do Brasil de Fato
Para tratar rejeito tóxico, Vale atormenta moradores do Bairro Pires, em Brumadinho
Por Pedro Stropasolas, de Brumadinho (MG)
A única coisa que separa o Pires do rio Paraopeba é o trilho dos vagões carregados de minério de ferro. No bairro de difícil acesso, a 4km do centro de Brumadinho, as casas simples encravadas na Mata Atlântica são quase invisíveis para quem não sobe pelas ruelas esburacadas e sem pavimentação. Para a mineradora Vale e o poder público municipal, é também como se os moradores do Pires fossem invisíveis.
“Aqui não tem nada, não tem esgoto, não tem asfalto, pra eu carregar os blocos para construir essa casa tive que buscar na linha, de carroça”, desabafa Fátima de Jesus, há 20 anos na comunidade.
Passados mais de seis meses do crime cometido pela Vale em Brumadinho (MG), as 70 famílias do Pires convivem com a indefinição sobre o destino dos rejeitos de mineração vazados da Barragem I, da Mina Córrego do Feijão. A comunidade fica a 18km do local da tragédia que vitimou 248 pessoas em janeiro.
O bairro é localizado no trecho do rio Paraopeba onde ficou concentrada a lama argilosa tóxica vazada pela Vale, no ponto de confluência com o córrego Ferro-Carvão. Além de perder o rio, antes espaço de lazer e fonte de renda, os moradores do Pires se tornaram vizinhos da Estação de Tratamento de Água Fluvial (ETAF) Ferro-Carvão. A promessa da Vale: limpar a água do Paraopeba.
“Eu não entendo. A população não vai entender. O problema vai começar ainda. Daqui uns tempos é poeira. E depois que eles fizerem esse negócio aí em cima que eu não sei o procedimento do trabalho deles vai ser muito mais que arrebentar duas, três barragens do jeito dessa aí”, desabafa o morador Jorge Rocha, terceirizado em jardinagem pela prefeitura.
A esposa Maria Aparecida da Rocha, sentada ao seu lado, lembra com indignação do início das obras, em meados de maio, quando a comunidade se pôs em frente aos caminhões contratados pela mineradora e só foi retirada pela Polícia Militar. “A Vale tá destruindo nós. A Vale não tá agarrada com nós, não. Ela quer que nós morra”, desafaba.
Sempre na companhia da filha Ticyane, ela convive diariamente com os dois barulhos mais ouvidos no bairro, ambos protagonizados pela Vale: o maquinário da construção da ETAF e o trem da mineradora. “Eu acordo assustada. Ele buzina tanto de madrugada que não deixa ninguém dormir não”, conta.
Aproximadamente 300 hectares foram totalmente encobertos pela lama, sendo 133 hectares de mata atlântica nativa, segundo o Ibama. A mineradora atua nos locais onde o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais já descartou a possibilidade de encontrar os 22 corpos ainda soterrados.
Em janeiro, logo após o rompimento, a comunidade do Pires precisou ser evacuada pelos bombeiros, quando a sirene da Vale anunciou o risco de rompimento de outra barragem da Mina Córrego do Feijão, a B6, que passou por processo de drenagem para ser esvaziada.
Além dos transtornos com a obra em andamento e da inépcia do poder público, a população de baixa renda do Pires permanece carente de pavimentação, iluminação noturna e rede de esgoto. Elas aguardam benfeitorias sociais e de infraestrutura, também prometidas pela Vale, mas que não saíram do papel.
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“Nós não tem nada. Só esse quintal que você tá vendo aqui. Nós não pode chegar nem beirando o rio mais, porque tem risco de a gente pegar uma doença e não ter cura”, desabafa Cida.
Nilton Tavares, que vive há seis anos no Pires, conta que a vida ficou difícil após a destruição do rio Paraopeba. “Como o salário era baixo, dois três peixinhos que a gente pescava, já te dava uma compensação de proteína importante para a alimentação”, relata.
Por conta desse cenário de desesperança, a maioria deseja conquistar o direito de se realocada para um lugar longe do descaso e da lama.
“Se fosse o caso de alguém querer comprar eu vendia até perdendo um bocado, mas também ir pra onde? Sair daqui pra ir pro meu interior o aluguel é um absurdo. É bom pra quem tem dinheiro, sai de uma cidade vai pra outra, mas para mim não”, desabafa Jorge.
O TAMANHO DO IMPACTO VERSUS O TAMANHO DA REPARAÇÃO
“Tem várias formas de atingimento, tem a saúde mental, física a moradia, a segurança alimentar, o direito ao lazer, a convivência comunitária, essas diversas comunidades foram sim atingidas, mesmo que de formas diferentes”, explica.
Aproximadamente 944 mil pessoas foram atingidas pelo rompimento da barragem em 18 municípios cortados pelo Paraopeba. O levantamento foi realizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
MORADORES NÃO SÃO OUVIDOS, MUITO MENOS INFORMADOS
A REPARAÇÃO DA VALE
Os moradores temem perder a renda, já que boa parte não tem trabalho ou perdeu sua fonte de sustento após a tragédia.
O promotor André Sperling afirma que a Vale ainda não apresentou nenhuma garantia de reparação após o fim do pagamento.
“O MP entende que se a pessoa está com a renda e o modo de vida prejudicado em função do desastre, ela tem o direito de receber o pagamento até que ela recomponha o modo de vida”, explica.
Cada pessoa tem direito a receber um salário mínimo por mês (R$ 998), além de uma cesta básica mensal. O acordo não faz distinção por renda. Contempla desde pessoas ricas até pessoas em condição de vulnerabilidade social, como é o caso de muitos no Pires.
VALE COMANDA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO PIRES
No último 29 de julho, a Prefeitura de Brumadinho publicou uma notadeclarando que o processo de regularização fundiária da comunidade do Pires caberá à própria mineradora.
André Sperling esclarece que a Vale comandar o processo de regularização fundiária é vitória para a estratégia jurídica da empresa
“A gente entende que toda a população do Pires tem o direito de ser realocada. A vale não quer fazer o processo de realocação, não quer dar o direito das pessoas irem para outro lugar viver. É evidente que a Vale quer comandar o processo de regularização fundiária, mas eu entendo que isso é uma função do estado. Então a Vale tem que cumprir as obrigações do estado”, esclarece o promotor.
Brumadinho tem quase 100 núcleos urbanos informais, muitos em condições semelhantes ao Pires. A informação vem da oficial de registro de imóveis da cidade, Keziah Alessandra Vianna Silva Pinto, em entrevista ao jornal Estado de Minas, publicada em 30 de julho.
Perguntada pela reportagem do Brasil de Fato sobre como garantirá assistência aos atingidos após o fim do auxílio emergencial, a Vale restringiu-se a informar que “as pessoas que estiverem interessadas em formalizar acordos para indenizações, por danos materiais ou morais podem procurar a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais em Brumadinho”.
FICHA TÉCNICA
Texto, vídeo e fotos: Pedro Stropasolas | Edição: Rodrigo Chagas | Artes: Gabriela Lucena | Edição de vídeo: Marcelo Cruz e Pedro Stropasolas | Versão para rádio: Katarine Flor | Coordenação: Daniel Giovanaz, Vivian Fernandes e José Bruno Lima | Coordenação de Rádio: Camila Salmazio
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