Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela USP. Aposentou-se como professor universitário, e atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

Bakunin voltou, só que na extrema direita, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Se a raiz da inflação não for extirpada, não há taxa de juros que a faça cair. É o que se chama de estagflação

Bakunin voltou, só que na extrema direita

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

O ser humano é realmente incrível para o bem e para o mal. Viajar de avião e observar alguns milhões de peças funcionando harmonicamente, levando um aparelho a velocidades alucinantes é como entrar em um sonho. Como se não bastasse, trata-se do mais seguro meio de transporte da atualidade. Os projetistas de aviões, por mais talentosos que sejam, em outros assuntos, podem ser a expressão viva da burrice. Nossa sorte é que eles não falam de economia, nem corremos o risco de que algum deles venha a se tornar ministro da Fazenda. Não temos defesa, porém, contra os gestores mais evidentes do mercado financeiro. Acham que, por lidarem com valores inimagináveis, que provavelmente não lhes pertence, podem palpitar sobre tudo e resolver o problema de todos. Parafraseando o presidente, é “Mercado acima de tudo, gestores acima de todos”. Aí, ouvimos pérolas como a declaração constante neste link. É um Bakunin[1] que saiu das profundas do inferno, com seu “quanto pior, melhor” e caiu na extrema-direita.

Para o gestor, quanto mais rapidamente a economia afundar, melhor. Ele alega que quanto mais depressa chegar a recessão e os preços pararem de subir, mais rapidamente os juros caem. Naturalmente, ele está partindo do princípio de que a única causa possível para a elevação do nível de preços seja monetária, como se não houvesse motivos estruturais, ou mesmo de políticas equivocadas para que a inflação persista. O problema é que o pensamento desse jovem senhor é a voz corrente – perdão! – Mainstream, como está na moda.

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Comecemos pelo começo para que o entendimento fique mais claro. A inflação começou muito antes da subida visível de preços. É que ela é o reflexo da perda do poder de compra da moeda e essa perda possui mais de um meio para se manifestar. Quando o sabão em pó perde peso e mantém o preço constante, é a inflação disfarçada, ou, como se costumava dizer nos anos 1980, era a maquiagem do produto. Quando a salsicha perde a essência de carne e ganha urucum para ficar vermelha, é a maquiagem na sua expressão mais estética e mais danosa, pois mexe com a fome do cidadão. A inflação começou, portanto, com a reforma trabalhista, pois foi aí que começou a transferência de renda, pois a economia obtida com a derrubada dos direitos trabalhistas não se refletiu em nível de emprego, muito menos em queda de preço. O desemprego aumentou, os salários caíram e as margens subiram e, para mantê-las maquiam-se os produtos até o ponto em que esse remédio não funciona mais e resta ao empresário aumentar o preço tornando visível o que já vinha acontecendo.

Talvez o opinante membro do mercado não saiba o que vem a ser a pirâmide de Maslow, que nada mais é que a tradução gráfica das palavras de Cícero, o tribuno, mais tarde cônsul romano: “Primo vivere, deide phylosofare” (Primeiro viva, depois pense). Isso quer dizer que não há racionalidade na miséria. É preciso comer e dar de comer, não importando a que preço. Em bom economês, na medida em que o consumidor se vê obrigado abrir mão do consumo menos imediato, sua cesta vai-se compondo por produtos mais inelásticos, ou seja, aqueles cuja variação do preço não altera o consumo na mesma proporção. Se a raiz da inflação não for extirpada, não há taxa de juros que a faça cair. É o que se chama de estagflação, como o que vivemos hoje. Aliás, não há estudo empírico que comprove a tão famigerada correlação entre inflação e taxa de juros. Pode-se dizer que ela está para a inflação como a cloroquina está para covid. Só defende essa ideia quem ganha com ela.


[1] Mikhail Bakunin, (1814 – 1876) foi um sociólogo russo que tinha um relacionamento instável com Marx, atribuindo-se a ele a máxima de que para os revolucionários, “quanto pior, melhor”.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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1 Comentário

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  1. Comecemos pelo começo. O articulista poderia se dar o trabalho de ler Bakunin pela obra do próprio e não pela caricatura dos outros. Matou o argumento pelo título que faz uma associação absurda de Bakunin com a extrema direita.

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