As razões da estagnação da economia brasileira

Em vez de rever a teoria, à luz dos fatos, o governo muda as hipóteses. Agora, recorre aos argumentos ad terrorem, de que a flexibilização do teto de gastos transformará o Brasil em Venezuela em 24 horas.

A Semana de Economia, da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, permitiu um bom apanhado sobre dois temas: as razões da atual fase de estagnação da economia brasileira; e as causas do país ter perdido o bonde do desenvolvimento. O segundo ponto deixo para um outro artigo.

Em sua apresentação, Demian Fiocca expos os argumentos de Larry Summers, o economista que vem comandando as revisões nos diagnósticos sobre crises e, especificamente, sobre o fenômeno da estagnação secular.

Ha duas abordagens sobre estagnação secular, uma que foca em questões de oferta, na perda de capacidade de produção da economia, e outra que foca na demanda, ou seja, na incapacidade da economia de aproveitar todo seu potencial.

Nas abordagens de demanda, em geral o problema está nas mediações entre lucro e investimento.”

Larry Summers traz para a discussão a questão da concentração de lucros.

O desafio da demanda – principal fator da estagnação secular – não vem dos salários, que são gastos, mas da concentração do lucro. Nos últimos anos, dobrou a parcela dos ricos na renda nacional americana. Os 1% mais ricos passaram de 10- a 20% da renda nacional.

Quando se analisa o perfil das empresas, quem obtém o lucro, quem tem acesso a financiamentos e equity, são empresas com perfil de Amazon, Facebook, Google. No seu caso, dificilmente o lucro volta para a economia. Ao contrário de empresas de infraestrutura, por exemplo, cuja capitalização era garantia de aumento dos investimentos.

A grande questão é que as políticas macroeconômicas falharam, e antes da crise de 2008 o crescimento se manteve com medidas artificiais. Os cinco anos anteriores, de crescimento, só foram possíveis devido às distorções do excesso de crédito e do sobre investimento em habitação, que garantiu um crescimento da ordem de 0,5% a 1,5% ao ano entre 2002 e 2007, segundo Summers. Em caso de nova crise, como será feita a transição fiscal e de juros, sem espaço para isso?

De 2004 a 2013 o Brasil cresceu 4,5% ao ano. O mistério maior não é a crise de 2015, onde houve uma freada de arrumação, mas a continuidade da estagnação, mesmo com queda da inflação e dos juros.

Na crise do subprime, o Brasil conseguiu contornar a crise de crédito com a atuação dos bancos públicos. De 2016 em diante houve grande mudança no perfil de sua atuação. Em 36 meses, bancos públicos tiraram da economia 5,8% do PIB e os bancos privados colocaram apenas meio por cento ao ano. Se bancos públicos tivessem mantido a oferta de crédito, estima Demian, haveria 2 pontos a mais na demanda.

Nelson Barbosa identifica quatro fatores para explicar a estagnação:

  1. Efeitos da grande recessão de 2014-2016
  2. Estratégia de política econômica de Temer-Bolsonaro.
  3. Piora no cenário internacional a partir de 2018
  4. Incerteza institucional com politização da Justiça e judicialização da política, levando ao chamado apagão das canetas – funcionários de bancos públicos relutando em assinar qualquer contrato com receio da criminalização imposta pelo Ministério Público.
  5. Cenário político instável.

Barbosa cita estudos de Manoel Pires e Bráulio Borges sobre o aperto fiscal. A medida correta é a variação do déficit primário, corrigindo pelo ciclo: ou seja, qual seria o resultado esperando se a economia estivesse operando em pleno emprego. Por essa métrica, o país estaria há três anos com contração fiscal de 0,7% do PIB.

A lógica do governo é proceder a um ajuste fiscal de tal ordem que devolverá a confiança ao investidor, de tal maneira que o gasto privado possa aumentar mais que proporcionalmente à queda do gasto público.

A hipótese de Barbosa é a chamada histerese (de acordo com o dicionário, é a capacidade de um sistema preservar uma deformação efetuada por um estímulo).

Muito tempo de inflação elevada gera indexação. Muito tempo de produto permanentemente abaixo do seu potencial, cria desestímulo adicional ao investimento privado.

Em vez de rever a teoria, à luz dos fatos, o governo muda as hipóteses. Agora, recorre aos argumentos ad terrorem, de que a flexibilização do teto de gastos transformará o Brasil em Venezuela em 24 horas.

As propostas de Barbosa são:

  1. Manter estratégia de reformas estruturais.
  2. Atenuar restrição fiscal no curto prazo para garantir programas essenciais (saúde, educação e segurança) e recuperar investimentos mais rapidamente em infraestrutura e habitação.
  3. Com taxas de juros atuas, financiar aumento do investimento com emissão de dívida pública.
  4. Nova meta fiscal, de gastos correntes, excluindo investimentos, com cláusula de ajuste automático de despesas (em caso de recessão).

O Índice de Bons Tempos Econômicos

Um trabalho interessante foi apresentado por Daniela Campelo.

Ela criou um Índice de Bons Tempos Econômicos casando duas variáveis: preços de commodities e taxas de juros americana. O ponto ótimo é preços de commodities em alta e taxas de juros em queda. E vice-versa.

O índice é interessantíssimo, especialmente nos momentos de inflexão, onde se casa perfeitamente com a perda de popularidade dos governantes e em sua capacidade de se reeleger.

Por exemplo, houve uma reversão forte em metade dos anos 60 e no começo dos anos 80. No primeiro caso, comprometeu a democracia; no segundo, erodiu a ditadura.

Segundo esse índice, 2003 a 2010 foi um período sem precedentes na América Latina, com todos os ventos a favor. A reversão começa em 2010, justamente o início do governo Dilma.

As desonerações de Dilma foram praticadas, também, em outros países da América Latina. A diferença maior, que levou ao impeachment, foi o desrespeito ao resultado das eleições de 2014.

O GGN prepara uma série de vídeos explicando a interferência dos EUA na Lava Jato. Quer apoiar esse projeto? Acesse www.catarse.me/LavaJatoLadoB e saiba mais.

Luis Nassif

7 Comentários

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  1. Quantos % foram provocados pela lava a jato?
    Efeitos da grande recessão de 2014-2016 -Lava a jato e Congresso não deixaram a Dilma Governar
    Estratégia de política econômica de Temer-Bolsonaro.
    Piora no cenário internacional a partir de 2018
    Incerteza institucional com politização da Justiça e judicialização da política, levando ao chamado apagão das canetas – funcionários de bancos públicos relutando em assinar qualquer contrato com receio da criminalização imposta pelo Ministério Público. Cenário político instável.
    Resumindo, se não fosse a Lava a Jato e o Golpe, a destruição da Petrobras, Empresas de Engenharia e Estaleiros como seria o Brasil hoje?

  2. Vejam as propostas do Barbosa. Essa é a nossa “esquerda”:
    “Manter estratégia de REFORMAS estruturais.”
    “ATENUAR a restrição fiscal (…)”
    E nem uma palavra sobre os juros da dívida. Aliás, que dívida seria essa? Em termos exatos, ninguém sabe.
    Meu amigo, deu para entender por que o povo vota um dia na “esquerda” e no outro na direita?
    Qual é a diferença prática?
    Uma aplica o capitalismo por via oral e a outra na veia.

    “Os bancos nunca lucraram tanto como no meu governo!” (Lula)

  3. Luis Nassif,
    Um post interessante. Já há mais cuidado com a análise. De todo modo, tenho estado muito atento a parágrafos como o que transcrevo a seguir:
    “As desonerações de Dilma foram praticadas, também, em outros países da América Latina. A diferença maior, que levou ao impeachment, foi o desrespeito ao resultado das eleições de 2014.”
    O meu apego ao parágrafo acima prende-se ao fato de que a primeira frase é bem próximo de uma negação de toda a crítica que por quatro anos você fizera ao governo da ex-presidenta às custas do golpe Dilma Rousseff. Esta negação é ainda mais fortalecida quando se leva em conta parágrafo anterior em que você diz:
    “Segundo esse índice, 2003 a 2010 foi um período sem precedentes na América Latina, com todos os ventos a favor. A reversão começa em 2010, justamente o início do governo Dilma”
    A segunda frase do primeiro parágrafo que eu transcrevi acima também me chama bastante atenção. Diz você:
    “A diferença maior, que levou ao impeachment, foi o desrespeito ao resultado das eleições de 2014”.
    Ficou um pouco falho a frase na medida que o erro da ex-presidenta às custas do golpe Dilma Rousseff não foi adotar uma política econômica equivocada, mas sim, o de desrespeitar o resultado das eleições de 2014. Em suma se Aécio tivesse ganho, e adotado a política econômica que a ex-presidenta às custas do golpe Dilma Rousseff adotou não teríamos entrado em uma crise.
    Não sou economista, não tenho portanto nenhuma autoridade mas sempre gosto de enfatizar que eu defendo a política adotada pela ex-presidenta às custas do golpe Dilma Roussefff em 2014. E faço esta defesa com base em três fatores que sofreram variações expressivas no segundo semestre de 2014, e que são os seguintes: queda do preço das commodities, queda da receita e queda do real ou valorização do dólar. Poderia mencionar um quarto e que seria o déficit nas transações correntes que requeriam medidas mais drásticas na economia.
    E me apoio também em artigo de Fernando Nogueira da Costa que foi publicado no seu blog no post “Tática fiscalista e estratégia social-desenvolvimentista, por Fernando N. da Costa” de quarta-feira, 03/12/2014, reproduzindo artigo de mesmo título publicado no Brasil Debate, e que pode ser visto no seguinte endereço:
    https://jornalggn.com.br/artigos/tatica-fiscalista-e-estrategia-social-desenvolvimentista-por-fernando-nogueira-da-costa/
    Deixo também indicado o post “A imprensa internacional e o comunicado da ONU, por Luis Nassif” de segunda-feira, 20/08/2018, publicado aqui no seu blog e de sua autoria e que pode ser visto no seguinte endereço:
    https://jornalggn.com.br/analise/a-imprensa-internacional-e-o-comunicado-da-onu-por-luis-nassif/
    Chamo atenção para o post “A imprensa internacional e o comunicado da ONU, por Luis Nassif” em razão de longo comentário meu, enviado quinta-feira, 31/08/2018 às 16:44, para Válber Almeida, junto a comentário dele enviado segunda-feira, 20/08/2018 às 10:26. No comentário há vários links. Um muito importante é o que trata da despesa e receita no período e que pode ser visto no seguinte endereço:
    https://web.archive.org/web/20170628195926/http://abacusliquid.com/pec-241-gastos/
    Pelo gráfico vê-se que o total anual das receitas começa a cair a partir de junho de 2014, e em outubro de 2014, a receita encontra-se com o total das despesas que até então mantinha ligeiramente menor do que a receita.
    O segundo gráfico importante é o de preços de commodities em 2014 e 2015. Os preços começa a cair em junho de 2014, em outubro há uma forte queda que um pouco mais fraca permanece até junho de 2015. Um gráfico geral que talvez permita esta pesquisa é o que pode ser visto no seguinte endereço:
    https://www.indexmundi.com/commodities/
    E o terceiro link que valeria a pena ver é o do comportamento do câmbio naquele período. Eu consegui um link para o câmbio do real para o dólar apenas de agosto de 2014 para cá no Uol no seguinte endereço:
    https://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/
    Do final de 2014 em diante o dólar sobe até março de 2016, de lá em cai até chegar a uma estabilidade voltando a subir a partir de janeiro de 2018. Se se pega a curva do rublo russo e da lira turca em relação ao dólar vai se verificar muita semelhança com o que ocorre com o câmbio do real. Eu creio que o câmbio é importante. Eu preconizo uma desvalorização de 100% do real para tirar o Brasil deste atoleiro.
    Hoje vi na Globo News uma entrevista com Armínio Fraga Neto. Queria ouvir não a resposta mas o ar de sem fala de Arminio Fraga à pergunta de algum dos jornalistas sobre a proposta de tirar a maioria das pessoas do desemprego com uma desvalorização de 100% do real. Infelizmente ninguém perguntou. Nesse sentido destaco o comentário de Vitor K., enviado hoje, 11/09/2019 às 15:05, aqui neste post e que tinha o seguinte teor: “Nassif, onde entra ou deveria entrar o câmbio nessa análise?”.
    Falei muito sobre o segundo governo da ex-presidenta às custas do golpe Dilma Rousseff em um longo comentário que hoje se encontra no final do post “Xadrez do fator é a economia, estúpido!, por Luís Nassif” de quarta-feira, 30/08/2017, junto a comentário de Júnior 5 Estrelas e que pode ser visto no seguinte endereço:
    https://jornalggn.com.br/coluna-economica/xadrez-do-fator-e-a-economia-estupido-por-luis-nassif/
    Recentemente lendo os comentários junto ao seu post “A censura prévia no evento Direitos-já” de domingo, 08/09/2019, vi o ótimo comentário de Boeotorum Brasiliensis, enviado segunda-feira, 09/09/2019 às 01:20, e que foi em seguida elevado a post com o título “O papel das oposições e do PT” de segunda-feira, 09/09/2019, aqui no seu blog.
    O post “A censura prévia no evento Direitos-já” pode ser visto no seguinte endereçpo:
    https://jornalggn.com.br/noticia/a-censura-previa-no-evento-direitos-ja/
    E o post “O papel das oposições e do PT” pode ser visto aqui:
    https://jornalggn.com.br/noticia/o-papel-das-oposicoes-e-do-pt/
    Eu até pretendia fazer um reparo em parágrafo primeiro do comentário e depois do post “O papel das oposições e do PT” que transcrevo a seguir:
    “Também não reconheço na Presidenta Dilma a habilidade e a liderança bastantes para tê-la considerado uma boa governante. Sem duvidar, por um átimo de segundo, da sua lisura, empenho e de suas boas intenções no exercício da presidência, considero que a condução do País no segundo mandato foi desastrosa. Acredito firmemente que rendeu-se à pressão do mercado, com ressonância multiplicada à enésima potência e reiteradamente pela Globo. É impossível negar que ela, senão deu causa à crise da economia e ao desemprego, foi seu catalizador positivo, iniciando e acelerando a reação.”
    Tudo isso são águas passadas. E há mesmo consenso sobre o que o Boeotorum Brasiliensis diz. O meu reparo consistiria em lembrar que embora haja consenso em dizer que o segundo mandato da ex-presidenta às custas do golpe foi desastroso, o consenso pode se assemelhar ao consenso da época em que se acreditava que o sol girava ao redor da terra. Em minha avaliação o entendimento sobre a realidade econômica brasileira é primário.
    Um passo importante para compreender o que aconteceu com a economia brasileira no período é ter conhecimento que o PIB brasileiro de ponta a ponta caiu 7% em 2015. Desde então ele tem crescido a taxas absurdamente baixas.
    O segundo passo importante para a compreensão do atual quadro econômico brasileiro seria convocar Guido Mantega e Joaquim Levy e com a mediação de Fernando Nogueira da Costa para que eles durante uma semana pudessem discutir o que aconteceu com a economia brasileira.
    Depois disso com dados de maior detalhamento, valeria a pena convocar os alunos dos cursos de economia no país a pesquisar com maior grau de detalhamento mediante a maior desagregação possível dos setores o desenrolar da economia brasileira no século XXI. Enfim, há muita opinião, mas poucos falam com conhecimento aprofundado de uma realidade que me parece cada vez mais complexa de tal forma que todos parecem leigos como eu.
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 11/09/2019

  4. O país não sai do atoleiro nem sairá porque:
    – em primeiro a lava jato que destruiu e continua a destruir a economia e os empregos
    – o tal limite de gastos imposto pelo desgoverno temer
    – o desemprego de 12,5%
    – mais de 40 milhões de brasileiros vivendo de bicos
    – arrocho salarial
    – medo do desemprego
    – enorme endividamento das famílias por causa do desemprego
    – redução em todos os programas sociais,
    – peso do juros pagos pela dívida
    – incompetência absurda do desgoverno bolsonaro onde não se encontra um sequer que não seja negociante ou que tenha noção de qualquer coisa
    – a enorme quantidade de funcionários públicos que acha que pode enriquecer com o serviço público(concentrados especialmente no judiciário de maneira geral e ministério público.)
    – os próprios brasileiros que não conseguem compreender a importância da política, da democracia e do estado de direito em nossas vidas.

    Creio que o Brasil se tornará um país muito mais pobre e sem chances de progresso em curtíssimo prazo, tipo uma somália ou coisa pareida.
    Dou cinco anos de prazo para isto ocorrer.

  5. O país deveria tentar concretizar “A Instituição de Poupança Pública”, como na coletânea homônima do Luís Fernando Azevedo Lopes, para tentar combater a pobreza.

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