do Direito Penal para interferir nas eleições de 2018. Não estamos diante de um processo pautado pela legalidade e sim diante de uma vingança política. E pouco importa saber quais são as verdadeiras motivações dos juízes (preconceito de classe, autoritarismo, desdém pela democracia, convicção partidária, etc…).

Há algum tempo disse que os juízes brasileiros se assemelhavam aos caçadores de cabeças https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/sergio-moro-e-os-cacadores-de-cabecas-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. Agora sou obrigado a dizer que eles estão mais e mais ficando parecidos com os tupinambás.

Dentre as funções sociais da guerra na sociedade tupinambá, Florestan Fernandes destacou uma muito importante: fazer prisioneiros para o sacrifício ritual. A execução ritual e o moquém da vítima reforçavam a coesão entre os captures e produziam desagregação na tribo a que ele pertencia.

As notas de apoio incondicional da AJUFE a Sérgio Moro, as demonstrações de solidariedade dessa associação aos desembargadores do TRF-4 e a reunião entre o presidente daquele Tribunal e a presidenta do STF demonstram que o julgamento de Lula está sendo utilizado para reforçar a coesão entre os juízes. Petistas e lulistas não desistiram de defender seu líder. Mas uma unidade na esquerda está se tornando cada vez mais improvável. Digo isso pensando especificamente naquilo que Marcelo Freixo e Ciro Gomes tem dito.

Reforço da unidade na ação num grupo social, produção de desagregação no outro. Despidas das aparências, o julgamento de Lula revela sua verdadeira natureza. Ele desempenha entre os brasileiros modernos o mesmo papel que o moquém do cativo desempenhava entre os tupinambás do século XVI.

A justiça, contudo, não será feita. A verdade, aliás, é que a justiça não pode ser feita. O cativo tem que ser necessariamente sacrificado. O sacrifício dele é uma condição sine qua non da guerra tribal. Pouco importa se Lula é ou não culpado.

“O massacre constituía a última situação social vivida pelo escravo na comunidade dos captores. Nessa ocasião, ele compartilhava com o senhor os papéis centrais de uma das cerimônias mais importantes na vida religiosa tribal. Ambos se defrontavam socialmente como pessoas de cujas ações dependeriam a efetivação de um ideal ético e a realização de ambições ou aspirações que consubstanciavam, de modo diverso para cada um deles, o próprio destino de um e de outro. Essa relação extrema do senhor com o escravo, de sacrificante para vítima, se desenrolava sob a  forma de luta e garantia a cada contendor determinados sentimentos de auto-suficiência. Enquanto um atuava como ‘bem-aventurado’ a quem cabia vingar os parentes mortos ou satisfazer os desejos dos espiritos, o outro encontrava uma satisfação interior na própria situação vivida, pois interpretava seu comportamento agressivo com uma modalidade de vingança. Explica-se assim porque certas expectativas de comportamento do matador e da vítima possuíam para eles um significado ético. O primeiro encorajava o segundo, estimulando-o a morrer com coragem e dignidade: ‘Feitas estas cerimônias afasta-se algum tanto dele e começa a lhe fazer uma fala a modo de pregação, dizendo-lhe que se mostre mui esforçado em defender sua pessoa, para que o não deshonre, nem digam que matou um homem fraco, efeminado e de pouco ânimo, e que se lembre que dos valentes é morrerem daquela maneira…’ [Gandavo, História, p. 133]. Por sua vez, o escravo esperava ser sacrificado por um guerreiro tão reputado e valoroso quanto ele: ‘Somente uma coisa causa-lhe apreensão, principalmente se se trata de um grande guerreiro: o fato de possivelmente não ter o seu algoz estado ainda na guerra, de não ser como ele um grande e valente guerreiro, um kerembave e tetanatu. Nesse caso, fica desesperado e julga grande afronta e deshonra que lhe fazem. Ms quando o encarregado de matá-lo é um kerembave e tetanato ou tauaíve, não se importa de morrer e encara a morte como uma grande honra’ [Abbeville, pág. 232-233]” (A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá, Florestan Fernandes, Editora da USP, São Paulo, 1970, p. 263/264)

Até a data de hoje, o ex-presidente não desistiu de demonstrar sua coragem diante dos tupinambás de toga. Portanto, Lula parece ter compreendido perfeitamente a dinâmica do moquém a que está sendo submetido. Quem servirá o cauim no dia 24/01/2018? As delegadas da polícia federal ou as jornalistas da Rede Globo?    

Há alguns meses Thompson Flores deu uma entrevista dizendo que a sentença de Sérgio Moro no caso do Triplex não merecia reparo. Todavia, ele admitiu que não havia lido a condenação e o recurso de Lula.

Além de incompetente para apreciar o caso em grau de recurso (fato que o impediria de opinar sobre o trabalho de outro juiz), o presidente do TRF-4 demonstrou todo seu ódio em relação ao réu. O princípio jurídico que o motivou é bem conhecido: 

Jau ware sche.*

No imaginário de Thompson Flores os argumentos da defesa de Lula são irrelevantes. Como se fosse um canibal do século XVI o presidente do TRF-4 apenas queria devorar um pedaço do ex-presidente sacrificado e moqueado pela justiça federal. Thompson Flores é, portanto, um típico tupinambás de toga.

 

* Tupi = Devoro como uma onça.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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