Líbia, uma certeza e uma interrogação.

Dois texto sobre a Líbia.

Um bom texto de Janio de Freitas, para quem quer saber sobre os verdadeiros interesses por trás da “Primavera Líbia”;

O outro de Clovis Rossi é interessante por mostrar uma visão israelense sobre os acontecimentos e como nada é tão certo assim nesse caldeirão chamado Oriente Médio.

JANIO DE FREITAS

Ação entre amigos

 

Enquanto for possível transgredir princípios da ONU, como ocorre na Líbia, será ingênuo crer que potências agem por menos do que ambição


OS RELATOS MENOS ligeiros da conferência “Amigos da Líbia”, em Paris, proporcionam o primeiro esclarecimento documental das discutidas motivações, entre princípios humanitários e suspeitados interesses gananciosos, para a ação de potências ocidentais no país africano e tanta passividade ante os massacres da população pelas ditaduras na Síria, no Iêmen, no Barein e outras.
Como aperitivo para a reunião dos governantes e representantes de 63 países, o jornal parisiense “Libération” divulgou uma carta, datada de abril, em que o Conselho Nacional de Transição da Líbia rebelde se compromete a destinar à França, em troca do seu reconhecimento como governo legítimo, 35% da produção de petróleo líbio. Ao que o ministro do Exterior francês, Alain Juppé, anexa palavras talvez distraídas, mas definitivas: “A operação na Líbia é muito dispendiosa. É também um investimento no futuro”.
Ficou explicado o pronto reconhecimento recebido do presidente Sarkozy pelos integrantes e pelo próprio conselho, assim como sua condição de governo nos 18 meses seguintes à esperada queda real de Gaddafi. Reino Unido (Inglaterra) e Itália fizeram o mesmo reconhecimento rápido, logo, é presumível que tenham também recebido cartas permutando a riqueza petrolífera da Líbia.
Mas a divisão do legado transferiu para a conferência o clima de disputa que estava só na Líbia. Ingleses, franceses e italianos disputaram com garra o espólio pós-guerra. O bravo ministro do Exterior do Reino Unido foi tão belicamente determinado, com sua proclamação de que “as empresas britânicas não ficarão para trás” na disputa com as francesas e italianas, que não tardou um rateio inaugural para a atividade imediata de meia dúzia de petrolíferas na Líbia.
Enquanto for possível transgredir impunemente decisões e princípios da ONU, como ingleses e franceses fazem na Líbia, será ingênua toda crença de que as potências ajam, em algum caso, por menos do que ambição de domínio e das riquezas alheias.
Entre os “Amigos da Líbia” (alguns tão amigos que já eram muito amigos nos tempos de Gaddafi), quem não saiu da conferência com seu butim, ou com a promessa de tê-lo, lá ganhou ao menos uma frase de Hillary Clinton que deveria ser lembrada a cada dia: “Vencer uma guerra não traz nenhuma garantia de preservação da paz”.

O INFORMANTE
Se o embaixador dos EUA no Brasil em 2008, Clifford Sobel, acreditou no então senador piauiense Heráclito Fortes, não é assunto nosso. Mas que um senador brasileiro desse a outro país informações falsas que comprometiam o Brasil, negando-lhe a soberania e sua proteção, não é atitude que se permitisse passar em branco, como ocorre.
Heráclito Fortes deveria ser chamado a fundamentar sua “certeza de envolvimento estrangeiro, possivelmente das Farc”, no treinamento guerrilheiro de sem-terra, e que uma entidade cultural do Piauí tem “possíveis conexões terroristas”. Se incapaz de fazê-lo, não há motivo para que não seja responsabilizado judicialmente pela gravidade de sua atitude.
Entre a correspondência do embaixador para o governo dos EUA e a negativa de Heráclito Fortes da conversa citada pelo primeiro, a escolha é automática.

 

CLÓVIS ROSSI

Em busca da “demo-islam”


Revoluções árabes darão origem a batalha entre instintos primordiais das sociedades e a modernidade


As revoluções em curso no mundo árabe darão origem a uma batalha entre os instintos primordiais de cada sociedade envolvida e a modernidade.
É a avaliação de Uzi Rabi, diretor do Centro Moshe Dayan de Estudos Africanos e do Oriente Médio da Universidade de Tel Aviv.
Decodificação: para Rabi, as revoltas nasceram de uma rejeição frontal às tiranias, de parte das bases da sociedade, o que ele festeja.
Mas as elites tradicionais tratarão de impor seus “instintos primordiais” (tribais, étnicos, religiosos, clânicos, autoritários).
Quem vai ganhar essa disputa é algo que ninguém está em condições de dizer. Mas Rabi escolhe o seu lado: “Tomara que surjam muitas Turquias no Oriente Médio”.
Entenda-se por Turquias o surgimento do que o professor chama de “demo-islam”, a combinação entre democracia e islamismo, até hoje presente apenas na Turquia dos últimos dez anos, mais ou menos.
É curioso que no mesmo dia em que Uzi Rabi usava essa expressão, em conversa com jornalistas brasileiras, o presidente do Conselho Nacional de Transição da Líbia, Mustafa Abdel Jalil, dizia algo muito parecido, em sua reunião com a comunidade internacional em Paris: assegurava que o líbio “é um povo muçulmano comprometido com a liberdade e a democracia”.
Fácil de falar, muito difícil de por em prática, como admite até mesmo um torcedor do modelo como Uzi Rabi.
É sempre relevante ouvir opiniões de especialistas israelenses por ao menos dois motivos: vêm do único país do Oriente Médio e adjacências em que o fluxo de informações é absolutamente livre. Dois -e mais importante: estudar a evolução da vizinhança é uma questão existencial, em se tratando de país que vive em um ambiente hostil.
Tão hostil que o professor Rabi reconhece que, para Israel, é mais confortável ter Bashar Assad no comando na Síria, apesar de ser um país ainda tecnicamente em guerra com o Estado judeu, do que um eventual governo rebelde.
É a velha história: melhor um demônio antigo e por isso conhecido do que uma entidade ainda sem rosto como o movimento rebelde.
O que complica ainda mais a vida para Israel é o fato de que as revoltas e alguns eventos anteriores levaram a uma situação inédita na região, conforme a avaliação do especialista: as potências que emergem como dominantes não são árabes. São persa (Irã) e turca.
Pior: o Irã já foi bom amigo de Israel, até a queda do xá, em 1979; hoje, é seu maior inimigo. A Turquia substituiu o Irã como o grande aliado israelense no mundo muçulmano, até a invasão de Gaza, em 2009.
A partir daí, começou um processo de distanciamento que atingiu o pico esta semana: degradou as relações diplomáticas ao nível de segundo secretário, cortou os laços militares e, acima de tudo, “Israel está sendo desprovido da amizade da Turquia”, disse o chanceler Ahmet Davutoglu.
Tudo isso no momento em que o xadrez regional está para ser dramaticamente afetado pela petição da Autoridade Palestina para que seu Estado seja plenamente reconhecido pelas Nações Unidas, tema a que voltarei mais adiante.

Redação

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