Além das fake news: o desempenho da economia no atual governo, por Fernando de Aquino

Os indicadores apresentados evidenciam que o desempenho ultrajante da economia brasileira vai muito além das dificuldades trazidas pela pandemia.

Agência Brasil

Além das fake news: o desempenho da economia no atual governo

por Fernando de Aquino

                Também na área econômica, o governo que está encerrando o mandato abusou de fake news, difundindo resultados que apenas parecem favoráveis, enquanto os desfavoráveis são sempre atribuídos a efeitos da pandemia ou da guerra. É preciso atentar, dentre outras, para duas condições que podem tornar os resultados enganosos, mesmo quando de fontes de reconhecida idoneidade e excelência.

                Algumas vezes, a aparente melhoria de uma variável reflete apenas a recuperação dos efeitos de um choque adverso, como a pandemia, podendo, eventualmente, se tratar mesmo de uma recuperação insatisfatória. Outras vezes, com o propósito de sintetizar resultados em poucos valores, até para simplificar a divulgação e o entendimento da informação, junta-se famílias, empresas, trabalhadores, preços ou quantidades de diferentes produtos em valores médios ou valores totais, ocultando as consequências sobre os diversos componentes. Assim, impede-se de identificar efeitos essenciais, como cresceu pra quem? gerou empregos de que qualidade? baixaram os preços para quais consumidores?

                Numa avaliação objetiva e imparcial, importa iniciar com uma tragédia que não deve ser esquecida, de perdas de nosso bem mais valioso, as vidas humanas, na pandemia. O Brasil, com 3% da população mundial, teve 11% das mortes por Covid19, em grande medida em função da campanha contrária ao distanciamento social e dos atrasos na aquisição e disponibilização de imunizantes.

                Indicadores econômicos mais tradicionais e cobrindo todo o período do atual governo também mostram resultados muito desanimadores. De 2019 a 2022, o crescimento do PIB brasileiro será pífio, 1,1% a.a., com 2,2% a.a. no mundo e 4,8% na China (estimativas FMI), todos enfrentando a Covid19 e o governo brasileiro tendo afirmado priorizar a economia. Com a maior taxa real de juros, entre as 40 economias mais relevantes do mundo, desde março de 2022, e já entre as mais elevadas desde o final do ano anterior, os investimentos produtivos permaneceram inviabilizados. Em que pese a independência do Banco Central, principal agente na determinação das taxas de juros, não se deve ignorar a possibilidade de interlocução do governo, para negociar estratégias de política econômica que resultem em taxas de juros menos exorbitantes.

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                Um tradicional e abrangente indicador de bem-estar, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Brasil em relação ao mundo, também para contornar os efeitos da Civid19, apresentou uma queda de 8 posições, da 79ª, em 2018, para a 87ª, em 2021 (PNUD). No mesmo sentido, a remuneração do trabalho, já tão desvalorizada no país, ficou até pior, com a elevação da inflação sem recomposição salarial integral de muitas categorias. Em termos médios, o poder de compra dos rendimentos habituais do trabalho ainda se reduziu 2,4% (PNADC dez/18-set/22), com perda muito maior para os mais baixos, precisamente os rendimentos dos trabalhadores que mais tiveram que reduzir o consumo de bens de primeira necessidade (a PNAD anual estima perda real de 9,7% na média das 10% menores rendas domiciliares per capita, de 2018 ao último dado, de 2021).

                O retorno do Brasil ao Mapa da Fome da ONU é consistente com esse desempenho, de modo apavorante. De acordo com o indicador adotado pela FAO/ONU – Prevalência da Insegurança Alimentar Grave na População Total – o Brasil passa de 1,9%, no triênio 2014-2016, para 7,3%, no triênio 2019-2021, 2,8 vezes maior. O mesmo indicador cresceu para o mundo, em função da pandemia, de 7,7% para 10,7%, mas apenas para 0,4 vezes maior. Pesquisa específica para o país, realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), apresenta valores compatíveis e mais recentes para aquele indicador – 5,8%, em 2018; 9,0%, em 2020; e um avanço expressivo, após 1 ano e 4 meses, entre o final de novembro de 2021 e abril de 2022, alcançando 15,5%. Observe-se que é um movimento contra intuitivo, do ponto de vista apenas da redução da Civid19, pois se esperaria uma queda dessa Prevalência da Insegurança Alimentar Grave.

                Os indicadores apresentados evidenciam que o desempenho ultrajante da economia brasileira vai muito além das dificuldades trazidas pela pandemia. Decorre de uma orientação ideológica anacrônica, baseada na narrativa insustentável de que o livre mercado propiciará ganhos de eficiência, produtiva e alocativa, bem como uma sociedade meritocrática, onde cada um será remunerado de acordo com sua produtividade. É uma narrativa conveniente para destruir instituições e políticas públicas, ampliando oportunidades de ganhos excepcionais para poucos, sem mérito ou risco, e degradação para cada vez mais indivíduos.

Fernando de Aquino, economista. Conselheiro coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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