A ponta do iceberg, por Roubini

Por Romanelli

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Do Estadão

A Grécia é apenas a ponta do iceberg

Precisamos reconhecer que estamos no estágio seguinte da crise financeira. A questão iminente é a dívida do setor público. Hoje é a Grécia. Amanhã serão outros países

NOURIEL ROUBINI, GLOBAL VIEW POINT – O Estado de S.Paulo

Crises financeiras são muito frequentes na história. Elas são causadas por bolhas insustentáveis que estouram, e pelas alavancagens de dívidas e riscos excessivos assumidos pelo setor privado durante a bolha. Na esteira da recessão econômica, como parte da resposta a ela, dívidas e déficits governamentais crescem para níveis insustentáveis que podem causar calote ou inflação se não forem corrigidos. A crise que estamos atravessando agora segue esse padrão.

Fala-se muito, hoje em dia, em “desalavancagem” (redução do endividamento dos agentes econômicos), mas os dados mostram que esse movimento mal começou. Os índices de endividamento tanto no setor corporativo como no familiar nos Estados Unidos basicamente se estabilizaram em níveis elevados.

Ao mesmo tempo, estamos vendo uma “realavancagem” maciça no setor público, com déficits orçamentários da ordem de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). O Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimam que o estoque de dívida pública em economias avançadas dobrará e atingirá nível médio de 100% do PIB nos próximos anos.

Isso tudo é realmente muito típico do que ocorre numa crise financeira. O que explica essa realavancagem? Primeiro, “estabilizadores automáticos” (como a compensação do desemprego) entram em jogo durante a recessão. Segundo, políticas fiscais contracíclicas (como cortes de impostos e aumento de gastos) foram implementadas por governos para evitar a depressão porque a demanda privada estava em colapso. Terceiro, decidimos socializar parte dos prejuízos privados nos setores financeiro, corporativo e imobiliário e colocá-los no balanço do governo.

Assim, há um crescimento maciço da dívida pública. E a lição da história é a de que, a menos que esse crescimento da dívida soberana acabe sendo enfrentado com elevação de impostos e controle dos gastos, há somente dois resultados possíveis: calote ou inflação alta.

Historicamente, já vimos uma série de calotes e crises de dívida soberana tanto em economias de mercado emergentes como avançadas.

Quando se é um país como Estados Unidos, Grã-Bretanha ou Japão, que podem monetizar seus déficits fiscais, não haverá um evento de dívida soberana, mas inflação alta, que corrói o valor da dívida pública. A inflação é, portanto, uma transferência de capital de credores e poupadores para tomadores de empréstimos e gastadores de poupança.

Apesar de os mercados estarem preocupados com a Grécia neste momento, ela é apenas a ponta do iceberg, ou o canário na mina de carvão de um leque muito mais amplo de crises fiscais. Hoje é a Grécia. Amanhã serão Espanha, Portugal, Irlanda e Islândia. Mais cedo ou mais tarde, Japão e Estados Unidos estarão no centro do problema, abalando a economia global.

Precisamos reconhecer que estamos no estágio seguinte da crise financeira. A questão iminente não são as dívidas do setor privado, mas as obrigações do setor público. A recuperação do crescimento econômico sozinha não gerará receita fiscal suficiente para aliviar essa crise da dívida soberana. Os déficits fiscais são enormes e estruturais.

Eles não se devem exclusivamente a uma recessão cíclica do crescimento, mas a compromissos de longo prazo, como aposentadorias, previdência social e assistência médica. Para evitar calote ou inflação alta, as economias avançadas vão precisar de alguma combinação de elevação da receita com impostos e corte de gastos públicos.

Na Europa, onde as taxas de impostos já são muito altas, o ajuste correto é cortar gastos em vez de elevar ainda mais os impostos. Nos EUA, a carga tributária média como proporção do PIB é bem mais baixa que em outras economias avançadas. O ajuste correto para os EUA seria aumentar gradualmente as receitas de forma a não comprometer a recuperação e simultaneamente controlar o crescimento dos gastos públicos. O que mais me preocupa é o engarrafamento político em Washington.

Na Grécia (que paga mais de 12% ao ano para financiar seus bônus de dois anos), Espanha ou Portugal, os mercados estão forçando um ajuste. Apesar da recessão, os investidores estão lhes dizendo para resolver seus problemas ou falir.

Infelizmente, não há um ajuste assim sendo forçado em Washington porque o mercado não despertou para os perigos futuros. Atualmente, pode-se tomar dinheiro emprestado pagando de zero a 3,6% ao ano no máximo. Por isso, o sistema político vai resistir a uma consolidação fiscal. Isso significa que o risco de ocorrer alguma coisa séria nos EUA nos próximos dois ou três anos é significativo. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

O AUTOR É PROFESSOR DE ECONOMIA NA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK

Luis Nassif

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