Quem comemora a derrota de Trump deve buscar entendê-la, por Flavio Lobo

Se tivesse se apresentado como líder articulador de um grande segundo pacote de auxílio emergencial, provavelmente estaria agora reeleito, possivelmente com bastante folga.

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Quem comemora a derrota de Trump deve buscar entendê-la

por Flavio Lobo

Uma análise realista da derrota de Trump – importante para a revisão de estratégias políticas não apenas nos EUA – precisa reconhecer quanto ela se deve a tiros no próprio pé disparados pelo presidente e seus aliados.

Destaco três.

1) A mentira deslavada do corte de impostos aprovado no final de 2017, vendido por Trump como favorável à maioria, mas que só beneficiou mesmo os mais ricos, causou a pior avaliação do presidente ao longo do seu mandato e explicitou a falsidade do seu discurso populista antissistema.

2) A desastrosa atuação do próprio Trump e de seu governo em relação à pandemia, que resultou no vergonhoso desempenho do país “nº 1” do mundo (na expressão do próprio presidente) em relação à disseminação do covid, quantidade de mortos e demais impactos negativos associados à pandemia. O desprezo do trumpismo pela vida, especialmente a dos mais vulneráveis, ficou, também, explícito (o que resultou em perda decisiva de votos de pessoas mais velhas, população que mais comparece nas eleições).

3) A inacreditável perda de oportunidade de se apresentar como protetor dos mais atingidos pelos efeitos econômicos devastadores da pandemia – sobretudo trabalhadores e pequenos empresários –, às vésperas da eleição, ao não se engajar realmente (nem no discurso de campanha!) na montagem e aprovação de um segundo grande pacote de auxílio. Algo que só se explica pela inconsistência e miopia estratégica do trumpismo, que, na falta de visão própria, se deixou levar pela fórmula impopular do establishment ultraliberal.

Os resultados eleitorais – extremamente apertados nos estados decisivos – indicam que provavelmente bastaria o não disparo de um desses tiros no pé para que Trump fosse reeleito (sendo quem é, dizendo e fazendo o que diz e faz).

Como dois dos três tiros citados não teriam acontecido se não houvesse a pandemia, a conclusão, ainda mais desconfortável, é que Trump só perdeu graças à “sorte” (para quem, como eu, torcia por sua derrota) de ter sido abalroado por um vírus, circunstância imprevista, que o revelou incapaz de assumir papeis que eleitores menos partidarizados passaram a esperar dele com muito mais convicção.

Diante do apoio eleitoral que Trump obteve apesar dessa má sorte e dos seus próprios erros estratégicos, podemos afirmar que, se houvesse assumido o papel de comandante protetor da sociedade em face da pandemia – mesmo que mais no discurso e na teatralização que na prática – e tivesse se apresentado como líder articulador de um grande segundo pacote de auxílio emergencial, provavelmente estaria agora reeleito, possivelmente com bastante folga.

Essas constatações devem chamar a nossa atenção para os processos estruturais em curso no país central do capitalismo contemporâneo – que ocorrem também, com boa medida, em muitos outros lugares.

Pesquisas feitas nos últimos anos mostram que a maioria dos americanos adultos acha que a geração de seus filhos será menos próspera que a sua própria. Trata-se de uma percepção consistente com os dados e as tendências socioeconômicas das últimas décadas, e é uma falha sistêmica central no “American Dream“, o modelo econômico/ideológico sobre o qual se construiu a nação mais poderosa do mundo.

Caso os democratas não tentem ou não consigam implementar reformas capazes de realmente melhorar a vida da maioria e alterar as tendências de aumento contínuo da desigualdade e pauperização de cerca de metade da população do país (algo que Obama – que tinha imagem e discurso mais progressistas que Biden, além da “supermaioria” parlamentar quando assumiu a Casa Branca – nem tentou), as chances de que o próximo candidato da direita a se apresentar como antissistema seja mais focado, competente e perigoso que Trump são grandes.

 

Redação

3 Comentários

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  1. Ou muda radicalmente a postura nas relações internacional, ou ficará totalmente isolado.
    Em eventual mudança, as duas primeiras cabeças que serão cortadas serão dos ministros das relações exteriores e do meio ambiente.

    Caso contrário contrário irá perder os principais financiadores de campanha eleitoral, que irão procurar outras alternativas para tentar restabelecer as relações com EUA e a China.

  2. TRUMP já vinha demonstrando a que veio,mesmo antes da pandemia,atitudes estremadas com a relação à CHINA não levaria a nada,mas a insensatez do SEMI-DEUS,o levou ao isolamento,dentro e fora dos USA,isto prova que é necessario um pouco de humilde ,para entender as agruras do sêr humano,principalmente em uma pandemia.

  3. Pois é…donde se deduz que a burrice tem consequências. Seja a burrice trumphista, que conforme diz o texto, perdeu porque não teve nem jogo de cintura de mentir fingindo que falava a verdade, seja a burrice do eleitorado que, senão agora, poderá cair no engodo da extrema direita na próxima eleição. Disso tudo se deduz que as chances de virmos a ter esperança nas próximas eleições tupiniquins são pequeníssimas. Pois é óbvio ululante que há um burro no comando (mas infelizmente mantido graças à cafajestice dos fardados que não querem largar das tetas em que mamam e dos cafajestes togados para os quais as leis são só para os outros, não para eles) mas há burros demais para apertarem o botão da urna (e infelizmente esses burros, totalmente imbecilizados pela mídia calhorda e golpista é que decidirão nosso destino, senão reelegendo o asno de plantão, provavelmente elegendo duplas como um ex-juiz cafajeste e um boneco da plimplim). Solução, só revolução…ARMADA.

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