A desvalorização do yuan e o Mercosul

Do Valor

Câmbio facilita regra de conteúdo local

Marta Watanabe | De São Paulo
20/10/2010 

A desvalorização da moeda chinesa frente ao dólar facilita o cumprimento dos índices mínimos de nacionalização e os percentuais de regra de origem, o que pode favorecer ainda mais a oferta de mercadorias com alto conteúdo de insumos chineses ao Brasil.

Estimada em pelo menos 20%, a depreciação do yuan em relação ao dólar permite atingir com menos esforço os índices de nacionalização previstos em acordos regionais, como o do Mercosul, para aproveitar a troca sem imposto de mercadorias entre os países sócios. A desvalorização também afeta a aplicação do percentual mínimo de valor agregado local previsto na recente medida editada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) para evitar a fraude na importação de produtos por meio da triangulação de mercadorias chinesas submetidas ao direito antidumping. A resolução espera regulação da parte operacional desde agosto. Hoje a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) deve aprovar as últimas medidas pendentes para que a medida entre em vigor.

“A manipulação do câmbio torna inútil a nova resolução da Camex”, diz Vera Thorstensen, coordenadora do Centro do Comércio Global e do Investimento, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ela se refere à Resolução nº 63 da Camex, que fixa em 25% o nível de agregação local mínimo para que a triangulação de uma mercadoria não seja considerada como uma violação ao direito antidumping. O percentual mínimo também é exigido caso haja a importação brasileira de partes e peças para a montagem local de produtos protegidos.

NocaNo caso de importações da China, diz Vera, a desvalorização do yuan estimada em pelo menos 20% frente ao dólar acaba fazendo com que a exigência desses percentuais mínimos seja mais facilmente cumprida. Ela acredita que isso pode viabilizar o uso de países do Mercosul para a importação de produtos chineses para o Brasil. No caso, diz, o percentual mínimo aplicado caso o Mercosul fosse usado seria o do acordo regional do bloco. “Uma calça de jeans vinda da China, por exemplo, pode passar pelo Uruguai e cumprir a regra de origem do Mercosul.”

Na regra geral, diz a advogada Priscilla Bevilacqua, do Nasser Sociedade de Advogados, o índice de nacionalização previsto no bloco para Uruguai, Argentina e Brasil é de no mínimo 60%. Com o cumprimento desse percentual, as trocas entre os países ficam livres do imposto de importação.

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que um dos efeitos da desvalorização do yuan é a maior facilidade no cumprimento dos índices de nacionalização. Um segmento que poderia ser beneficiado com isso, diz, é o da indústria uruguaia de automóveis que usa partes e peças importadas da China.

De acordo com dados do sistema de informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), o Uruguai importou de janeiro a julho deste ano US$ 28,4 milhões em partes e acessórios de veículos automotores da China. No mesmo período do ano passado, foram apenas US$ 2,7 milhões. As importações brasileiras de automóveis uruguaios foram de US$ 17,5 milhões de janeiro a julho deste ano. O valor corresponde a mais da metade das exportações uruguaias da mesma classificação de veículos a todos os países do Mercosul.

A Chery, montadora de origem chinesa com fábrica instalada no Uruguai, informa que atualmente a indústria monta em território uruguaio os modelos Face e Tiggo para venda ao Chile e Argentina. Para o Brasil, desde junho, a empresa tem trazido os importados diretamente da China ao Brasil, juntamente com o modelo Cielo. Como as importações brasileiras passaram a ser diretas, não há retirada do imposto de importação.

Paulo Butori, presidente do Sindipeças, que reúne as indústrias de autopeças, diz que o segmento já notou o efeito do yuan sobre a concorrência e sobre os índices de nacionalização. “A balança comercial com a China ainda não nos deixa de cabelo em pé”, explica ele. Os chineses, porém, diz, já deslocaram muitas indústrias brasileiras dedicadas ao mercado de reposição e a qualidade dos seus produtos aumenta rapidamente.

Milton Cardoso, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), diz que o setor vem sendo alvo de comercialização triangulada de calçados esportivos chineses, protegidos por direito antidumping definitivo desde março. Ele acredita que a relação entre yuan e dólar agrava todos os casos, mas especialmente a montagem no Brasil de partes e peças de calçados importados da China como forma de burlar a proteção. “Nesse caso temos a combinação do movimento inverso do yuan e do real.” Segundo a Abicalçados a importação de partes de calçados cresceu 219% de janeiro a setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado. Do volume total importado, 78,7% vem da China. 

Luis Nassif

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