A que horas mesmo?, por Marcondes Araújo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Que Horas Ela Volta?              

Ontem dia 15, fui, convidado por minha esposa, para assistir ao filme: Que Horas Ela Volta? De forma despretensiosa e meio desconfiado,  pela exteriotipizacão do povo, feita pela protagonista do filme, a atriz Regina Casé,  em seu programa global (O Esquenta), acabei indo ver o filme. Eis que fui surpreendido por uma atuação impecável e sem estereótipos.

O filme narra a história de uma mulher, que passou grande parte de sua vida servindo uma família de classe média-alta, da elite paulistana,  e que acreditava  levar uma vida digna e respeitada.  Estando no seu devido lugar, de empregada doméstica,  servindo aos seus nobres patrões.

 Porém,  a chegada de sua filha, vinda do Nordeste,- não aquele da seca e dos taxados de  iletrados,  mas o dos novos  tempos da inclusão social-,  isso causa uma reviravolta dos conceitos preestabelecidos e incutidos na cabeça da serviçal,  que nem como tal se enxergava,  pois se sentia como “parte da família”, porém,  o local e a postura de servidão serão afrontados.

O que surgirá desse embate de gerações (mãe e filha oriundas da mesma matiz cultural),  de classes sociais (patrões elitistas, empregada/serviçal e filha da empregada com outra visão  e leitura de mundo), é uma luz que tirará da invisibilidade, o  fetiche chamado empregada doméstica.

Marcondes Araújo

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. A partir de agora

    Tomara, Marcondes Araujo. Quando da PEC da emprega ouvimos tanta gritaria contra. A empregada, tal qual retratada no filme, e elas ainda existem em muitos lares, ainda é uma herança do Brasil da escravatura.

  2. Casa grande e senzala

    O próximo passo devera ser o de proibir que a empregada durma em locais não apropriados. Acho o mínimo. Já vi coisas que nunca teria imaginado na vida (tudo bem que vivi na Europa, mas…) enquanto estava procurando apartamento (e vi muitos!).

    Empregada é uma trabalhadora, ser humano com os mesmos direitos dos patrões (que palavra horrorosa); não pode ficar num quartinho quase sem luz atrás do fogão ou na área de serviço. Sejamos justos!

    1. Mais regulamentação é bobagem

      Ao invés de determinar que não pode quarto de tal tamanho, em tal localização, isso, aquilo e mais aquilo, o ideal seria condenar os empregos domésticos à extinção. Mas isso não se faz com leis, e sim com o crescimento da economia que gera outros empregos.

      Os supostos benefícios que o governo concede aos empregados nada mais são do que custos indiretos do trabalho. Em qualquer instância, o valor que o empregador está disposto a pagar é determinado pelo mercado de trabalho; quanto deste valor entrará direto no bolso do empregado, e quanto entrará no bolso do governo, isso depende do tamanho dos encargos trabalhistas. A criação do 13o não aumentou o salário dos trabalhadores, apenas redistribuiu pelos 12 meses o total anual que o empregador paga. Do mesmo modo a obrigatoriedade do FGTS para domésticas não aumentará o salário das domésticas, é apenas mais uma fatia que ao invés de entrar no bolso da empregada, junto do salário em carteira, será depositado em bancos do governo.

  3. Vergonha pelo Brasil

    Assistir a “Que horas ela volta” na Europa: passar vergonha pelo Brasil

     

    A blogueira consultora de moda

     

     

    “Val, me traz um copo de água”, por favor?

    “Val, você pode colocar a mesa, por favor?”

    “Val, você pode tirar a mesa, por favor?

    Val, você pode trazer um sorvete para a gente?”

    Esse tipo de pedido é repetido sem parar em “Que horas ela volta”, o filme gênio de Anna Muylaert estrelado com maestria por Regina Casé.

    Val, por favor! Val é a empregada da casa, uma pessoa “praticamente da família”. Val é uma escrava.

    A familia de classe média alta brasileira, sentada na mesa, faz os pedidos, e Val vem e volta. Algumas vezes eles estão sentados na mesa da cozinha, ao lado da Val, mas pedem para ela: “você pode pegar água?” Ela abre a geladeira. Os membros da familia, pai artista, mãe fashionista e filho adolescente gente boa, parecem incapazes. Eles não se movem. Eles não levantam a porra da bunda da cadeira. No meio do filme a vontade é entrar na tela e bater neles.

    Estou em um cinema em Kreuzberg, Berlim, e eu sei que é assim na vida real no meu país. A platéia, formada por brasileiros e alemães, dá risos nervosos. Desconfio que os risos nervosos sejam mais de brasileiros como eu, que conhecem bem essa situação e sabem que a escravidão existe no Brasil de uma maneira sinistra. E de uma forma que a gente ainda não foi capaz de acabar.

    Vez ou outra eu falo nervosa para o alemão: “é assim mesmo”.

    Na saída, encontro uma amiga brasileira, tambem acompanhada de namorado europeu e ela me diz: “deu um pouco de vergonha”. Concordamos que a vergonha é total.

    No café, eu explico para ele. “É assim, não, não na minha família, não com os meus amigos, mas sim, eu conheço gente assim.” “Eu sei, se você está dizendo eu acredito. Mas quem na Europa vai acreditar que essa situação é real? Acho que vão pensar que a diretora é genial, mas que criou uma historia surrealista muito boa, não que isso seja real. Porque isso é muito bizarro. Isso é inconcebível.”

    Cara de vergonha. E repito, pela milésima vez em dois anos: “é assim mesmo! É absurdo! Mas é assim mesmo!”

    Lembro de um ex de esquerda que brincava no inicio dos anos 2000: “ é bom morar no Brasil porque aqui temos escravos”. E gargalhava. Isso antes do politicamente correto chegar e, graças a deus, acabar com esse tipo de humor podre.

    Na minha vida passada recente, eu tinha empregada duas vezes por semana em São Paulo só para catar a minha bagunça. Não sou de família rica. Sou de família de classe média média com momentos de dureza, mas na casa da minha avó sempre teve empregada. Quando eu era bebê meus pais tiveram empregada que dormiu em casa. Eu tive babás por alguns momentos.

    O alemão fala: lembro que a minha mãe dizia que o sonho dela, se ganhasse na loteria, era ter uma empregada domestica.”

    Conto para uma alemã mãe de três filhos que muitas crianças brasileiras não ajudam em casa, não fazem nada, pedem tudo para a babá. Ela diz: “não acredito, mas elas são muito ricas, não?”. “Não, são classe media como você”. Ela faz cara de choque e diz: “fulana, vem aqui ouvir a história que a Nina está contando, você não vai acreditar.”

    Uma criança alemã não pede um copo de água, ela abre a geladeira e pega. Elas não pedem um sanduíche, elas fazem. Tenho dois enteados alemães, sei do que estou falando.

    Há um ano e meio não, não tenho faxineira. Sim, a minha casa vive uma zona. Sim, eu cozinho. Sim, eu lavo louça, sim, eu lavo as minhas roupas e as estendo em um varal. Tentem. É muito fácil. Eu juro.

    Esse não é um texto vira lata falando que, oh, veja bem, a Europa é tão superior. É apenas para dizer que talvez de longe a gente enxergue melhor certas coisas.

    E eu sei mais que nunca que o jeito que patrões como os da Val vivem é inaceitável.

    E eu sei mais que nunca que a escravidão existe sim no Brasil, onde descolados levam babás vestidas de branco para brincar com os filhos na praia do Arpoador enquando eles fumam um e falam de arte.

    Pronto. Falei.

    E obrigado Anna Muylaert, por abrir a porta do armário e mostrar essa realidade para o mundo. 

     

    1. Primeiro que essa descrição

      Primeiro que essa descrição no texto é completamente forçada e esteriotipada.

      Problemas podem haver em qualquer emprego, seja domésticou ou não.

      O fato é que empregos domesticos não estão entre os piores empregos, com certeza.

      Não tem nada a ver com escravidão.

      Mas evidente que nem por isso o avanço dos direitos fica menos importante, é sim um grande benefício e muito justo.

       

    2. Não há motivo para vergonha

      Da maneira como você colocou, você transforma uma questão econômica em uma questão moral. Fica parecendo que os brasileiros têm empregadas domésticas porque são ociosos e tirânicos, e os alemães não as têm porque são diligentes e ciosos da dignidade humana. Mas um comentário seu já abre uma fresta no muro: quer dizer que o sonho da mãe do seu amigo alemão era ter uma empregada doméstica, caso ganhasse na loteria?

      Então, o que devemos concluir? Os alemães não têm empregadas porque acham isso indignante, ou porque não podem pagá-las?

      A questão é puramente econômica. Há empregadas domésticas no Brasil porque há um estoque de mão-de-obra que aceita trabalhar pelo que os patrões da classe média podem pagar. Esses patrões deveriam despedir suas empregadas porque existem pessoas que ficam ofendidas por saber que há lugares no mundo onde é preciso trabalhar duro para ganhar a vida? Se o fizessem, no dia seguinte elas não seriam secretárias, analistas de crédito ou atendentes de telemarketing. No dia seguinte elas seriam empregadas domésticas sem emprego. E com filhos para sustentar.

      Outro sofisma é essa tese de que o emprego doméstico seria um legado da escravidão. Como tantas outras teses repetidas em tom altissonante, essa é uma quase-lógica. Aparentemente é correta: o emprego doméstico é uma alegoria da escravidão, imediatamente trazendo à memória aquelas cenas de Debret mostrando gordas senhoras sentadas com suas escravas a abaná-las. Mas se examinada de perto, a tese não se sustenta. Basta olhar à volta, em nossos vizinhos sul-americanos: houve ali um histórico bastante variado de escravidão, intenso e persistente em alguns países, como o Brasil, mais raro e há muito extinto em outros. E no entanto, em todos eles empregadas domésticas são encontradas com facilidade, já que o estado da mercado de trabalho nesses países é semelhante ao nosso. Em contrapartida, os EUA tiveram um sólido histórico de escravidão no passado, e atualmente empregadas domésticas são raras ali. A questão é puramente econômica, e questões econômicas são basicamente impessoais. O fato é que cada um faz o que está a seu alcance para ganhar a vida, mas as oportunidades são muito distintas de lugar para lugar. Mesmo na Europa, poucas gerações atrás, empregadas domésticas eram tão comuns para a classe média quanto o são hoje no Brasil. Então, se os alemães acham mesmo que ter empregadas domésticas é uma grande indignidade, deveriam começar por cuspir na cara de suas bisavós antes de recriminar os patrões do terceiro mundo.

      A existência de empregadas domésticas no Brasil não me causa vergonha nenhuma. Tenho vergonha por outros motivos, como por ter que conviver com mensalões e petrolões. Por ter que conviver com empregadas domésticas, não.

      1. Heranca da cultura escravista

        Nao e’ o fato de ter empregada domestica que nos associa com a cultura escravocrata.

        E’ a maneira como a classe dominante e a classe media alta, e ate’ mesmo media baixa, trata as pessoas que trabalham em suas casas.

        O filme de Ana Muylaert e’ rigorosamente verdadeiro em sua descricao dos “maneirismos” dessas camadas da sociedade brasileira que se consideram “elite” – equivocadamente, creio eu, porque a palavra “elite” traz uma componente qualitativa que a classe dominante brasileira, em sua maioria, carece.

        A cena em que Val (Regina Case) passa na sala distribuindo os canapes e salgadinhos, e’ devastadora. Ela e’ completamente invisivel para os convivas da festa; ninguem, absolutamente ninguem, levanta os olhos para dizer um “obrigado” ou  simplesmente to acknowledge a presenca da pessoa que lhes esta’ servindo. E’ uma falta de educacao acachapante, e profundamente verdadeira (so’ se houve a palavra “obrigado” no filme na boca de Jessica, a filha de Val). Este e’ apenas um dos muitos detalhes que Muylaert registrou com perfeicao.

        1. Vá a uma casa de festas…

          Vá a uma casa de festas daquelas que servem bufê, e também verá garçons servindo canapés para convidados sem que ninguém olhe para eles ou lhes diga obrigado. E ninguém achará isso falta de educação: os garçons são profissionais e estão lá fazendo sua obrigação, pela qual são pagos. Deve-se agradecer a favores, não a obrigações. Com a Val é a mesma coisa: os convidados não tinham qualquer relação de parentesco ou amizade que justificasse intimidades para com ela. A única que tinha tal relação era a filha dela.

          Dizer que a elite brasileira não é qualificada é apenas uma opinião pessoal, que não invalida a posição de elite comparativamente ao restante da sociedade. Uma elite ruim é apenas o sinal de uma média pior ainda.

  4. A atuação da Regina Case

    A atuação da Regina Case lembra a da grande atriz italiana Ana Magnani em filmes como Rosa Tatuada e Belíssima. As duas tem em comum a naturalidade e espontaneidade, sem o uso excessivo de expressões faciais e gesticulação para representar um papel.

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