A indiferença é a origem do massacre em Manaus, por Janio de Freitas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Marlene Bergamos/FSP

Jornal GGN – Frente ao massacre em Manaus, o festival de distribuição de culpas começa. Discutir alivia. Mas o fato é que o país deveria se horrorizar pelas condições a que os encarcerados são submetidos em nossas prisões. Quem diz é Janio de Freitas, em sua coluna de hoje na Folha.

Para ele, quando um fato de tal monta acontece, as reações de horror são distribuídas em grupos, mas não existe a revolta  ativa contra o acontecimento e sua viabilidade. É só um distrair de atenções que logo são desviadas para outras crises, outras indiferenças.

E é um interminável esquecer de temas que estão na nossa cara e deveriam ser alvo de nossa revolta. São prisões provisórias que se eternizaram, a tortura da promiscuidade nos cárceres superlotados, a incompetência de sempre ao se exigir mais prisões quando estes erros não são sequer abordados. É o jeitinho brasileiro que se horroriza com os fatos mas não vai atrás de uma solução efetiva, que é barrar a criminalidade com escolas e oportunidades desde a mais tenra idade.

Leia a coluna de Janio de Freitas a seguir.

da Folha

A indiferença é a origem do massacre em Manaus

por Janio de Freitas

O país todo está horrorizado. Discute se a culpa é do Judiciário ou dos governos, dos políticos ou da legislação penal e, claro, das garras da corrupção sobre as verbas do sistema carcerário. A discussão é fácil e aliviante: cada uma daquelas partes colaborou nos movimentos dos facões que degolaram e esquartejaram em Manaus. Mas o país deveria horrorizar-se antes, em qualquer das dezenas de anos do seu conhecimento e da sua indiferença pelas condições –criminosas tanto nas leis brasileiras como nos acordos internacionais– a que os encarcerados são aqui submetidos. Não o fez jamais.

Aquelas quotas de responsabilidade e o massacre em Manaus provêm da mesma origem: a indiferença que faz com que reações como o horror sejam o reflexo do incômodo, pessoal e grupal, que dado acontecimento provoque, e não a revolta ativa contra o acontecimento e sua viabilidade. Desviadas as atenções para outra atração, o horror desaparece devorado pela indiferença. É a índole brasileira em atividade.

A grande maioria das sentenças a encarceramento não leva ao que o juiz determina –privação da liberdade por tempo determinado.

O mais importante da condenação não aparece na sentença: é o tratamento que o encarcerado receberá. A tortura da promiscuidade nojenta nos cárceres superlotados, comida e dejetos humanos unidos no odor e no ambiente, medo e alucinação. É tortura sob formas a que as instituições brasileiras são secularmente indiferentes.

Aquelas mesmas que, originadas na escravidão aqui mantida até o último limite, transpuseram-se para as relações econômicas, sociais e culturais da classe escravagista e seus novos subjugados –os ex-escravos abandonados no tempo e no espaço, acrescidos da miséria cabocla. Qualquer cidade é um atestado vivo de que o Brasil não teve mudança essencial com o fim formal da escravidão.

Dos 622 mil encarcerados, mais de 40%, ou cerca de assombrosos 250 mil, estão sob prisão “provisória” há meses, há anos, que deveriam durar 30 dias, se tanto. Ou nem isso, porque esses “provisórios”, se e quando afinal chegam ao julgamento, na maioria são absolvidos.

Logo, nem sequer precisariam ou deveriam passar por prisão provisória. No Amazonas, dos 4.400 encarcerados, 2.880, ou 66%, são presos “provisórios”. Não menos expressivo da secular e perversa indiferença brasileira: cerca de metade dos sentenciados à cadeia não cometeu crime violento. Ao menos parte, portanto, e o provável é que grande parte, conforme o Direito Penal menos obsoleto, deveria cumprir penas alternativas, sem chegar ao cárcere.

A maioria dos “especialistas”, além da superficialidade que sobrevive a todos os massacres e incidentes penitenciários, continua a reclamar por mais cárceres, considerando uma carência de 240 mil a 250 mil vagas. Melhor seria passar por um crivo os 250 mil presos “provisórios” e os passíveis de penas alternativas. O resultado provável é que o número de cárceres não é o problema nem a solução propalados.

A oferta de incentivo, ensino e trabalho talvez lhes pareça, afinal, a melhor maneira de inverter o avanço permanente da disponibilidade de crianças e jovens para a marginalidade, vestibular do crime.

O oposto à política econômica e social do governo Temer.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. Até hoje, não entendi e

    Até hoje, não entendi e jamais vou entender, por que os presos no Brasil estão por tempo determinado e não se consegue saber quantos estão presos e que dia deveriam ser postos em liberdade. E mais: por que a direção do presídio não pode cumprir a ordem judicial de soltá-los nos dia que vence sua pena?

    Depois ficam sem saber como suge as facções políticas nos presídios, facções essas que já se tornaram movimentos políticos revolucionários, que nossa “inteligência” se recusa a acusar sua existência.

  2. Plano de segurança da quadrilha

    Vi um segundo do traíra em rede globo News, tudo dele aparece em rede, NBR2, crítica zero… Falando em “plano de segurança” feito pelo Kojac para defender os presidiários kkk que contradição, um governo de extrema direita, a favor dos direitos humanos…

    Quanta eficiência, dias depois do massacre, já com um plano de segurança para os presídios… Quanta cabeça, claro do Kojac. Temer aparece apenas porque estava sendo puxado a orelha até pela Globo por não ter se pronunciado… Deu na ONU… 

    Depois, o tal plano, que ninguém sabe ninguém viu ou foi indevidamente apropriado pelo Kojac, a conferir, será homologado pela claque do dia do mordomo…

    Ao lado, a múmia paralítica do Quadrilha, já esquecido, autoridade impoluta a cuidar dos presidiários. Mais uma piada pronta, Quadrilha-Presídios. Faltou chamar o STF para chancelar esse ato da Justiça brasileira…

  3. O sistema carcerário, visto de dentro

    Estudar Sociologia e Política na FESPSP, onde o professor e articulista do GGN Aldo Fornazieri é diretor, é um privilégio. Escola pequena, professores de alto padrão e qualificação, todos se conhecem pelo nome, e um adicional, que não existe no mesmo curso na PUC ou na USP, que é a rica convivência com colegas oriundos da quebrada. E a realidade dura da vida cotidiana na perifa, da PM que mata e o pé na porta do barraco. 

    Nos dois anos que passei lá (2013/2014), convivi com um colega e amigo da quebrada que, envolvido involuntariamente num caso, acabou puxando 8 meses encarcerado em um presídio da grande SP. Ele se definia 4P – preto, pobre, perifa e PT. Nesse tempo de 2 anos, contou em detalhes o dia a dia lá dentro, e a total predominância do PCC, a maioria da população brasileira sequer faz ideia do tamanho e das proporções que o PCC assumiu, chegando a se confundir com o Estado. O PCC garante a vida das famílias dos presos com dinheiro obtido através de rifas de carros e apartamentos novos, só para dar um exemplo. 

    Em 2013, o trabalho de Antropologia I previa um relato de observação de um fato, uma situação de livre escolha, para ser lido em sala de aula. O colega, assessorado por amigas, produziu um longo e minucioso relato do que foram os 8 meses lá dentro. Ao final da leitura, a sala estava paralisada, a professora muda. 

    Ao longo das nossas conversas e convivência – participamos da convenção do PT no Ginásio da Portuguesa, em junho/2014 -, ele sempre manifestava profunda mágoa, revolta  e inconformismo pelo fato de o PT, aquela altura já há 12 anos no governo (no Poder, jamais) não ter mexido uma palha para melhorar e humanizar o sistema prisional. Não passou pela cabeça do meigo Zé Cardozo, sempre atarefado com a sua tese de doutorado em Salamanca. 

    1. Fernando, caro

      “Melhor seria passar por um crivo os 250 mil presos “provisórios” e os passíveis de penas alternativas. O resultado provável é que o número de cárceres não é o problema nem a solução propalados”.

      Se juntarmos isso que o Jânio escreve e o relato de seu colega 4P servissem para uma revisão inteligente e humanista dos sistemas penal e carcerário brasileiros, e o primeiro deles que estivesse cumprindo penas alternativas cometesse qualquer deslize, logo as folhas e telas cotidianas propalariam sobre a impunidade que nós, defensores dos direitos prisionais, permitimos.

    2. Mas por que o PT mexeria…

      Ma por que o PT no poder mexeria uma palha para melhorar a condição das cadeias, se construir cadeia não dá voto? Jogar os presos na rua sai mais barato. O que o PT fez foi vender a ilusão de que nossas prisões estão abarrotadas de ladrões de galinha quem poderiam estar cumprindo penas alternativas. Pergunta para o seu colega se era isso mesmo.

  4. Isso tudo vai dar em nada

    Vão fazer como fizeram com Pedrinhas: indignação, debates, procura de culpados, mil soluções serão debatidas e encontradas. Da parte do governo ficarão só esperando a poeira baixar – todo problema que demanda esforço, tempo e dinheiro pra ser resolvido e não afeta político, banqueiro ou empresário é tratado assim, só se espera o assunto morrer. E dai segue a procissão até o próximo evento, quando começa todo o ciclo de novo.

    1. concordo…

      Indiferença não. Vamos dar nomes aos bois. Vivemos sob uma nova Constituição, a Constituição Cidadã há 30 anos. Governos de centro esquerda, pseudo-progressistas quase 3 décadas ininterruptamente. 2017 é o resukltado de todo este período. A quase totalidade destes garotos que morrerarm dilacerados nesta bárbarie em Manaus nasceram sob a proteção destas leis e dos políticos que se sucederam para colocá-la em pratica. A pratica é este Circo de Horrores que pensamos que é uma nação ou um Estado chamado Brasil. A culpa por estes acontecimentos tem responsáveis e de muito fácil identificação. Podem começar pelo Ministro da Justiça e pelo Governador do Estado do Amazonas….

  5. O sistema prisional reflete

    O sistema prisional reflete como a elite que manda nesse país vê o seu povo = inseto (sim, a memsa denominação que os nazistas usavam pra se referir aos judeus). A violência bestial de um presídio (masmorra segundo o nosso grande Zé Cardoso, o jênio ) só muda de escala num posto de saúde onde uma vez eu e minha mãe, com inicio de pneumonia, ficamos o dia inteiro e que terminou com o sumiço da ficha da minha mãe – e portanto, ela teria que esperar pra passar de novo pelo médico pra fazer o procedimento. Ela não suportou a humilhação e pediu pra ir pra casa. No outro dia, ela piorou muito e tivemos que levá-la a um hospital, em que ela ficou quase um mês internada, com pneumonia. 

  6. E graças às políticas do
    E graças às políticas do usurpador o país está caminhando a passos largos para o primeiro lugar mundial na formação de mão de obra infantil especializada em vender balas no sinal de trânsito, vestibular para ascender a função de avião do tráfico. Se não morrer antes como soldado do traficante vai entrar no círculo vicioso de morte do sistema prisional antes de completar 20 anos de vida.

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