Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Estimação da frota brasileira de automóveis flex e a nova dinâmica do consumo de etanol no Brasil a partir de 2003

Do Blog Infopetro

 1. Introdução

O Programa Nacional do Álcool (Pró-álcool) representa uma experiência única de substituição de derivados de petróleo no segmento de transportes (Hira e Oliveira, 2009 e Coelho et al., 2006). O programa, instituído em 1975 como parte de um conjunto de políticas, visava mitigar o impacto da primeira crise do petróleo. Na primeira fase do programa, o etanol era utilizado apenas como aditivo misturado à gasolina. A partir de 1979, porém, ano do segundo choque de preços do petróleo, foram introduzidos os automóveis a álcool que se difundiram rapidamente. Em 1986, os automóveis movidos a etanol já representavam 92% das vendas. 

Gráfico 1.1 – Venda de Veículo Leves Flex-Fuel e a Etanol

 Fonte: Elaborado a partir dos dados de venda da Anfavea

Com a redução do preço do petróleo, a partir da contra-crise, e a elevação do preço do açúcar no mercado internacional, a produção de etanol perdeu atratividade e os usineiros passaram a orientar uma menor parcela de sua produção para atender o mercado de etanol, provocando episódios de desabastecimento. Além disso, problemas mecânicos experimentados, principalmente, em regiões de clima mais frio também desestimularam a aquisição de carros a etanol. Desta forma, na década de 90, as vendas destes modelos despencaram. E, conforme a frota de veículos a álcool era sucateada, o consumo de álcool hidratado era progressivamente reduzido. Em 2003, este combustível atendia a menos de 10% do mercado brasileiro.

Contudo, cabe mencionar que o período do Pró-álcool garantiu ao Brasil a acumulação de conhecimentos tecnológicos tanto na produção de etanol quanto no desenvolvimento de veículos adaptados a utilizar etanol como combustível, o que certamente contribuiu para o posterior avanço dos veículos bicombustíveis no mercado automotivo brasileiro, introduzido em março de 2003.

A possibilidade de o consumidor escolher o combustível de sua preferência, ou até mesmo uma proporção entre a gasolina e o etanol, eliminou o problema de incerteza de abastecimento e ainda possibilitou que os consumidores aproveitassem o diferencial existente entre os preços da gasolina e do etanol. Desta forma, dadas as vantagens, os veículos bicombustíveis logo dominaram as vendas de veículos de passeio. Hoje, quase a totalidade dos veículos de passeio vendidos conta com esta tecnologia. O consumo de álcool hidratado tem crescido fortemente desde então, como mostra o Gráfico 1.2 abaixo.

Gráfico 1.2 – Consumo de Álcool Hidratado no Setor de Transportes – Rodoviário

 

Fonte: Elaborado a partir dos dados de consumo do BEN(2009)

Sendo assim, fica claro que para compreender a evolução do consumo de etanol como combustível é essencial conhecer a evolução da frota de automóveis bicombustíveis. No entanto, as estatísticas oficiais sobre a frota brasileira de automóveis são, reconhecidamente (Matos e Correia, 1996), sobreestimadas.

Assim, para estimar a frota, é necessário aplicar uma função de sucateamento aos dados de venda de automóveis. A dificuldade para estimar esta função, entretanto, resulta da inexistência de dados atualizados sobre a composição etária da frota, já que os dados disponíveis referem-se a mais de 20 anos atrás. De fato, o suplemento da Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios (PNAD) de 1988, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é a fonte mais recente disponível sobre a posse de automóveis. Apesar de reconhecer que o perfil da frota brasileira de veículos leves hoje é, provavelmente, diferente da de 1988, optou-se por utilizá-la em função de sua significância estatística e da falta de melhores dados. A metodologia adotada para estimar a curva de sucateamento e, consequentemente, a frota nacional de veículos leves bicombustíveis, apresentada de forma detalhada numa postagem anterior, será brevemente explicada neste artigo na próxima seção.

Um segundo passo adotado neste trabalho, e explicitado na Seção 3, consiste na estimação do impacto de mudanças no preço relativo do álcool e da gasolina sobre o consumo de álcool hidratado no Brasil. Dado que os preços dos combustíveis podem variar significativamente entre os estados brasileiros, optou-se pelo método do painel dinâmico, uma vez que existe também certa inércia em relação à série referente ao consumo de álcool hidratado. Trabalhar com dados estaduais, entretanto, gera um problema com relação à frota, já que essa é calculada para o Brasil. Como solução, a frota estimada foi repartida entre os estados conforme a participação resultante dos dados do Denatran.

2. Estimação da Frota Nacional de Veículo Leves Bicombustíveis

Até 1986, a Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT), vinculada ao Ministério dos Transportes, publicava dados da frota nacional de automóveis com base na Taxa Rodoviária Única (TRU). Contudo, com a extinção da TRU em 1986, os dados deixaram de ser publicados. Atualmente, o Departamento Nacional de Trânsito, o Denatran, publica os dados baseados no licenciamento dos departamentos estaduais (Detrans). Porém, dado que no Brasil não há incentivo para veículo com mais de 15 ou 20 anos de idade, dependendo do estado, de registrarem sua situação, pois deixam de pagar IPVA, a taxa de sucateamento do Denatran é considerada bastante conservadora, havendo um consenso, entre os diversos autores pesquisados, de que os dados de frota disponibilizados pelo Denatran são sobreestimados.

Em 1988, a PNAD incluiu um suplemento sobre posse e uso de automóveis, sendo essa a estatística mais recente do perfil etário da frota brasileira. Assim, confrontando estes dados com a série de vendas de automóveis, publicada pela Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), pode-se calcular a taxa de sucateamento a cada ano.

A metodologia utilizada neste artigo para estimar a frota brasileira de veículos leves flex foi a desenvolvida por Mattos e Correia (1996). Diferentemente, entretanto, três funções de crescimento foram testadas para descrever a curva de sucateamento, quais sejam: Logística, Gompertz e Weibull. Em seguida, aplicamos o método de otimização, e para isso utilizamos a ferramenta Solver do Excel, para determinar os parâmetros das funções. Consideramos a função mais adequada aquela que minimizasse a soma dos quadrados dos erros. Os resultados obtidos sugerem que a função Gompertz foi a que se mostrou mais ajustada aos dados da PNAD de 1988, sendo, portanto, escolhida para descrever o processo de sucateamento.  Assim, com base na curva de sucateamento Gompertz e considerando os dados recentes de vendas de veículos leves no mercado interno [1] da Anfavea, estimamos a frota de veículos leves em 25,5 milhões de unidades em 2009. A estimativa é significativamente inferior ao dado do Denatran, 36,5 milhões de unidades de 2009. Especificamente sobre a frota de veículos leves flex, essas já representa 35% da frota de veículos leves, totalizando, aproximadamente, 9 milhões de unidades.

Estimamos que a continuidade das tendências atuais levará a uma dominância de veículosflex na frota brasileira. Em 2020, esperamos que os veículos flex correspondam a 78% da frota de veículos leves no Brasil. Neste mesmo ano, a frota alcançaria 46 milhões de unidades [2].

3. Dinâmica do Consumo de Álcool Hidratado no Brasil a Partir de 2003

A possibilidade de o consumidor escolher entre a gasolina e o álcool hidratado, ou até mesmo uma combinação entre esses, resultou num novo dinamismo no mercado brasileiro de combustíveis a partir de março de 2003. As razões, entretanto, para a escolha de um combustível são ainda bastante debatidas, uma vez que o preço pode, para determinados consumidores, não representar a variável principal. Há, entretanto, um consenso na literatura sobre o papel de relevância do preço relativo entre o álcool e a gasolina para os consumidores de forma geral. (…) continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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