Como a Microsoft e o Meta-Trumpismo estão reescrevendo o destino do mundo, por Isabela Rocha

A fusão nuclear, que por décadas parecia uma promessa distante, pode se tornar realidade muito mais rápido do que o esperado

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O Império para além do binário: Como a Microsoft e o Meta-Trumpismo estão reescrevendo o destino do mundo

Por Isabela Rocha*

No dia 19 de fevereiro a Microsoft anunciou sua nova tecnologia: o chip Majorana 1. Este chip utiliza uma nova arquitetura baseada em materiais chamados topocondutores, permitindo a criação de qubits topológicos – uma versão mais estável e escalável dos qubits já existentes, e, claro, dos bits comuns que usamos nas tecnologias do nosso dia a dia. O que isso tudo realmente significa, em termos mais simples? E o que o desenvolvimento dessa nova forma de computação – a escalabilidade da computação quântica – implica no cenário tecnológico e geopolítico?

A computação clássica, que usamos em nossos computadores, celulares e servidores, é baseada no sistema binário. Isso significa que todas as operações são feitas usando bits, que podem assumir apenas dois estados: 0 ou 1. Esses bits são manipulados por transistores dentro de chips, onde a corrente elétrica representa um 1 (ligado) ou um 0 (desligado), e a soma de bilhões desses bits operando juntos permite a realização de cálculos complexos, processamento de dados e, claro, Inteligência Artificial. No entanto, e a despeito dos muitos avanços oriundos da computação, mesmo com processadores cada vez mais rápidos, a computação binária tem limites físicos, uma vez que existem problemas que exigem tempo e poder computacional absurdos – senão virtualmente infinitos.

A computação quântica é uma revolução porque usa qubits em vez de bits; Diferente dos bits binários, qubits podem ser 0, 1 ou uma superposição de ambos ao mesmo tempo – permitindo que múltiplas operações sejam processadas simultaneamente. Ainda que a computação com qubits já existisse antes do Majorana 1, com empresas como a IBM, a Google e a Intel desenvolvendo essas tecnologias, seus qubits ainda eram muito instáveis e sensíveis a interferências externas, gerando taxas de erros que impediam seu uso eficiente. Mas a Microsoft conseguiu realizar o que as outras empresas falharam ao utilizar a topologia para estabilizar os qubits. Em vez de depender de qubits convencionais baseados em supercondutores, que são frágeis e exigem correção constante de erros, o Majorana 1 utiliza qubits topológicos, que armazenam informações de forma distribuída dentro de um sistema físico sustentado por propriedades matemáticas topológicas, protegendo os qubits de ruídos externos e falhas, e permitindo a escalabilidade da computação quântica para aplicações reais.

Isso pois a topologia ‒ um braço da matemática que estuda as propriedades dos objetos que permanecem inalteradas mesmo quando eles são deformados, esticados ou torcidos, desde que não sejam cortados ou colados ‒ ao ser aplicada à computação quântica, permite que as informações armazenadas nos qubits não fiquem em um único ponto, mas sim distribuídas ao longo de uma estrutura topológica, tornando-as mais resistentes. Isso significa que pequenas perturbações externas não corrompem os dados, garantindo maior estabilidade e confiabilidade para a computação quântica.

Na prática, tudo que já é feito em computadores poderá ser feito de forma muito, muito mais rápida e eficiente. Por exemplo, diversos problemas que não são computacionalmente resolvíveis por demandarem muito tempo de computação, mesmo em supercomputadores avançados, bem como problemas de otimização complexa, como encontrar a melhor rota logística global em tempo real, simular interações químicas para o desenvolvimento de novos medicamentos ou quebrar criptografias que hoje são consideradas inquebráveis, poderão ser resolvíveis em minutos.

Em outras palavras, com os qubits topológicos, que operam de forma mais estável e permitem principalmente escalabilidade, a computação quântica pode resolver quaisquer problemas computacionais em segundos ou minutos, algo impossível para os sistemas binários convencionais. Se, hoje, a Inteligência Artificial já acelera processos, modelos treinados no Majorana 1 ficarão prontos em segundos, bem como os resultados de uma IA que seja baseada neste sistema. Além disso, as implicações na pesquisa científica serão tremendas, uma vez que se acelera o tempo de simulação e análise de dados em áreas como física, química, biotecnologia e engenharia de materiais. Processos que antes levavam anos de pesquisa poderão ser concluídos em dias ou até horas, possibilitando descobertas revolucionárias em tempo recorde, como novos fármacos, materiais supercondutores e, principalmente, avanços no desenvolvimento de tecnologia de fusão nuclear – esta última, permitindo geração de energia virtualmente ilimitada e limpa.

Qubits topológicos e essa nova escala de processamento é o tipo de tecnologia que permite a realização da Ficção Científica para além da literatura. Algumas ideias que antes pareciam impossíveis começam a se tornar tecnicamente viáveis, como Inteligência Artifical Generalizada (AGI), ou seja, IAs que pensam como seres humanos, como os anfitriões de Westworld, previsão ultra-precisa de eventos globais, como a psicohistória de Asimov, e a exploração e colonização espacial possibilitada por aeronaves contendo reatores de fusão nuclear.

A realização da fusão nuclear é, sem sombra de dúvidas, o impacto mais importante oriundo do desenvolvimento do Majorana 1, pois, novamente, permite a geração de energia virtualmente ilimitada e limpa -, além de que a quantidade dos insumos necessários para o processo de fusão, como deutério e trítio, existente no mundo permite que esta energia alimente toda a humanidade por centenas de anos. A energia de fusão nuclear é gerada quando núcleos atômicos leves, como os do hidrogênio, se fundem sob temperaturas extremas, liberando uma quantidade colossal de energia – o mesmo processo que alimenta o Sol. Diferente da fissão nuclear, ela não gera resíduos radioativos de longa duração nem risco de colapsos catastróficos. Sendo virtualmente ilimitada significa que, com uma pequena quantidade de insumo como deutério extraído da água do mar, seria possível abastecer a demanda energética global por séculos, eliminando a dependência de combustíveis fósseis e reconfigurando a demanda energética mundial.

Antes mesmo da computação quântica topologicamente estabilizada, através de IA, engenheiros foram capazes de estabilizar o plasma dentro dos reatores de fusão, um dos maiores desafios técnicos para tornar essa matriz energética viável. O plasma, uma substância caótica, volúvel e extremamente instável, precisa ser mantido a temperaturas altíssimas para sustentar a fusão nuclear, no entanto, sua natureza imprevisível gera turbulências violentas e perturbações espontâneas que podem interromper a reação e até causar acidentes. Para conter essa força bruta oriunda da instabilidade do plasma, é necessário um controle absoluto: algoritmos de IA agora conseguem prever e corrigir essas instabilidades em tempo real, ajustando as malhas de imãs os do reator para conter o plasma num único espaço e impedir colapsos antes que eles aconteçam. Com as IAs treinadas para este fim, a estabilização não se mantinha por tempo o suficiente para possibilitar a captação da energia gerada na fusão; porém, agora, com o Majorana 1, e sua capacidade de processamento quântico, as novas simulações e IAs serão mais precisas, otimizando o controle do plasma em tempo real e tornando a fusão nuclear praticamente autossustentável.

Isso significa que a fusão nuclear, que por décadas parecia uma promessa distante, pode se tornar realidade muito mais rápido do que o esperado. Mas, o que é, de fato, energia virtualmente ilimitada?

Energia virtualmente ilimitada significa um fornecimento contínuo e sustentável de eletricidade, sem depender de combustíveis fósseis ou do enfrentamento da manutenção de lixo nuclear das usinas de fissão. Na prática, isso poderia alimentar cidades inteiras com uma fração do custo atual – um balde d’água do mar para gerar energia suficiente para suprir todas as necessidades de uma pessoa por toda a vida. Com apenas 5 kg de água do mar por hora, seria possível abastecer a demanda energética de todo o Brasil, eliminando crises energéticas e reduzindo drasticamente a dependência de combustíveis fósseis. Além disso, com apenas dois bilionésimos de um por cento (quantidade irrisória) do deutério disponível na Terra, seria possível alimentar toda a demanda mundial de energia por um ano, tornando essa tecnologia um divisor de águas para a segurança energética global.

Esse nível de abundância energética viabiliza infraestruturas digitais de altíssimo consumo, como centros de computação quântica, desenvolvimento de redes neurais avançadas e Inteligência Artificial de larga escala, sem as restrições que hoje limitam esses avanços – para além do sonho da libertação dos povos do trabalho alienado. O impacto geopolítico também será imenso: países que dominarem essa tecnologia poderão redefinir sua posição no cenário global, enquanto aqueles que não tiverem acesso ficarão dependentes de novos monopólios energéticos e computacionais.

E é daqui que começa o drama. O Majorana 1 foi desenvolvido no marco do Meta-Trumpismo, ou seja, a aliança entre a Casa Branca e a Big Tech. Esse pacto inclui também a empresa Microsoft, que, ainda que de maneira discreta, também demonstrou apoio pragmático ao governo Trump. Isso significa que essa capacidade de processamento sem precedentes não está distribuída globalmente, mas concentrada nas mãos de uma empresa privada americana, alinhada a um governo nacionalista, protecionista, e hostil com o cenário internacional. E ter essa quantidade de poder computacional significa redefinir os limites do que é possível. Toda a infraestrutura digital global se tornaria obsoleta diante da computação quântica topológica, permitindo que modelos de Inteligência Artificial ultra-avançada rodassem com um nível de eficiência impossível até então.

Os impactos são múltiplos:

Primeiramente, podemos afirmar que, com essa tecnologia, há o domínio total da criptografia e segurança digital, pois o Majorana 1 pode quebrar qualquer criptografia tradicional em segundos, tornando todos os sistemas bancários, governamentais e de comunicações vulneráveis, exceto para aqueles que controlam a computação quântica. Em termos de IA, treinamentos que levam meses ou anos em supercomputadores poderiam ser feitos em segundos ou minutos, possibilitando IAs autônomas, dinâmicas e com capacidade de decisão sem precedentes. Em terceiro lugar, a capacidade industrial será exponencializada: com processamento virtualmente ilimitado, avanços como design de novos materiais, engenharia genética e otimização energética poderiam ocorrer de maneira incontrolável, ampliando ainda mais as assimetrias entre países.

Finalmente, o Majorana 1 permitirá previsões econômicas e militares perfeitas. O processamento ultrarrápido permitiria que governos e corporações simulassem cenários geopolíticos, guerras e crises financeiras com precisão absoluta, antecipando eventos antes que eles sequer aconteçam.

Se, hoje, a desigualdade tecnológica já é um problema global, o Majorana 1 pode cristalizar um abismo intransponível, colocando todas as nações sem acesso a essa tecnologia em uma posição de dependência total. Isso sem nem ao menos considerarmos que a tecnologia da computação quântica topológica será utilizada para o desenvolvimento de energia virtualmente ilimitada – a fusão nuclear estabilizada por IA. A partir daí, a fusão nuclear deixa de ser apenas uma promessa científica e se torna um instrumento definitivo de poder geopolítico. Se hoje as nações competem por petróleo, gás e lítio, em um mundo dominado pelo Majorana 1 e a fusão nuclear, a disputa será por quem controla essa nova infraestrutura energética – e, mais importante, quem fica de fora dela.

Se apenas um país – os EUA sob o domínio de Trump – dominam essa tecnologia, o cenário global se redesenha. Primeiramente, os EUA se tornam energeticamente invulneráveis, eliminando qualquer dependência de petróleo estrangeiro e tornando sanções econômicas irrelevantes contra si. Qualquer outro país que ainda dependa de combustíveis fósseis ou energia nuclear tradicional estará em desvantagem absoluta, enquanto os EUA, sob o domínio do Meta-Trumpismo, poderão usar essa vantagem como uma arma geopolítica. Além disso, o colapso do setor de combustíveis fósseis iria reconfigurar completamente as relações internacionais, e países cujas economias dependem da exportação de petróleo e gás – como Rússia, Arábia Saudita e Venezuela – perderiam parcela significativa de sua influência global, enquanto nações que ainda não possuem infraestrutura energética autônoma ficariam à mercê de quem controla a fusão nuclear estabilizada.

Esse novo paradigma não seria apenas energético, mas econômico e tecnológico. Se toda a infraestrutura digital de alto desempenho – como computação quântica, Inteligência Artificial e criptografia avançada – passar a depender exclusivamente dessa tecnologia e suas demandas energéticas, então quem não a deter será condenado a uma posição de irrelevância industrial e tecnológica.

E o Meta-Trumpismo, enquanto projeto político, não favorece a distribuição dessa tecnologia. Pelo contrário, busca consolidar o poder digital e energético exclusivamente dentro de sua esfera de influência – o que significa que a fusão nuclear, bem como todas as outras tecnologias oriundas da computação quântica topológica, não será um motor de crescimento universal, mas sim uma barreira para consolidar um novo monopólio energético e computacional.

Os EUA estão no caminho para impor um novo modelo de dependência global, onde países sem acesso ao Majorana 1 e à fusão nuclear não apenas pagarão mais caro por energia, mas também estarão sujeitos a restrições comerciais e tecnológicas impostas diretamente pela Casa Branca e pelas Big Techs alinhadas ao governo. Se hoje a hegemonia digital já é controlada por empresas americanas que ditam as regras da internet, no cenário quântico pós-fusão nuclear, essa hegemonia se expandirá para toda a infraestrutura global, consolidando um novo tipo de colonialismo digital e energético.

Se inaugura um novo modelo de Colonialismo Tecnológico, e a computação quântica possibilitada pela Microsoft anuncia a consolidação de um império digital sem precedentes. A computação quântica, estabilizada pela topologia e alimentada por fusão nuclear, transforma-se na espinha dorsal de uma nova ordem mundial, onde o acesso à informação, energia e inovação será rígidamente controlado por aqueles que detêm essa tecnologia.

Se hoje o domínio sobre a infraestrutura da internet já coloca governos e sociedades inteiras sob o jugo de um punhado de corporações, o Majorana 1 eleva essa assimetria a um nível que parece irreversível. Com um monopólio sobre a computação quântica e o fornecimento energético global, as nações que não fizerem parte desse novo regime tecnológico não apenas estarão à margem do desenvolvimento econômico, mas também perderão sua soberania digital e estratégica.

Estamos diante do ponto de ruptura da geopolítica digital. Não se trata apenas de um avanço tecnológico, mas da criação de um novo eixo de dominação global, onde a computação quântica, a fusão nuclear e a Inteligência Artificial formam um tripé de controle absoluto sobre informação, energia e poder militar.

É precisso ressaltar que quem controla a infraestrutura quântica e a energia infinita da fusão controla o futuro. A pergunta que resta é: quem estará dentro desse novo império digital – e quem será reduzido à irrelevância?

Isabela Rocha é mestre e doutoranda em Ciência Política pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL UnB). Atualmente coordena o Grupo de Trabalho Estratégia, Dados e Soberania do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (GEPSI IREL UnB) e representa o Fórum para Tecnologia Estratégica dos BRICS+, em apoio à presidência brasileira do bloco, visando o desenvolvimento de infraestrutura tecnológica integra e soberana na União.

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8 Comentários

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  1. Sem dúvida a associação das bigtechs com a extrema direita coloca a humanidade diante de um grande risco de globalização da ditadura.
    Porém, a empresa que é apontada como líder das pesquisas de computação quântica, a Microsoft, tem um histórico de incapacidade de criar inovação, desde sua fundação vive de comprar pequenas inovações para empacotar e vender em mercados monopolizados por ela mesma. Isto pode significar que as grandes descobertas da Microsoft sejam apenas comércio de trabalho feito por outros. Da mesma forma que o monopólio do Windows no PC enfrenta o código aberto do Linux, que o esnobismo da Apple perde mercado para o Android, e que a IA chinesa já dá a volta nas bigtechs nos limites binários, não é ilusão acreditar que terão concorrência na computação quântica e nas inovações decorrentes delas.

  2. Vale o alerta. Mas, creio que toda nova tecnologia disruptiva passou pelo mesmo processo. Uns países saem na frente (não sei qual dessa vez), mas depois outros alcançam e podem ultrapassá-lo.

  3. Maravilha em termos produtivos, desastre em termos econômicos. Se o resto do mundo fica irrelevante,, vai vender pra quem? Se não há comércio, não há riqueza. Sem contabilizar o patrimônio como riqueza, não faz sentido produzir.

  4. Não existe, nunca existirá energia limpa. O homem não cria do nada; ele tem que modificar algo para outra coisa. Princípio de Shiva. Qualquer intervenção será uma alteração do meio. Quando se põe um gerador eólico pra girar, de alguma modo intervem-se no curso das correntes de ar; no meio químico com baterias… there’s no free lunch, como dizia o filósofo de constatações prontas.
    A questão é o que mais perturba ou o que menos perturba o ambiente. Nada é indolor.

  5. A riqueza absurdamente acumulada por um punhado de maiorais, se distribuída coletivamente, não vai resolver os problemas do mundo mas ela vai impedir que tais problemas sejam solucionados.

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